quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Lanny Gordin (Por André Maranhão Santos)

Estávamos eu e meu amigo Yuri Bruscky no Bar Frontal, Centro do Recife, durante os fins de julho. Após uma apresentação dos nossos amigos do Ram Trio – uma turma do Chile que faz um som pra lá de eletroacústico, lembro-me que conversávamos sobre os trabalhos de Caetano Veloso e um dos pontos em questão era a relevância dos produtores e músicos que compuseram os discos de Caetano. Ora, num ponto como este seria inevitável que eu não pensasse nas guitarras de Lanny Gordin.

Lanny foi e ainda é, um músico excepcional. Recebeu a alcunha de Hendrix Brasileiro no glossário guitarrístico e, de fato, em algumas gravações seu estilo se aproximou muito como o de Hendrix. Porém, eu diria que há certo limite em estabelecer um paralelismo entre Lanny Gordin e Jimi Hendrix. Não por Lanny ser um guitarrista maior ou menor do que Hendrix, mas pelo fato dele dominar a Bossa Nova, o Jazz e o Samba além do Rock n’ Roll, como também tocar o violão de Náilon além das guitarras stratocaster, acústica, semiacústica e dos efeitos wah-wah.

Lanny é o apelido de Alexander Gordin que nasceu em Xangai, na China, no seio de uma família judaica russa e polonesa. Depois da China, Lanny mudou-se para Israel, onde viveu até os seis anos de idade. Só veio para o Brasil com seus pais: primeiro para o Rio de Janeiro e depois para São Paulo. E foi na capital paulistana onde o seu pai abriu uma boate conhecida como Stardust (localizada na Praça Roosevelt no centro da cidade). Na Stardust, o jovem Lanny teve o privilégio de conviver ao lado de grandes monstros da música, dentre eles Hermeto Pascoal e Heraldo do Monte, e na mesma época iniciou o seu primeiro trabalho profissional com a cantora Wanderléa, leia-se em pleno auge da Jovem Guarda. Neste mesmo período, Tony Osanah (guitarrista dos Beat Boys) foi até a Stardust ouvir a guitarra de Lanny e tentar uma conversa com ele. Ele propôs que Lanny conhecesse Gilberto Gil. Lanny topou. Ele e Gil se conheceram, tocaram juntos durante quinze minutos. Resultado: Lanny foi convidado para integrar a onda da Tropicália e ainda por cima foi apresentado a Gal Costa para contribuir em seu futuro disco! 

Lanny tornou-se uma figura mais conhecida por atuar como sideman de vários artistas fundamentais. Se pensarmos em termos de álbum, encontraremos suas participações em Caetano (1969); Araçá Azul (1973); Jards Macalé (1972); Gal A Todo Vapor (1971); Expresso 2222 (1972), Cuscuz Clã (1996) – enfim, apenas alguns exemplos mais emblemáticos... Lanny também assinou alguns títulos, sendo o mais recente o álbum Duos (2007) cujo repertório partilha com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Vanessa da Mata, Zeca Baleiro, Rodrigo Amarante, Edgar Scandurra, Jards Macalé, Chico César e Max de Castro. Outros encontros marcantes em sua carreira aconteceram com o projeto psicodélico do Brazilian Octopus, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Tim Maia, Jair Rodrigues, Itamar Assumpção, Sarah Vaughan e Ravi Shankar. Quando tocou com Elis Regina, Lanny foi apelidado por ela de “Lanny Rayovac”, dada a intensidade da sua guitarra. Hoje o seu instrumento de apresentações é uma Gibson Es 135, presenteada por Adriana Calcanhotto. Além de músico profissional, Lanny também deu aulas particulares de violão e guitarra em São Paulo. Apenas combinava o preço ao telefone e recebia os estudantes em sua casa. 

Guitarristas de admiração? Larry Coryell, John McLaughlin, Jimi Hendrix, Jeff Beck, Eric Clapton, Wes Montgomery, Joe Pass, Jim Hall, Al Caiola, Tony Mottola são alguns citados. Uma lista excepcional para qualquer guitarrista que procura várias linguagens em seu modo de tocar e perceber um instrumento não botar defeito. E após conhecer um pouco de Lanny e saber que ele vivenciou e contribuiu na trajetória de gente das linhas mais variadas, eu diria que ele é não é apenas um guitarrista excepcional, mais além; Lanny Gordin é uma encruzilhada de experiências estéticas!

Lanny Gordin com Caetano Veloso no Araçá Azul
 

                                           
                                Lanny Gordin tocando Fly me to the Moon

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Adega ou o Dia em que Conheci Tony Yucatan - por Bruno Vitorino


Era um dia ensolarado. Surpreendentemente ensolarado para o inverno imprevisível do Recife. Talvez por isso não estivesse tão quente e a brisa parecesse quase preguiçosa ao acariciar a copa das árvores. O relógio do celular marcava exatas 11:53 e a revolução gástrica que se desenrolava em minhas entranhas me fizera ter a certeza de que a fome chegara e não estava para brincadeiras. Depois de uma manhã trabalhosa e cansativa – mais uma entre tantas outras passadas e por vir – resolvi gastar meu horário de almoço da melhor maneira possível e me permiti a extravagância de não comer mais uma marmita naquela segunda-feira. Lembrei-me então do que Giba Carvalho havia me dito sobre o restaurante português Adega e seus pratos muito bons a preços bem razoáveis. Resolvi arriscar.
Quando entrei, não havia cliente algum. Num amplo salão com mesas postas, dois garçons conversavam com um senhor franzino de terno num clima amistoso. “Me lasquei. Ou é tudo muito caro ou é tudo muito ruim!”, pensei de imediato. Notei um piano Fritz Dobbert de meia cauda... Jazia encoberto num canto do salão, como se sua presença ali causasse algum constrangimento. Fiquei desconfiado... Optei por uma mesa longe dele, porque se há algo que realmente não aturo é o mórbido “repertório restaurante padrão” que se costuma ouvir nesses ambientes. Vasculhei o cardápio e depois de resolver a equação “preço x vontade = prato do dia”, fiz meu pedido: um arroz de polvo e uma coca-cola.
Conversava as costumeiras amenidades com os amigos Mário Alves e Sérgio Costa, quando, de repente, ouvi um acorde menor. Não sabia ao certo qual era, mas tinha certeza de que era menor. Os harmônicos inerentes ao piano acústico chamaram minha atenção. Olhei para onde ele estava e lá encontrei o “senhor franzino de terno” com o rosto calmo a atacar com delicadeza as teclas. O tema era o exaustivamente batido Besame Mucho, mas havia algo diferente em sua interpretação... “Esse cabra tem uma expressividade danada”, comentei. Parei de falar e me concentrei na música. Percebi então que sua abordagem dessa composição presente em todos os casamentos e bailes de formatura – quando as orquestras começam o bloco latino do repertório – privilegiava encadeamentos harmônicos complexos. Cromatismos, voicings cheios de tensões, substituição de acordes dominantes, acordes de sexta napolitana, resoluções deceptivas; tudo estava acontecendo ali na minha frente na hora do almoço numa segunda-feira aparentemente comum e despretensiosa! Fiquei boquiaberto!
O almoço fora servido, contudo meu cérebro estava dividido entre o deleite de devorar (a fome era implacável nesse instante) o prato e a curiosidade de ouvir aonde o pianista iria chegar. Veio-me então uma ideia: pedir uma música. Nunca fiz isso em toda a minha vida, mas aquela me pareceu a oportunidade para tanto. Chamei o garçom e lhe perguntei discretamente sobre a possibilidade de solicitar ao pianista um tema. “É totalmente possível, senhor.” Então, num pedaço de papel, escrevi: “O senhor toca alguma coisa do Thelonious Monk?” Fiquei esperando a reação do instrumentista ao ler meu pedido. Estate, a bela composição dos italianos Bruno Martino e Bruno Bringhetti, era tocada em rubato no instante que o bilhete fora entregue. Pelo menear de cabeça e o sorriso irrefreado, notei que minha solicitação fora recebida com muita alegria pelo músico. Enfim, alguém o ouvia tocar!
Um fechado acorde Ebm ecoou. Era Round ‘Midnight numa interpretação surpreendente ad libitum! Foram dois giros sobre forma da composição: o primeiro mais focado na exposição do tema e o segundo mais empenhado em subvertê-lo harmonicamente. Não houve improvisação, porém as nuances na dinâmica do andamento e a alternância expressiva que abarcava do p ao fff davam à interpretação do músico uma força que eu não esperaria encontrar num restaurante. Particularmente fiquei entorpecido com a rearmonização feita no “A” do tema no trecho em que a progressão original faz “Bm7 E7 Bbm7 Eb7” e em todo o “B” no último chorus. Acordes carregados – que até agora estou a procurar – levavam a melodia a uma paisagem bela e longínqua. O mesmo Ebm que iniciou o tema pôs o ponto final na releitura. Para o espanto de alguns clientes, aplaudi.
- De onde você conhece Thelonious Monk?, foi o que o pianista primeiro quis saber.
- Monk é uma de minhas principais referências.
- Você é músico?!
- Eu toco num trio de jazz e tenho um grupo de música livre.
- Que ótimo! É bom saber que existem jovens músicos interessados em tocar e compor essa música.
- Qual o nome do senhor?
- Tony Yucatan.
- Fiquei muito feliz em conhecer o senhor e mais feliz ainda por ter sido surpreendido com sua interpretação tão pessoal desse tema. Obrigado!

As segundas costumam ser vinculadas ao esforço do recomeço da rotina e à indolência que nasce da necessidade de se entrar no ritmo. Já a música de restaurante é habitualmente marcada pela insipidez da banalidade e pela esterilidade emotiva dos instrumentistas que tocam para uma plateia que não ouve. Geralmente é assim. Porém, quando o inusitado nos toma de súbito nas ocasiões mais corriqueiras e desvela o manto burocrático da rotina, percebemos uma beleza oculta que reside no indeterminado. É só prestar atenção!

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Mad Men - por Fernando Lucchesi


Você é daqueles que acredita não sofrer nenhuma influência da propaganda ao comprar qualquer tipo de produto? Se a resposta for positiva, você já parou pra pensar o que o (a) levou a adquirir determinado produto?  Se, agora, sua resposta for negativa, então, definitivamente você precisa assitir a “Mad Men”. A série retrata o dia-a-dia de uma agência de publicidade (no início da série chamada de Sterling-Cooper), localizada na Madison Avenue, Nova York, local que no início dos anos 1960 abrigava grande parte das agências.
A série tem como foco o diretor de criação da agência, Don Draper (magnificamente interpretado por Joe Ham) e sua equipe, o que não impede a série de abordar as situações e dramas vividos em outros setores com a mesma intensidade. Mais importante do que mostrar o cotidiano de uma agência de publicidade, a série capta diversas mudanças sociais e morais acontecidas na década de 1960: feminismo, drogas psicodélicas, homossexualismo, segregacionismo racial, divórcio, entre outros temas que causaram e ainda causam polêmica.
Um dos aspectos mais destacados da série é a reconstituição de época. O preciosismo com os detalhes não está presente apenas na ambientação da Nova York dos anos 1960, mas também nas atitudes dos personagens. Por exemplo, uma cena bastante comum é ver os pais fumando na frente dos filhos, inclusive quando estão dando almoço para eles; Os diretores e funcionários da agência consomem bebidas alcoólicas a qualquer hora do dia. Atitudes como essas seriam impensáveis nos dias de hoje, em que o politicamente correto impera.
Outro destaque da série é o elenco, com atuações sempre seguras e personagens que o roteiro, temporada após temporada, torna mais complexos e cheios de dúvidas. Como a série se passa durante os anos 1960 espere na trilha sonora uma gama variada de estilos musicais da época: rock n´ roll bem no seu início, blues, jazz, R&B, gospel, Beatles e uma seleção espetacular de artistas. A junção de todos esses elementos produziu cenas icônicas como a apresentação de Don Draper do “carrossel” da Kodak, a campanha da agência para ganhar a conta da jaguar e a campanha para a Lucky Strike tentando convencer o público a não abandonar a marca, a despeito da comunidade científica começar a divulgar os males oriundos do cigarro.
Gostaria de dedicar pelo menos um parágrafo para falar de Joe Ham e Elisabeth Moss, respectivamente Don Draper e Peggy Olsen. O primeiro faz um trabalho fabuloso fazendo o inverso do convencional. Em vez de “passar emoção”, ele se revela um grande ator ao mostrar um personagem que muito raramente demonstra a dita “emoção”. A segunda injeta ambição e obstinação em uma personagem que ganha destaque maior a cada temporada. Os diálogos entre eles estão entre os melhores da série.
Um coisa é certa! Goste ou não de Mad Men, o mundo da publicidade jamais será visto com os mesmos olhos!

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O brilho de um garoto - por Gilberto da Costa Carvalho

     Há muito tempo Fernando Lucchesi insistia: "Tu tens que ouvir um cantor chamado Paolo Nutini". Eu, com minha tradicional relutância em aceitar estas novidades sonoras, sempre deixava o descaso tomar conta desta afirmativa.
     O dia era 10 de Julho de 2012, meu aniversário. Estávamos perambulando pelo coração da Boa Vista atrás de um depósito aberto para comprar as grades de cerveja da festa. De repente, num CD de vários MP3, eis que surge o tal garoto escocês. Fernando olhou para mim e disse: "Bicho, agora não tem como você não escutar."  De repente, após os primeiros acordes de "No other way", a paralisia. Quando algo me surpreende de forma avassaladora em termos musicais, eu costumo fixar o olhar em algum local, fico espontanemante parado para que possa perceber cada detalhe daquilo que bateu de frente. Ao término, viro para Fernando e digo - "Porra véio! Repete isso aí!"    
     Paolo Nutini é um garoto escocês, que surgiu no ramo musical em 2006 com apenas 19 anos de idade. "These streets" seu primeiro trabalho é recheado de música pop de excelente qualidade. Já nesta época ele se destacava por um fator preponderante, que não eram a carinha de galã descolado e descabelado. O timbre vocal do garoto o fazia tornar-se bastante diferente na safra de novos cantores britânicos. Nutini sôa bem mais velho do que parece. E isto impressiona sobremaneira! O primeiro disco virou logo sucesso e vendeu milhares de cópias. Os 3 singles do disco - Last Request, Rewind e New shoes foram insistentemente vinculados as rádios do Reino Unido.
     Como qualquer "novo sucesso" da mídia, todos esperavam um segundo disco de imediato. Nutini remou contra a corrente, e só 3 anos após o lançamento do primeiro album surge - "Sunny Side Up (2009)". Este trabalho marca a primeira revolução musical do garoto. A ambição de ser pessoal rege todo o disco. Saindo de um universo totalmente pop, o novo trabalho é tomado pelo "Folk Rock", e flertes com "Soul" e a tradicional "R&B". Risco? Que nada! O album estourou em primeiro lugar no Reino Unido recebendo inúmeros elogios dos críticos e fãs. Para mim, a voz sofreu alguns novos contornos que se tornaram essenciais para este sucesso. Mais amadurecido, Nutini conquista a cada dia mais fãs por onde passa, principalmente pela ousadia em inovar.
     De cara, o primeiro single do novo disco cai nas graças do público. "Candy" é uma baladinha com ritmo de verão europeu. Despojado como sempre, Nutini encanta com seu jeitão descompromissado de cantar as partes "pops", mas que termina a música com um show de potência vocal.
     Para falar de "No other way", preferi um parágrafo especial e único. Desde a primeira audição, dentro do carro, eu não consigo parar de ouvir esta canção. Há muito tempo não ouvia algo tão bem interpretado por um cantor da nova geração. É um verdadeiro soul! Com alma ,cara e jeito sessentista. Acompanhado de uma letra brilhante e de entrega, Nutini explora todo seu talento vocal com maestria similar aos grandes nomes do estilo. A interpretação do garoto é simplesmente espetacular e de dilacerar corações!



     Certa feita, um amigo músico que hoje reside no Rio de Janeiro me perguntou: "Giba, o que as gravadoras  procuram atualmente no mundo pop?" Na época eu não soube responder, mas, nunca esqueci tal questionamento. Tem certas coisas que ficam martelando na minha cabeça e só sossego quando acho a resposta. E a resposta para o questionamento é "Ré-invenção". Ao analisarmos um artista novo como Paolo Nutini, que em tão curta carreira já mostra para que veio, sem medo de errar e de inovar, podemos enxergar claramente todo o universo que se abre para nossas vidas e, principalmente, para nossos ouvidos.

E que assim seja! Vai em frente Paolo!


Abaixo, segue uma apresentação no Paleo Festival de 2011. Vale a pena conferir!