O encontro da minha nuca com aquele tapete branco foi algo similar a lava
emergente de um vulcão de pensamentos encostando na neve acalentadora dos
alpes. Definitivamente, eu não estava bem. Carrego dentro de mim algumas
certezas, dentre elas: a que tudo que vale a pena nesta vida requer sacrifício,
dedicação e levará algum tempo. O tempo de cada um ou como diria o Pessoa: “o tempo das coisas” (que não é o
nosso). A vida não é algo fácil. Enquanto isso, olhos alheios às
histórias lançam suas setas de fogo: “o tempo passa”, “as chances se vão”,
“gente que vem e vai”, “perguntas que não foram feitas”, “respostas que não
foram dadas”. Pressão e mais pressão.
Há
mais de um século Nietzsche teceu algumas palavras sobre o elemento
contemplativo, como se fosse uma antecipação dos caminhos tomados pela
civilização atual, dizia ele: “Por falta de repouso, nossa civilização
caminha para uma nova barbárie .”
Nada tão vigente neste mundo que transmite a sensação de que as pessoas se tornaram “personas” virtualmente satisfeitas por exposição em demasia. Refletindo sobre isto, pus a me questionar: “O que é real numa vida exposta?” Após pensar bastante sobre tema, cheguei à conclusão que o consumo é a coisa mais real dos dias atuais. Não apenas o consumo material. A pedra da vez é o consumo do igual. Vivemos cada vez mais dentro do inferno do igual. Pessoas que não conseguem mais se encontrar dentro de uma sociedade extremamente narcisista e que terminam esgotando-se para o outro dentro de suas próprias sombras. Algo como: “Se não for igual, não serve!”. Tais pessoas amam continuamente a si mesmas, as suas próprias imagens. Justamente por tais atitudes, a cupidez e as experiências eróticas vão sendo minguadas em telas de aparelhos eletrônicos. Vivem da alimentação do próprio ego, negam as diferenças e se fecham para as novas possibilidades, que se encontram nos mistérios e verdades do outro. Isso é, de fato, uma grandiosa barbárie.
“Não
somos mais amigos, não somos mais amantes”.
Puxando
a bola para um conceito mais puro de Filosofia, o Eros (Desejo) pode ser
considerado uma espécie de Amigo da Verdade. Tanto os amigos, quanto os amantes
jamais deveriam viver no exterior do outro. Muito pelo contrário, devem ser
presenças vivas de pensamento. Ambos são categorias vivas! Portanto, para que
consigamos realizar o ato de pensar corretamente, devemos manter o compromisso
vital com a nossa verdade. Com o quê e com quem de fato é real nas nossas
vidas. Sem o Eros (Amigo da Verdade) nosso pensamento perde sua essencial
vitalidade, caindo em estados de inquietação, repetição e reatividade.
Essa perda essencial de vitalidade do pensamento gera uma crise de espírito e é causada pela falta de silêncio. Tal ausência
termina sendo o principal aniquilador dos processos criativos e, somada a uma
vida inteiramente virtual, torna-se um cemitério gigante de mudas que poderiam
florescer. Pensamentos necessitam de silêncio. Mas como encarar uma expedição ao silêncio num mundo,
cujos inquietos nunca valeram tanto? Como lidar com o mundo virtualmente feliz,
virtualmente real e, consequentemente, virtualmente verdadeiro? Contemple-se para
depois contemplar. Olhe as entregas, atitudes, palavras e enxergue dentro do seu
silêncio contemplativo o que de fato é real e verdadeiro. Tendo a certeza, por
outro lado, que o equilíbrio verdadeiro sempre será fluido.
E,
foi ali no mais completo silêncio, com a cabeça afundada no “tapete de neve” com
olhar fixo para o teto, que enxerguei réstias de luz que diziam que a vida é
cheia de momentos mais claros e momentos mais sombrios. Que vaidades não valem
de nada perante a verdade. E que a vida real é dura de ser vivida, mas, por
outro lado, é linda de ser vivenciada.
Foto da Capa - Google Imagens
Foto da Pintura - Angela Almeida