sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Variações em 5/4 - NEW


A coluna “Variações em 5/4” está de volta e para esta primeira edição do ano, os nossos editores comentam “New”, o mais novo disco de Paul McCartney.

- Fernando Lucchesi:

Depois de um disco de standards do Jazz que marcaram sua vida, Paul McCartney resolveu que agora seria vez de algo mais contemporâneo e escalou para produzir o seu novo álbum, “New”, diversos produtores novos, entre eles Mark Ronson, produtor do aclamado “Back to Black”, de Amy Winehouse e Giles Martin, filho do produtor de 90% da discografia dos Beatles, George Martin. Esse amálgama de influências resultou em um disco com faixas bastante diferentes entre si, unidas unicamente pela habilidade de McCartney em conceber músicas melodiosas e baladas no violão. “Save Us”, faixa de abertura, poderia estar tranquilamente em um disco dos Strokes, tamanha a semelhança. “New”, faixa-título do álbum, traz reminiscências de “Got to Get to Into My Life”, mas ao invés dos potentes arranjos de metais, entram sintetizadores e guitarras ao lado de uma melodia daquelas que você pode passar o dia assobiando. “On May Way to Work”, “Early Days” e “ Hosanna” resgatam o Paul de baladas das épocas de Beatles e Wings. Apesar da diversidade de produtores a temática das letras é a mesma de sempre: amores novos ou passados, estes recheados de nostalgia. Não tenhamos ilusões: Paul McCartney não produzirá sua obra-prima agora, mas obteve um ótimo resultado ao fincar um pé no passado e outro, no presente.

- Giba Carvalho:
     
A moda está fora de moda.

É citando uma das frases do excelente disco do Ronnie Von (1968), que inicio minhas palavras sobre “New”, novo álbum de inéditas de Paul McCartney. Confesso não procurar opiniões alheias para basear meus textos, no entanto, a minha sensação ao escutar o disco pela primeira vez, foi de tanta incredulidade, que fui ver o que haviam escrito. Não demorou muito e encontrei o de sempre. Tentativas viajadas e comparações aos trabalhos que Paul McCartney fez nos Beatles. Afirmo – o disco não tem nada de Beatles, além do próprio Paul. Tá, tudo bem! O cara é uma sumidade do mundo musical e qualquer produtor gostaria de produzir um disco do ex-Beatle, mas, quatro produtores é demais! Participaram do disco – Mark Ronson (produtor do excelente “Back to Black” – Amy Winehouse), Paul Epworth (nome de muito destaque na atual cena inglesa. Produtor do Bloc Party e da fantasiosa crepuscular, Florence and The Machine. Tem como trabalho mais elogiado o álbum – “21” de Adele), Ethan Johns (produtor da banda que nunca decola – Kings of Leon e de Joe Cocker) e, finalmente, por Giles Martin (filho do lendário George Martin).

Não sei ao certo a real intenção do velho McCartney ao trazer tantas mentes diferentes para a produção do seu novo álbum. Podemos questionar que foi uma jogada para chocar o ramo com tamanha miscelânea? Podemos!  E foi justamente este mistério, que ainda fez com que ouvisse o trabalho novamente. McCartney, como em diversas outras vezes, fugiu do “feijão e arroz” habitual e se aventurou por novas terras. Para um cara como ele e com a identidade musical criada com os Beatles é meio que um tiro no pé. Não sou fã dos trabalhos pós-Beatles. Gosto apenas de dois discos e uma ou outra música pontual. E, é com a maior tranquilidade possível, que afirmo que “New”, parece mais uma “forçada de barra” do que um disco com tantas novidades assim. Das 12 músicas do álbum, apenas três chamaram a minha atenção. “Save Us”, que abre o disco e é uma boa música pop (embora não goste da semelhança com o Strokes), “On My Way To Work” por ter algo melodicamente interessante e a bela “Early Days”. Também é totalmente perceptível, que o álbum soa diferente de todos os trabalhos anteriores de Paul McCartney. Por este lado, enxergo mérito pela tentativa e, por outro lado, o conformismo habitual que vive a música mundial, notadamente o rock n´roll (com bandas altamente repetitivas). O “disco de retalhos” montado por ele é um trabalho que vaga numa linha bastante mediana e que não desperta a atenção do ouvinte, principalmente, por não possuir identidade.

- Dom Ângelo:

De uma coisa não podemos discordar: Paul McCartney tem uma absurda facilidade em criar melodias que se enquadram dentro do sistema musical temperado. Foi assim na sua carreira com os Beatles, onde foi dono de algumas das mais belas melodias da música do século XX e continuará, acredito eu, enquanto o próprio estiver vivo, com essa proeza genial.

Porém, sinto que a existência daquele fator cósmico, transcendental e imaterial que habita as grandes obras de arte, não existe mais na expressão musical do Paul. Aquela “coisinha” que faz você se arrepiar, no qual os indianos chamam de “sopro divino”, nele, não existe mais. Pelo menos não lhe manifestou em toda a sua carreira solo, muito menos no seu novo álbum, o “New”.

Mas uma coisa é certa: aquela bela habilidade em combinar notas com notas, façanhas da música europeia, sempre caminhará de mãos dadas com esse gênio maior da música pop. É de seu ofício. É de seu propósito. É do seu Dharma. Nisso, o velho Paul é bom e continua colocando todo mundo pra “balançar” com suas novas composições.

- Bruno Vitorino:

Parece-me que uma das funções mais nobres da figura do veterano é estabelecimento de laços com a juventude. Se por um lado a experiência oriunda de seus anos de prática, reflexões e descobertas provoca o tino dos que começam, por outro suas ideias costumam ser estimuladas pelo ímpeto desbravador que emana dos mais jovens. E se esse veterano for um mestre, a História nos diz que esses encontros deixam, não raramente, marcas profundas. Foi assim quando o renomado Handel acolheu, ainda que brevemente, o impetuoso Mozart. Foi assim quando o metódico Rimsky-Korsakov tutorou o inquieto Stravinsky. Foi assim quando Radamés Gnattali abrigou o inseguro Tom Jobim. A Música mudou. Apontou novos caminhos, desnudou paisagens não vistas, abriu horizontes incertos.

Paul McCartney certamente figura no panteão dos grandes. Não há muito que se discutir a respeito. Com sua produção, mais especificamente à época dos Beatles, ele foi um dos responsáveis por definir o que conhecemos hoje por música pop em todos os aspectos. Justamente por isso, todo e qualquer projeto em que se envolva gere expectativa e euforia, ainda mais, quando ele é anunciado na Grande Mídia como uma fuga da zona de conforto do sucesso e uma busca pelo inédito numa odisseia musical compartilhada com novos nomes. Assim me chegou “New”, o último trabalho de Paul. No entanto, o que se propunha ser um interessante diálogo entre a serenidade clarividente da experiência com o frescor audacioso da mocidade na busca incansável pelo novo, revela-se um constrangedor exercício da Síndrome de Peter Pan. É como se McCartney, depois de uma overdose de Arcade Fire, MGMT, Florence & The Machine e todo esse lixo descerebrado e inútil, virasse um rapaz de 25 anos de nossos dias: iPod em modo random, redes sociais a todo vapor, sobreposições de estímulos, pluralidade sem objetivo, tudo e nada, aqui e lugar nenhum. E toda essa confusão do que ser e de como ser se reflete na música apresentada no álbum: uma colagem pop desordenada, um pastiche gagá de uma juventude automatizada.

O que aproveitar, então, desse disco? Os sublimes momentos de silêncio entre uma faixa e outra.

- André Maranhão:

Apesar do nome, não vi muita coisa nova em New, exceto algumas tentativas de Paul McCartney em usar programações e samplers mais do que enfatizar o piano – coisa que ficou parecida com a fase do final dos anos noventa do U2 (em “All That You Can’t Leave Behind”), a qual não me agrada muito. “Appreciate” e “Looking at Her” são alguns exemplos disso.  Em alguns momentos, o álbum pode parecer longo de ouvir, principalmente nas faixas “Queenie Eye” e “New”. “Turned Ou” e “Everybody Out There”, não considerei muito inovadoras. “Get me Out of Here”, parecendo um summer rock, não chamou minha atenção. O meu destaque vai para a bela canção “Scared” (escondida no final do álbum) com Paul só ao piano; além de “Early Days” (balada de violão aberto, bem casada com a voz, parecendo Damien Rice), além de “Save Us” e “Road”, que me lembrou a dupla francesa Air, em “Playground Love”. Num segundo pelotão, coloco “Alligator”, “On My Way To Work” (com seus leves indianismos nos solos) e “Hosanna”.

domingo, 5 de janeiro de 2014

O Rei, o Kitsch e o Conformismo - Por Bruno Vitorino



Não olhe para baixo
Não olhe para baixo
Ou a fera abissal da não conformidade
Pode incutir alguma verdade desagradável
Em sua mente insensível

Thomas Haake


Quando Reginaldo Rossi morreu, a repercussão foi imensa. Nas redes sociais, lágrimas em html, hashtags pesarosos e lamentos de internautas que se sentiam acossados por um mundo injusto que os priva dos verdadeiros artistas, deixando-os desamparados, sem referência, sem imagens sacras para cultuar. Na grande mídia pernambucana, bairrista que só ela, não se falou em outra coisa: como a Música Popular Brasileira (assim mesmo com iniciais maiúsculas) perdeu com a morte desse grande ícone. O mundo - quiçá a galáxia! - não seria mais o mesmo sem esse recifense tão ilustre e inovador. Só que ou eu enlouqueci ou sou o único são nesse “sanatório geral”. Em que momento de sua carreira Reginaldo Rossi fez arte? O que é sua obra senão a degeneração do que um dia fora a música romântica da Era de Ouro do rádio? Onde foram parar as fronteiras estéticas as quais separavam o brega, uma música popularesca que versa de maneira rudimentar sobre o amor e suas intercorrências no cotidiano da grande massa, daquilo que se convencionou chamar de MPB, gênero estritamente ligado à classe média que sempre defendeu um suposto refinamento intelectual da cultura popular? Algo não batia.

Não pense o senhor que sou um filho da puta arrogante e frio incapaz de sentir qualquer compaixão pelo próximo. Longe de mim tal postura. Honestamente, lamentei pelo ser humano Reginaldo Rossi que sucumbiu a uma doença cruel como o câncer e que certamente deixou uma lacuna em seus familiares e amigos que só o tempo tornará mais suportável. Externo aqui minhas mais sinceras condolências. Com sua morte, perdeu-se um ídolo das multidões, partiu um entertainer dos maiores. Isso é inegável! Mas, daí a querer transformá-lo numa sumidade da cultura é forçar por demais os limites do bom senso e do juízo histórico do que se definiu por Arte (com “A” maiúsculo mesmo). Recuso-me a admitir que exista experiência artística numa música simplória que faz da cafagestagem, da mesa de bar e do “chifre” seu mote. É bom não esquecer que o brega é um estilo que nasce do contexto sócio-econômico-cultural extremamente precário que marca nosso país de contrastes. É uma manifestação cultural, no sentido antropológico, de uma vasta camada da população que fora deliberadamente excluída do processo civilizador – educação, saúde, moradia, cultura – pelos Donos do Poder e está destinada a cumprir um papel social de submissão no continnum da História. Ou você acha mesmo que um jovem entregador de água mineral tem as mesmas chances de um garoto que estuda no Damas? Portanto, aceitar Reginaldo Rossi como triunfo da Arte é, de certa forma, referendar toda essa condição humana de pobreza e anuir que essas pessoas continuem onde sempre estiveram. É se conformar com a realidade tal como ela se apresenta. Além do mais, do ponto de vista estritamente estético, se o “Rei” é considerado Arte, então sou obrigado a aceitar o funk como música de protesto e de contestação do status quo, concorda? Assim, Anitta é a nova Elis Regina e a majestade pernambucana do brega é um letrista do mesmo quilate que um Aldir Blanc. Ora, sejamos francos! Reginaldo Rossi é, na melhor das hipóteses, divertido. E é fundamental separar o prazer banal do entretenimento fácil da densidade transcendental do ofício artístico.

O fato é que Arte, no sentido tradicional do termo, é algo supérfluo nos tempos da cultura de massa que homogeneíza gostos, dilui os conceitos, elimina os debates e ratifica o transitório. Não há mais espaço para a experiência única, particular e íntima da arte contemplativa, que requer do público um olhar reflexivo, feita por um artista-artesão que procura comunicar uma realidade interna. O que temos hoje é o fluxo contínuo dos estímulos sensoriais (a jukebox no café, o WhatsApp na reunião de amigos, etc.), o culto à personalidade que substitui a antes imprescindível criatividade, o vazio dos conteúdos e a pobreza das formas, a crítica acéfala que endossa o tacanho, o cultivo de esteriótipos, a intensificada estilização da vida e, o mais sintomático, o delírio fantasioso de negação da realidade cada vez mais presente nas subculturas jovens. E é exatamente esse aspecto que eu enxergo no fenômeno Cafuçu: meninos nascidos em berço esplêndido que se travestem de cobradores de ônibus tanto no linguajar quanto na indumentária para desfrutar a ilusão do bom gentil. Obviamente que o Cafuçu não quer encarar a realidade dura, de chão batido, daquele que o inspirou: trabalhar oito horas por dia num subemprego, ganhar o mínimo para sobreviver, usar um péssimo transporte público, fazer das tripas coração para criar seus filhos, morar num casebre em um bairro violento da periferia e encontrar uma breve paz de espírito num copo de conhaque de alcatrão. Não! Ele quer andar em sua bicicleta dobrável importada, chegar a seu apartamento na área nobre da cidade, ter comida na mesa servida pela empregada doméstica, usar seu iMac para acessar o facebook e que Papai lhe dê aquela tão sonhada viagem a Nova Iorque para que ele tenha o que falar na próxima ida ao Bar Central. Uma juventude chapa branca, conformista, especializada em arranhar superfície, que negligencia sua mais importante função: questionar! Algo bem distante daquela “juventude que não corre da raia a troco de nada” de outrora. Agora só o “verniz” importa.

Entendidas todas essas questões, é possível compreender como Reginaldo Rossi transpôs a condição de ídolo marginal do “povão” para se consagrar um dos sumos pontífices da alta cultura brasileira. Ele não foi reconhecido por sua grandeza e importância para essa camada da população. Ele foi cooptado pela sistemática lucrativa do kitsch, ressignificado como um ícone cult pelos setores da sociedade que definem o que é ou não digno de nota - os chamados formadores de opinião – e posto à venda como um artigo de luxo não mais para os personagens de sua música, mas para os moradores de imóveis de alto padrão. Tudo é deslocado no mundo Pós-Moderno e é fundamental enxergar todas essas camadas heterogêneas que se sobrepõem. Portanto, meu querido, não se deixe levar pelo “efeito manada” promovido pela imprensa e, ao menos, problematize o processo que criou o mito Reginaldo Rossi e pôs o brega no mais elevado patamar da manifestação humana. Cometa o mais mortal dos delitos contemporâneos: pense!