Howard Becker ao Piano na 63rd Street em Chicago (circa 1950). |
Possivelmente, várias pessoas
que entraram em contato com análises sobre a arte o fizeram a partir de textos
assinados por filósofos, estetas, historiadores, jornalistas ou biógrafos. No
entanto, há outro caminho bastante relevante e não menos significativo, embora tenha
emergido pouco em certos momentos. Falo aqui da perspectiva sociológica, e mais
notadamente da Sociologia da Arte – a qual tem desenvolvido (pelo menos desde o
século XIX) observações interessantes acerca de vários trabalhos artísticos e
em suas formas mais diversas.
Um dos pontos de partida bastante
emblemáticos para a Sociologia da Arte foi o ensaio de Max Weber (1864-1920),
intitulado Os Fundamentos Racionais e
Sociológicos da Música. Através de uma ciência recém-fundada como a
Sociologia, Weber identificou nas divisões musicais do Ocidente (escalas,
harmonias, melodias, tons, compassos) características análogas ao racionalismo
da vida ocidental. Em outras palavras, Weber procurou frisar que a música
ocidental se acoplava ao estilo de vida da própria sociedade do Ocidente, como
também à sua visão de mundo (Weltanschauung).
Ao passo em que a Sociologia
era instituída nas academias e nos países, outros grandes expoentes também se
debruçavam sobre o tema da arte, sendo Maurice Halbwachs (1877-1945); Norbert
Elias (1897-1990); Alfred Schütz (1899-1959); Theodor W. Adorno (1903-1969); Gisèle
Freund (1908-2000); Pierre Bourdieu (1930-2002); Antoine Hennion (1952);
Nathalie Heinich (1955) e Tia de Nora (1958) alguns dos seus nomes mais
importantes. Nesse processo houve um grande intercâmbio de ideias entre
tradições sociológicas diferentes, onde Alemanha, França e Reino-Unido merecem
destaque.
Porém, outro cenário foi não
menos crucial para a organização de uma Sociologia da Arte mais efetiva: nos
Estados Unidos, sobretudo na Universidade de Chicago (fundada pelo magnata John
Rockfeller) os estudos sociológicos receberão não apenas novas teorias mas estimularão trabalhos caracterizados por metodologias enriquecedoras e
pioneiras. Todo este movimento ficou conhecido como Escola de Chicago, abrindo
portas para técnicas de pesquisas tais como a observação participante, o estudo
de caso, a etnografia, as entrevistas. Os sociólogos começaram a estudar
gangues, comunidades, imigrantes, operários, policiais, sanatórios – dentre
outros grupos e espaços mais específicos dentro de uma cidade – baseados no
interesse de perceber como as pessoas interagiam em suas situações do
cotidiano. Podemos destacar George Herbert Mead (1863-1931); Robert E. Park
(1864-1944); Hebert Blumer (1900-1987); William Foote Whyte (1914-2000) e
Erving Goffman (1922-1982) como estudiosos indispensáveis nesta tradição.
O debate levantado pela Escola
de Chicago ofereceu um fértil cruzamento entre a Sociologia e a Psicologia
Social, além do desenvolvimento de uma nova corrente das Ciências Sociais – a
do Interacionismo Simbólico. Mas a Escola de Chicago e o Interacionismo
Simbólico não podem ser compreendidos sem creditarmos a importância do
Pragmatismo nesse processo. Pode-se afirmar que os Estados Unidos não desenvolveram
um pensamento exclusivamente pragmatista, mas podemos afirmar que o Pragmatismo
é o que há de mais enriquecedor no pensamento filosófico norte-americano, cujos
nomes como William James, John Dewey, George H. Mead e Charles Sanders Pierce
se tornaram expoentes célebres. Se eu pudesse resumir a visão pragmatista citaria
a célebre frase de Dorothy e William Thomas que diz: “se os homens definem as
situações como reais, elas são reais em suas consequências”. O mundo não é
completamente dado de antemão, mas as pessoas têm capacidade de construí-lo,
ordená-lo e hierarquizá-lo socialmente.
Estimulado pelas reflexões do
Pragmatismo e do Interacionismo Simbólico, um jovem pianista semiprofissional
resolveu estudar Sociologia na Universidade de Chicago nos anos quarenta: Howard
Saul Becker é responsável por algumas das melhores análises da arte a partir de
uma perspectiva sociológica no século XX. Atualmente, Becker é professor da
Universidade da Califórnia (UCLA), mas ao longo da sua vida alternou seus
momentos de docência com sua carreira musical em bares, clubes, casamentos e
gigs. Becker aliou o fato de ser pianista de Jazz antes mesmo de iniciar seus
estudos acadêmicos, para estudar como os músicos agem durante uma apresentação,
além de observar como eles acertam seus repertórios em cada ambiente, oferecem
as canjas, o bis e lidam com as panelinhas e donos dos estabelecimentos onde se
apresentam. Para esmiuçar essas observações, Becker lançou em 2009 Do You Know...? The Jazz Repertoire in
Action – em parceria com Robert R. Faulkner; além de Outsiders: estudos de sociologia do desvio, outra publicação
bastante reconhecida entre seus pares onde Becker dedica dois dos seus
capítulos ao estilo de vida do músico de Jazz nas casas noturnas em Chicago nos
anos quarenta.
Ao concordar com várias
posições do Pragmatismo, Becker também parece ratificar a posição de David
Hume, ao entender que as grandes obras artísticas são grandes para as pessoas que
conhecem o suficiente para entendê-las e para quem elas são destinadas. Em seus livros Art Worlds e Falando da Sociedade: ensaios sobre as diferentes maneiras de
representar o social, Becker transcende as pesquisas sobre o Jazz, e parte
para as análises da arte em diferentes materialidades: cinema dança, pintura,
fotografia, o canto dos detentos em presídios norte-americanos, a poesia –
todos esses casos são temas de problematização sociológica. Becker então acaba
defendendo que não cabe à Sociologia diminuir qualquer expressão que se diga
artística em virtude de outra supostamente superior. Se há uma dimensão
metafísica ou do engrandecimento de estados da arte em um tipo de arte e não em
outro, deixemos tal especulação para a Filosofia. À Sociologia cabe defender
que a arte é convenção, regras, formas arbitrárias socialmente instituídas e
compartilhadas. A arte depende de cooperação, de recursos materiais, de críticos
que endossem o julgamento sobre determinado trabalho ou determinado artista.
A arte, portanto, não é uma criação tão espontânea assim ou focada no indivíduo
como podemos pensar, mas está intimamente ligada à interpretação que os
indivíduos dão às formas, aos símbolos, além de suas opiniões possuírem forças
em graus diferentes na sociedade, já que a sociedade é também o agir de olho no
que os outros fazem. Se os indivíduos definem certos objetos como artísticos,
eles serão artísticos em suas consequências!
Becker pode ser acusado (assim
como muitas vezes o foi) de negligente ante uma posição moral ou ética na arte.
Ainda sim, tal crítica é bastante problemática, já que construir uma análise
sobre a arte isenta de julgar se alguma expressão artística é superior a outras
– como bem o fez Becker, é se filiar a um compromisso ético com a ciência
social: o de seguir a metodologia da compreensão e da interpretação das
realidades construídas pelas pessoas em seus cotidianos. Agir dessa maneira é
uma forma de não mascarar a realidade social, já que os estudos da arte
perderam muitas informações preciosas, quando seus analistas deixaram o
preconceito e o esnobismo falarem mais alto que os dados de suas análises.
Sugestões de leitura:
BECKER, H. S. Art Worlds. California: University of
California Press, 2008.
_____. Do you
know? The jazz repertoire in action. California: University of California
Press, 2009.
_____.
Falando da sociedade: ensaios sobre
as diferentes maneiras de representar o social. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
_____.
Outsiders: estudos de sociologia do
desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
Página de Howard Becker:
Texto genial, muito bem escrito!
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