domingo, 28 de junho de 2015

Variações em 4/4: Eu Vou Fazer Uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito!



Na coluna deste mês, os editores do blog comentam o disco de estreia do cantor pernambucano Johnny Hooker, “Eu Vou Fazer Uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito!”

Boa leitura!

- Giba Carvalho:

Johnny Hooker é uma mistura de Cazuza com Ney Matogrosso da Rua da Moeda. A afirmação pode parecer irônica, mas, não tem nada de ironia na mesma. Escrachado nos vocais como o ícone oitentista, performático como gigante Ney e recheando seu disco com tudo aquilo que é modinha na cena cultural recifense (quiçá brasileira), o ator-cantor pernambucano vem galgando seu espaço a passos largos dentro da carente música nacional.

“Eu Vou Fazer Uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito!” (EVFUMPTA,M!) é um animado disco de dor de cotovelo daquelas de arrombar! Lágrimas incontidas, berros e emoções aflitas são os principais fatores encontrados no disco. E o garoto não compõe mal com seu palavreado usual, cru e urbano.

Musicalmente falando, ao contrário do que se propaga por aí, o referido álbum não é a “salvação inovadora do mercado”. Mas, ressalto três pontos bastante interessantes:
Os arranjos de metais do álbum são primorosos! 
Inegavelmente, o trabalho de Hooker tem personalidade. Para mim, este é um ponto de grande valia.

E, o principal, embora muitas vezes parecendo com Cazuza, o rapaz canta bem. E isto, num meio que perpetua e idolatra “Otto`s, Trummer`s e Buhr´s” (onde o bonito é cantar mal), é uma diferença IMENSA!

“EVFUMPTA,M!” é daqueles álbuns que será bem recepcionado nas festinhas “descoladas” de Recife, passando pelos “pega-bêbo” onde cornos choram as suas lágrimas e em vários Mp4 da “tchurminha” da cidade. Se isto vai enquadrar-se no seu conceito pessoal de música popular, já é outra história. Vou mais além. Conscientemente ou não, o disco de Hooker é um trabalho lançado no momento exato para fazer sucesso e passa longe de qualquer postura “careta” e “conservadora”. Particularmente, não é o que costumo (e gosto) de ouvir, mas ainda assim, prefiro o escracho a sacarose exacerbada da MPB Cupcake, tão propagada aos quatro ventos.

Destaco no álbum: “Volta”,  “Alma Sebosa” e “Eu Vou Fazer Uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito”.


- André Maranhão:

O álbum de Johnny Hooker é bom, assim como a sua eleição de melhor cantor de canção popular, no último Prêmio da Canção Brasileira, é positiva. Há algum tempo, a música produzida em Pernambuco que propõe uma estética vinculada ao BregaCult, ou ao Pop, não apresenta em sua linha de frente tantos artistas afinados e que, ao mesmo tempo, criam trabalhos autorais bem feitos. Pelo contrário, é possível nos depararmos com performers muito mais cuidadosos com seus elementos gestuais, figurinos do que com a precisão e segurança dos seus cantos. Diferentemente, Johnny Hooker consegue se fazer um bom cantor, ao mesmo tempo em que se vale de maquiagens chamativas e traz consigo um figurino interessante, cujas influências de Secos e Molhados, David Bowie e do Tropicalismo podem ser claramente apontadas. Em seu disco, as faixas que mais chamaram a minha atenção foram “Alma Sebosa”; “Volta”; e “Você Ainda Pensa”. De modo mais amplo, as canções de Johnny Hooker trazem poucos acordes, melodias claras, bem executadas pela banda, como também letras coloquiais e bem escritas. Portanto, creio que o trabalho de Johnny Hooker consegue atrair pelo fato de nos oferecer o que há de virtude quando a forma do simples se apresenta de maneira bem executada.

- Fernando Lucchesi:         

Não é fácil categorizar “Eu Vou Fazer Uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito!”. O disco de estreia do pernambucano Johnny Hooker é uma junção de tudo que há de mais popular na música brasileira. Há brega, pop, um pouco de rock e até mesmo frevo. A temática das músicas de Hooker gira em torno das relações amorosas e os sentimentos que delas derivam como tristeza, mágoa, felicidade, superação e, eventualmente, do perdão quando do fim do relacionamento.  O que chama a atenção são os arranjos “bregas” (coloco entre aspas, pois são mais baseados em gêneros caribenhos do que no brega feito e produzido no Brasil) e a voz rascante e melodiosa de Hooker que se encaixa perfeitamente na dramaticidade das letras.

Os destaques do disco são, além da faixa título, “Volta” (um bolero com roupagem moderna), “Alma Sebosa” (que segue a mesma linha das duas anteriores), “Chega de Lágrimas” e “Amor Marginal” (curiosamente as cinco primeiras músicas). O resto do álbum é interessante, mas as faixas não são tão intensas como as acima citadas, porém são bastante coerentes com a ideia central do disco. Ótima estreia de Hooker.


- Bruno Vitorino:

Um disco que mergulha no clichê da dor de cotovelo e se vale do cansativo lugar-comum da estética brega-cabeça da classe média recifense que, elevada à categoria de arte, tomou conta da produção musical desta pequena vila, com letras escrachadas sobre amores mau resolvidos e estereotipados, só que cantados por um artista jovem, performático e com forte apelo à mídia que sabe, ao menos, como projetar sua voz (o que por si só já é raro no Recife), e que eu não aguentei ouvir até o final: eis o máximo que consegui escrever com o pouco lastro que “Eu Vou Fazer Uma Macumba pra Te Amarrar, Maldito!” me proporcionou.

Ouça até o fim, se for capaz.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

O Fascínio da Heresia – por Bruno Vitorino


Ornette Coleman. Fonte: Google Imagens.

O mundo do jazz perdeu hoje um de seus filhos mais pródigos: morreu, aos 85 anos, o compositor e saxofonista Ornette Coleman.

Nascido no Texas, autodidata, Ornette começou no blues, tateando as formas, descobrindo no ato da performance o insondável poder da improvisação e construindo desde o início uma sonoridade única, fruto de uma necessidade premente de expressar a si mesmo, ir além da óbvia e inescapável influência de Charlie Parker, romper com as cercanias estéticas da tradição. Por conta disso, sempre foi uma figura controversa, impressionando muitos com seus fraseados aparentemente soltos e sua música livre (como o pianista Paul Bley que, reconhecendo o gênio, foi o primeiro a gravar o conjunto do saxofonista num disco em que aparece como líder); mas também colecionando inúmeros detratores que viam nele nada mais que uma fraude, um músico menor que não sabia tocar seu instrumento (como um enciumado Miles Davis que de repente não era mais o centro das atenções).

Reza a lenda que Coleman, numa das muitas jam sessions de seus anos de formação, foi interpelado pelos outros instrumentista por estar “tocando errado”. De fato! Ao ler as partituras, os músicos repararam que ele não estava transpondo as notas como se esperaria que um saxofonista o fizesse – o sax alto é afinado em mi bemol e não em dó. Era como se ele tocasse uma melodia paralela, que se chocava com o campo harmônico estabelecido pelo encadeamento de acordes. O que era ouvido pelos demais como desafinação soava aos ouvidos de Ornette como natural. Esse paralelismo melódico foi depois estruturado num método de composição e improvisação que o saxofonista chamou de “Harmolodics” – e, por sinal, esse princípio era o que dava a força do duo Ornette Coleman/Don Cherry. Em resumo, Coleman privilegiou a improvisação coletiva, a superação do centro tonal e da progressão harmônica e subverteu a concepção rítmica de swing, ou seja, “apenas” demoliu os pilares estéticos do jazz e o revolucionou ao abrir caminhos inteiramente novos. Isso em 1959, quando o Ornette Coleman Quartet chegou a Nova Iorque para uma lendária temporada no Five Spot Café, monopolizando a atenção de toda a cena jazzística de então. Um estrondo tão imenso que encobriu inclusive um certo “Kind of Blue” que fora lançado à época...

Manteve-se na ativa, produzindo, procurando, arriscando-se e refletindo sobre música e seu papel na sociedade até os últimos momentos de sua vida, conforme registra sua vasta discografia, que traz em si alguns discos obrigatórios para qualquer ser humano que manifeste o mínimo interesse por música: The Shape of Jazz to Come, Free Jazz, Change of the Century, This is Our Music. Um gênio dentre uns poucos na música contemporânea que deixa um legado inestimável para a humanidade.

Particularmente, tive a sorte de ainda conseguir tê-lo visto em ação. Foi em novembro de 2010 que assisti a um Ornette já velhinho, lânguido, é verdade, mas nem por isso menos comprometido com a comunhão espiritual que nasce da música, com seu projeto Sound Grammar a por tudo abaixo. Quanta profundidade expressiva, diálogo, riscos, beleza e complexidade. Quatro músicos respirando como um só, comandados por uma racionalidade inquieta e amparados por uma emotividade absolutamente humana.

Foi-se um mestre que se alimentava daquilo que o historiador Peter Gay chama de “fascínio da heresia”: aquele impulso atávico de se por em xeque, de manipular o proibido, de negar o cânone e de criar o novo. O mundo perde bastante com seu retorno ao éter.

R.I.P.