quinta-feira, 8 de maio de 2014

Howard Becker e Os Mundos da Arte - Por André Maranhão Santos

Howard Becker ao Piano na 63rd Street em Chicago (circa 1950).


Possivelmente, várias pessoas que entraram em contato com análises sobre a arte o fizeram a partir de textos assinados por filósofos, estetas, historiadores, jornalistas ou biógrafos. No entanto, há outro caminho bastante relevante e não menos significativo, embora tenha emergido pouco em certos momentos. Falo aqui da perspectiva sociológica, e mais notadamente da Sociologia da Arte – a qual tem desenvolvido (pelo menos desde o século XIX) observações interessantes acerca de vários trabalhos artísticos e em suas formas mais diversas.

Um dos pontos de partida bastante emblemáticos para a Sociologia da Arte foi o ensaio de Max Weber (1864-1920), intitulado Os Fundamentos Racionais e Sociológicos da Música. Através de uma ciência recém-fundada como a Sociologia, Weber identificou nas divisões musicais do Ocidente (escalas, harmonias, melodias, tons, compassos) características análogas ao racionalismo da vida ocidental. Em outras palavras, Weber procurou frisar que a música ocidental se acoplava ao estilo de vida da própria sociedade do Ocidente, como também à sua visão de mundo (Weltanschauung).

Ao passo em que a Sociologia era instituída nas academias e nos países, outros grandes expoentes também se debruçavam sobre o tema da arte, sendo Maurice Halbwachs (1877-1945); Norbert Elias (1897-1990); Alfred Schütz (1899-1959); Theodor W. Adorno (1903-1969); Gisèle Freund (1908-2000); Pierre Bourdieu (1930-2002); Antoine Hennion (1952); Nathalie Heinich (1955) e Tia de Nora (1958) alguns dos seus nomes mais importantes. Nesse processo houve um grande intercâmbio de ideias entre tradições sociológicas diferentes, onde Alemanha, França e Reino-Unido merecem destaque.

Porém, outro cenário foi não menos crucial para a organização de uma Sociologia da Arte mais efetiva: nos Estados Unidos, sobretudo na Universidade de Chicago (fundada pelo magnata John Rockfeller) os estudos sociológicos receberão não apenas novas teorias mas estimularão trabalhos caracterizados por metodologias enriquecedoras e pioneiras. Todo este movimento ficou conhecido como Escola de Chicago, abrindo portas para técnicas de pesquisas tais como a observação participante, o estudo de caso, a etnografia, as entrevistas. Os sociólogos começaram a estudar gangues, comunidades, imigrantes, operários, policiais, sanatórios – dentre outros grupos e espaços mais específicos dentro de uma cidade – baseados no interesse de perceber como as pessoas interagiam em suas situações do cotidiano. Podemos destacar George Herbert Mead (1863-1931); Robert E. Park (1864-1944); Hebert Blumer (1900-1987); William Foote Whyte (1914-2000) e Erving Goffman (1922-1982) como estudiosos indispensáveis nesta tradição.

O debate levantado pela Escola de Chicago ofereceu um fértil cruzamento entre a Sociologia e a Psicologia Social, além do desenvolvimento de uma nova corrente das Ciências Sociais – a do Interacionismo Simbólico. Mas a Escola de Chicago e o Interacionismo Simbólico não podem ser compreendidos sem creditarmos a importância do Pragmatismo nesse processo. Pode-se afirmar que os Estados Unidos não desenvolveram um pensamento exclusivamente pragmatista, mas podemos afirmar que o Pragmatismo é o que há de mais enriquecedor no pensamento filosófico norte-americano, cujos nomes como William James, John Dewey, George H. Mead e Charles Sanders Pierce se tornaram expoentes célebres. Se eu pudesse resumir a visão pragmatista citaria a célebre frase de Dorothy e William Thomas que diz: “se os homens definem as situações como reais, elas são reais em suas consequências”. O mundo não é completamente dado de antemão, mas as pessoas têm capacidade de construí-lo, ordená-lo e hierarquizá-lo socialmente.

Estimulado pelas reflexões do Pragmatismo e do Interacionismo Simbólico, um jovem pianista semiprofissional resolveu estudar Sociologia na Universidade de Chicago nos anos quarenta: Howard Saul Becker é responsável por algumas das melhores análises da arte a partir de uma perspectiva sociológica no século XX. Atualmente, Becker é professor da Universidade da Califórnia (UCLA), mas ao longo da sua vida alternou seus momentos de docência com sua carreira musical em bares, clubes, casamentos e gigs. Becker aliou o fato de ser pianista de Jazz antes mesmo de iniciar seus estudos acadêmicos, para estudar como os músicos agem durante uma apresentação, além de observar como eles acertam seus repertórios em cada ambiente, oferecem as canjas, o bis e lidam com as panelinhas e donos dos estabelecimentos onde se apresentam. Para esmiuçar essas observações, Becker lançou em 2009 Do You Know...? The Jazz Repertoire in Action – em parceria com Robert R. Faulkner; além de Outsiders: estudos de sociologia do desvio, outra publicação bastante reconhecida entre seus pares onde Becker dedica dois dos seus capítulos ao estilo de vida do músico de Jazz nas casas noturnas em Chicago nos anos quarenta.

Ao concordar com várias posições do Pragmatismo, Becker também parece ratificar a posição de David Hume, ao entender que as grandes obras artísticas são grandes para as pessoas que conhecem o suficiente para entendê-las e para quem elas são destinadas. Em seus livros Art Worlds e Falando da Sociedade: ensaios sobre as diferentes maneiras de representar o social, Becker transcende as pesquisas sobre o Jazz, e parte para as análises da arte em diferentes materialidades: cinema dança, pintura, fotografia, o canto dos detentos em presídios norte-americanos, a poesia – todos esses casos são temas de problematização sociológica. Becker então acaba defendendo que não cabe à Sociologia diminuir qualquer expressão que se diga artística em virtude de outra supostamente superior. Se há uma dimensão metafísica ou do engrandecimento de estados da arte em um tipo de arte e não em outro, deixemos tal especulação para a Filosofia. À Sociologia cabe defender que a arte é convenção, regras, formas arbitrárias socialmente instituídas e compartilhadas. A arte depende de cooperação, de recursos materiais, de críticos que endossem o julgamento sobre determinado trabalho ou determinado artista. A arte, portanto, não é uma criação tão espontânea assim ou focada no indivíduo como podemos pensar, mas está intimamente ligada à interpretação que os indivíduos dão às formas, aos símbolos, além de suas opiniões possuírem forças em graus diferentes na sociedade, já que a sociedade é também o agir de olho no que os outros fazem. Se os indivíduos definem certos objetos como artísticos, eles serão artísticos em suas consequências!

Becker pode ser acusado (assim como muitas vezes o foi) de negligente ante uma posição moral ou ética na arte. Ainda sim, tal crítica é bastante problemática, já que construir uma análise sobre a arte isenta de julgar se alguma expressão artística é superior a outras – como bem o fez Becker, é se filiar a um compromisso ético com a ciência social: o de seguir a metodologia da compreensão e da interpretação das realidades construídas pelas pessoas em seus cotidianos. Agir dessa maneira é uma forma de não mascarar a realidade social, já que os estudos da arte perderam muitas informações preciosas, quando seus analistas deixaram o preconceito e o esnobismo falarem mais alto que os dados de suas análises.

Sugestões de leitura:

BECKER, H. S. Art Worlds. California: University of California Press, 2008.

_____. Do you know? The jazz repertoire in action. California: University of California Press, 2009.

_____. Falando da sociedade: ensaios sobre as diferentes maneiras de representar o social. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

_____. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

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