domingo, 28 de dezembro de 2014

Variações em 5/4: Sonic Highways

Arte de capa de Sonic Highways, novo álbum da banda Foo Fighters.

A última postagem do ano marca, além do retorno da coluna Variações em 5/4, a primeira colaboração de nosso novo integrante, o senhor Rógeres Bessoni. Nesta edição da coluna, os editores do blog lançam um olhar coletivo sobre Sonic Highways, o mais recente disco da banda Foo Fighters.
 
Aproveitando o ensejo, desejamos a todos os que nos acompanham um 2015 excepcional, repleto de saúde, alegrias e conquistas, pautado sempre na plenitude humana que dá sentido a essa breve marcha ante ao desconhecido que chamamos de vida.

Boa leitura!

- Giba Carvalho:

Expectativa. Sem sombra de dúvidas, esta foi a palavra que mais permeou a minha mente com relação a Sonic Highways, novo trabalho do Foo Fighters. E isto é completamente compreensível visto que, ele é o sucessor de Wasting Light, melhor disco de rock n´roll da década até o momento.

Grohl e seus companheiros caíram na estrada num mergulho em busca de influências históricas para a concepção do novo trabalho. De fato uma ideia interessantíssima! Aproveitaram a oportunidade e, além do disco, gravaram um documentário de oito capítulos para o canal HBO, que mostra toda a criação do novo álbum e as passagens por – Chicago, Washington DC, Nashville, Austin, Seattle, Los Angeles, Nova Iorque e Nova Orleans. Este é um ponto específico que pode tornar-se negativo no novo trabalho. Caso as pessoas não venham a assistir ao documentário, não saberão ao certo sobre a passagem por estes estados e todo processo de gravação desenvolvido e executado. E tem explicação. Mesmo flertando com o hard-rock, punk, grunge e algumas pitadas de progressivo, Sonic Highways soa como “apenas” mais um trabalho do Foo Fighters. É a velha “armadilha” inerente às bandas de grande identificação e eficácia com um estilo de fazer sua música. Ousaram, mas não mudaram a fórmula (talvez não precisem fazer) e isto é uma faca de dois gumes. Tudo vai depender das expectativas pessoais de cada um.

Para mim, Sonic Highways é um disco bom e tem seus pontos fortes na sequência. – Congregation – que é uma homenagem aos artistas e raízes da música country, embora soe como o mais tradicional do grupo, What did I Go? / God as My Witness – que é a canção onde percebemos com maior facilidade o ambiente (tão aclamado por Grohl) que foi gravado e Outside – um grunge cheio de contratempos e agressividade peculiar. E, mais para frente, encontramos a excelente In The Clear (melhor música do disco) – melódica, com refrão consistente e com a presença da Preservation Hall Jazz Band de Nova Orleans.

No mais, o Foo Fighters é a mesma banda coerente de sempre.

- Fernando Lucchesi:
   
Quando uma banda como o Foo Fighters, lança um algo do nível de Wasting Light, sucesso comercial incontestável e elogiado pela maioria da crítica, ela chega a uma encruzilhada em relação ao disco seguinte (acredito já ter falado algo a respeito no blog anteriormente): repetir a fórmula de sucesso, mesclar algo novo com toques do sucesso anterior ou mudar radicalmente em relação à “fórmula do sucesso” previamente utilizada e conhecida.

O Foo Fighters, ao que parece, optou pela mescla entre coisas novas (entenda-se: fora da fórmula anterior) e resquícios do bem sucedido disco anterior. O resultado foi um dos discos mais entediantes do ano. A despeito de o álbum conter algumas faixas bem interessantes com Something for Nothing (inicia com um andamento lento para depois explodir nos gritos insanos de Grohl) e de Congregation (pop/rock da melhor qualidade, com AQUELE riff pegajoso), a impressão é de que a maior parte das outras faixas está lá esperando entrar na trilha sonora de um novo filme da franquia American Pie. Músicas datadas, com um apelo pop sem nenhuma inspiração e uma sensação de preguiça inacreditável.

Para a chatice ficar completa nada mais apropriado do que encerrar o disco com a longa e chatíssima I Am a River. Um chororô que dura infindáveis sete minutos, com direito a arranjos de cordas para dar uma falsa impressão de magnitude da música. Como diria um dos componentes do blog: esse disco é mais fraco do que choque de lanterna!

- André Maranhão:

O fato de todas as faixas do álbum Sonic Highways terem sido gravadas em locações diferentes chamou a minha atenção, embora confesse não saber até que ponto esta postura dos Foo Fighters seria fruto de uma exigência técnica em vez de uma jogada de marketing.

Em se tratando das canções, achei interessante a presença da guitarra barítono de Rick Nielsen em Something From Nothing já que tal instrumento não é tão popular no pop rock ou no rock alternativo, mas tem sido de suma importância em outros gêneros musicais como o surf music, country e jazz. The Feast and the Famine segue uma linha mais próxima de um rock de verão, embora não rivalize com uma canção aos moldes de Breakout – lançada pelos próprios Foo Fighters ao final dos anos noventa.

A faixa que eu mais gostei foi Congregation, pois nela a banda parece perfeitamente entrosada: há uma ótima cobertura de guitarras-base e o solista Chris Shiflett se coloca muito bem, juntamente com o baixo de Nate Mendel. Por fim, vale destacar a performance de Taylor Hawkins à frente da bateria. A segunda melhor faixa sob o meu crivo é I Am a River; uma balada que cresce aos poucos e fica boa no refrão.

Subterranean, a única canção com a presença marcante do violão de aço, cairia muito bem numa trilha de 007... What Did I Do, God as My Witness, em certos momentos me soou longa demais, e só se tornou interessante a partir de sua metade. Em Outside, a introdução e as pausas para os solos de guitarra imprimem um tom mais dinâmico, mas nada em especial. Também não vejo (e ouço) nada de novo em In the Clear.

Eu li que em algumas páginas anglo-americanas, Sonic Highways recebeu avaliações em torno de “regular”. Desta vez, me aproximarei dos conceitos de Metacritic, The Guardian, Entertainment Weekly, dentre outros, e darei um “C”, para o mais novo trabalho dos Foo Fighters. Acho que eles já produziram hits melhores...

- Rógeres Bessoni:

É com todo o respeito que paro para ouvir um novo trabalho de uma banda como o Foo Fighters, levando em consideração a trajetória de uma das poucas bandas que, nas últimas duas décadas, têm significativamente ajudado a manter de alguma forma pulsante o tão maltratado – e, atualmente estéril – rock and roll. Talvez isso me leve mesmo a aumentar minhas exigências e expectativas quando me deparo com um trabalho que sei que é sério. Mas o Budismo nos alerta que as expectativas elevadas acarretam decepções consideráveis, e foi justamente o caso. Ouvindo o Sonic Highways, só me convenço mais veementemente de que esse senhor de idade, o rock, precisa urgentemente passar por uma nova demolição/revolução, como a que os próprios integrantes do Foo Fighters ajudaram a realizar no começo dos anos 90. No entanto, de lá para cá, as placas tectônicas do rock têm se mantido numa imobilidade soporífera. E aqui chegamos ao desapontamento com o Sonic Highways.

Em primeiro lugar, quero frisar uma coisa: o disco NÃO É RUIM, mas também não instiga. É bom, sólido, bem tocado, mas só isso. “Só isso”?  É. Porque é a repetição de padrões sonoros que já estão ecoando há mais de 20 anos e, para mim, não acrescentam mais nada. Neste sentido, o disco ficou morno, alternando entre alguns momentos bons e outros realmente chatos, sem ter apresentado nenhuma faixa impactante ou poderosa – com exceção, para mim, de Something From Nothing, que começa com uma melodia também morna, com uma linha de guitarra mais que repisada, mas que cresce para uma explosão vigorosa, ficando realmente muito boa. Uma das músicas que mais me agradaram recentemente e que, na verdade, me pareceu mais Audioslave que qualquer outra coisa. Tive a impressão de ouvir Tom Morello no trecho mais pesado. Mas o resto do disco, infelizmente, não se manteve nesse nível.

Em vários, vários momentos, tive aquela sensação: “já ouvi isso”. São os mesmos vocais, indo do “grunhido” ao mais “meloso”, com alguns momentos de explosão na medida certa. As guitarras fortes, em bases barulhentas, eventualmente com notas esticadas ou ponteadas com notas soltas, mas sem nenhum riff marcante, de pegada e, para mim, o que é pior e incompreensível: a continuação de uma escola de guitarra praticamente sem solos. Da mesma forma, a cozinha, com baixo e bateria precisos, firmes, não traz nenhuma levada inovadora, nenhuma quebradeira surpreendente. Talvez por serem sons da saída da minha adolescência, isso sempre me passa a impressão de que, mesmo com músicos maduros, a banda se manteve de certa forma adolescente. Estamos falando da personalidade de uma banda consagrada, eu sei disso. Sei que a manutenção de algumas estruturas também tem sua importância, principalmente para os cultores de um estilo, e o Foo Fighters não é de maneira alguma formado por integrantes amadores ou imaturos. Entretanto, o grande perigo é o criador ficar escravo da criatura. No caso da concepção musical, arriscado é os autores de um dado nicho não saberem mais inovar dentro dos padrões que estabeleceram, ou reconhecer que pode ser a hora de romper com tais padrões, que podem ter sido bons e necessários parâmetros no começo, mas que depois se converteram, em maior ou menor escala, em uma zona de conforto - a simples aplicação de uma fórmula, que não desafia mais nem a banda, nem o público. Sei também que o ponto deste comentário é o Foo Fighters e não seria tão adequado terminar com comparações explícitas, e minha intenção não é comparar A com B e decidir sobre que é “melhor”. Não é nada disso, mas acontece que só reforço cada vez mais uma percepção que já tenho há alguns anos e venho repetindo: de fato, pouquíssimas bandas “envelhecem” como o Pearl Jam.

- Bruno Vitorino:

Eu não gosto do Foo Fighters. Na verdade, nunca gostei. Por mais que tenha tentado reverter esse quadro em ocasiões passadas, acabava sempre a cada empreitada por não me identificar com a sonoridade da banda. E, para agravar ainda mais minha repulsa, irritava-me profundamente as malfadadas tentativas de Dave Grohl e companhia em serem engraçadinhos, debochados, fingindo-se comediantes em seus clipes – Breakout, Learn to Fly, Long Road to Ruin, Low, The One -, vinculando, dessa forma, o rock a uma espécie de oligofrenia juvenil coletiva, que se espalhava com uma virulência gigantesca via MTV, e não mais à urgência expressiva e ao caráter subversivo com os quais o estilo sempre dialogou. Assiste a esses vídeos que menciono e me diz nos comentários se estou enganado.

No quesito “a nova salvação do rock”, devo confessar que prefiro muito mais a pegada crua do Queens of the Stone Age, suas melodias instigantes, o cuidado na montagem das estruturas sonoras, a ironia fina de suas letras e, o mais importante, o fato de sua música trazer sempre algo de inesperado, rico, contrariando os detratores do gênero que vêm nele apenas uma forma primitiva de articular os sons, abrindo-lhe, com isso, infinitas possibilidades estéticas – ouve atentamente A Song for the Dead e na sequência Mosquito Song; tenho certeza que pensarás estar ouvindo duas bandas distintas. A razão disso tudo se deve à consciência criativa de Josh Homme e seu profundo conhecimento do que é o rock and roll, dos timbres que manipula e dos inesgotáveis recursos que um estúdio de gravação pode prover a mentes criativas. Qualidades que, por exemplo, o senhor Dave Grohl não tem; ou se as tem, não desenvolve. “Ah, mas em Songs for the Deaf, Dave Grohl participa tocando bateria. Esqueceu, foi?!”, alfineta meu querido leitor. Certamente. Tens razão. Mas, o êxito de sua participação se deve muito mais ao encaminhamento dado ao projeto por Homme, e, verdade seja dita, em alguma parte a Nick Olivieri, do que ao baterista, que não passou de um convidado ilustre. Não esqueça o senhor que o disco musicalmente mais bem sucedido do Foo Fighters, Wasting Light, carrega escancarada influência de Josh Homme, como já denuncia as guitarras na introdução da faixa de abertura Bridge Burning. Também não me parece fruto do acaso que quando a ideia desse ótimo disco nascera em seu peito, Grohl estivesse em turnê com o Them Crooked Vultures, ou seja, trabalhando com a entidade John Paul Jones, mas inteiramente submerso no universo estilístico de Homme. Não há que se negar os fatos, e os fatos são tudo.

Não obstante a digressão acima, particularmente guardo solene respeito a Dave Grohl pelo que fora outrora com o Nirvana, e pela sua integridade enquanto band leader da maior banda de rock de sua geração – e que só não é a maior do mundo hoje, porque o U2 e os Stones ainda estão em atividade. Pode-se falar o que quiser dele, mas ao menos ele tenta novas possibilidades sonoras e não se deixa cooptar pelo doce mel da glória midiática. Ao contrário, usa-a a seu favor, propondo, em certa medida, um remodelamento interno dessa estrutura que foca no efêmero das estrelas de ocasião. Não se pode desprezar, só a título de ilustração, o colossal trabalho de pesquisa encabeçado pelo músico que originou o disco Sonic Highways e resultou num seriado homônimo, produzido em parceria com a HBO (que no Brasil está sendo transmitido pelo Canal Bis aos domingos às 19:30, horário local), no qual Grohl, percorrendo os grandes centros urbanos de seu país, procurou de uma só vez: redescobrir as raízes da música popular norte-americana; traçar um mapa da cena underground dos Estados Unidos; buscar as origens do rock; ensinar às novas gerações um pouco da história da cultura do século XX; e, de lambuja, ainda se inspirar para um novo trabalho com sua banda. Por isso tudo, escutei o mais novo trabalho do Foo Fighters cheio de esperança e com muita cerimônia. E o começo do álbum me pareceu muito promissor. Aquela guitarra de timbres brilhantes abrindo Something From Nothing, tocada de modo simples, enfatizando as suas três primeiras cordas (mi, si e sol), estabelecendo assim a estrutura básica do acorde de mi menor, e delegando ao movimento cromático descendente do baixo (sou wagneriano, quedas de meio tom me agradam) o sentido harmônico, deu-me a falsa impressão de que eu iria gostar do disco. Na metade da música, já estava entediado.

O grande drama deste trabalho reside justamente na contradição entre o imenso projeto de pesquisa que o precedeu, o qual estudou diversos matizes sonoros e culturais, e a contundente monocromia do álbum. Pois, Sonic Highways é carregado de lugares-comuns do rock enfadado: mão pesada nas guitarras, vocais rasgados e letras adolescentes (ouça What Did I Do). Muita atitude, alguma pretensão intelectual, e pouco - ou quase nenhum – conteúdo. A impressão que se tem ao final da audição é que se trata de um disco com apenas uma faixa de pouco mais de quarenta minutos, não fossem os espaços propositais separando um tema do outro a nos dizer o contrário. Apenas Subterranean quebra a mesmice do disco, mudando os timbres das cordas (os violões de corda de aço fulguram aqui); brincando com a métrica ao intercalar sessões rítmicas em 6/8 a outras em 4/4; trazendo, de início, um singular encadeamento harmônico não funcional, em estrutura constante (F#m/Am/Em/Gm), costurado por uma bela linha de fundo, que depois descamba num enigmático lá maior o qual incorpora em si um bocado de seu modo paralelo, o menor natural – há nesse momento um acorde “Em” tão sublime e inesperado que confere a essa parte da composição toda sua beleza melancólica. Música realmente tocante e a tenho escutado repetidamente. Contudo, é o único exemplo de brilhantismo que existe no trabalho, o que por si só não é capaz de salvar o disco.

Imagino que a experiência do “ao vivo” em estádios grandes, com um público eufórico que urra de delírio até para roadie em passagem de som, Sonic Highways funcione. Mas, enquanto disco, soa enfadonho. No entanto, meu caro leitor - e espero sinceramente que não me ojerizes pelo que escrevi até então -, tudo não passa de uma questão pessoal, pois a música reverbera no interior de cada um das mais infinitas maneiras. Escuta e vede o que diz teu espírito.

domingo, 14 de dezembro de 2014

O Pau Metafísico - Por Bruno Vitorino

O primeiro conto ficcional da série "Animais Sociais" que pretendo escrever ao longo de 2015. Trata-se de literatura fantástica, logo irreal, fruto dos desvarios de minha mente insana que se põe a fantasiar sobre lugares e personagens absurdos. Portanto, uma eventual semelhança com a realidade material de nossos dias terá sido obra do acaso. Acredito ser impossível a existência dos personagens que crio, ainda mais numa cidade tão avançada sócio-culturalmente como Recife, vanguardista que só ela. Boa leitura! 

O Homem de Vitrúvio Pós-Moderno: O Homem sem Falo. Edição de imagem por Eládio Ferreira. 

Sou um idiota e tudo o que faço é querer e precisar de coisas. – Chuck Palahniuk


Ah, o espelho... Essa tênue lâmina e seu raro poder de nos por diante de nós mesmos, como se saíssemos de nossos corpos para que, num breve instante, percebêssemos em terceira pessoa a realidade imutável das coisas que nos cercam e a nossa existência objetiva no mundo dos homens. Sua sinceridade implacável desnuda as ilusões que cultivamos. Assim, inteiramente nu diante do espelho do quarto, nosso herói experimentava novamente a angústia da verdade. Depois de vasculhar minuciosamente os objetos de seus aposentos e de sentir orgulho de possuí-los, numa espécie de ritual de autocomiseração, sua atenção se voltava para seu corpo. Como lhe envaidecia sua forma física, fruto de anos de malhação e Whey Protein. As pernas finas, mas definidas, seus braços musculosos, seu abdômen firme, seu peitoral trabalhado; todas essas qualidades que julgava possuir, e que considerava dignas dos mais elevados valores humanos, muito lhe agradavam. Mas, ao final da sondagem, havia sempre a dura realidade que o espelho não escamoteava em cerimônias e eufemismos: um pau pequeno, ínfimo, ridículo que lhe roubava toda a paz de espírito. Ao contrário das outras vezes, porém, o desespero levou-o à aventura que irei contar agora.

Saiu de seu quarto e foi ter com seu pai na sala. Ressentido e incomodado com a vergonha de não ser o varão que fantasiava, foi direto: “Pai, sou um completo idiota e tenho um pau pequeno! O que devo fazer?!”. A gravidade da denúncia foi tamanha que fez com que o pai deixasse de assistir ao Manhattan Connection – e logo na fala do Mainardi – para voltar seus ouvidos para o filho. Advogado bem sucedido, frequentador dos circuitos sociais mais exclusivos da cidade, o pai era um homem fino e benfazejo que gostava de ostentar aquilo que seus pares acreditavam ser insígnias de refinamento cultural e poder econômico. Era leitor voraz das tramas intricadas de Dan Brown, dos romances profundos de Chico Buarque e dos enredos cósmicos de Paulo Coelho. Ouvia com muita frequência os expoentes da MPB contemporânea: Maria Gadú, Vander Lee, Ana Carolina e, especialmente, Marisa Monte, a qual considerava a última grande diva da música brasileira. Só andava de SUV importada e dividia a humanidade entre os que iam uma vez por ano a Miami se entregar ao delírio consumista dos outlets e os que não podiam fazê-lo. Era, como se pode perceber, um ser de alma rasa, mas, imensamente rico.

“Por que tanto desespero, meu filho?! O que houve?!” Pela primeira vez em muito tempo, estabelecia-se entre esses dois homens a solidez que toda relação paterno-filial exige. A aflição do filho transformou uma relação de conveniência e pouco comprometimento mútuo em algo profundo, ainda que efêmero e indefinido. “Pai, não sei mais o que fazer. Tenho tudo o que preciso para o sucesso: tenho grana, sou bonito, frequento os lugares da moda, uso roupas de marca, pego um monte de mulher, mas...”. “Mas, o quê, filho?”. “Meu pau é tão pequeno...”, disse o nosso herói embargando a voz e olhando para baixo a imprecar o destino que o fez tão bem nascido, mas desprovido da virilidade que se exigia de um jovem em seu papel social. O constrangimento era tanto que se poderia respirá-lo. “Calma, meu rapaz. Para tudo na vida se dá um jeito. Ainda mais para nós que temos dinheiro. Saiba de uma coisa: não se deixe abater por um detalhe, meu filho, porque, na verdade, o tamanho do pau não importa. O que realmente conta é o que você agrega a ele.” Disse o pai em tom conciliador e com um cínico riso de superioridade que a vida talhara em seu rosto, dando-lhe um falso ar de sábio calejado pelo tempo. “Agregar? Como uma prótese? Não, pai. Isso não.” “Relaxe.”, disse o pai voltando-se para a televisão. “Deixe que eu resolva isso para você. Confie em mim, que já sei do que você precisa.”, arrematou para, aproveitando-se da confusão do filho, sacramentar-se aos olhos deste como o dono da conversa e senhor das circunstâncias. A contundência do pai deixou nosso herói encucado, contudo não mais agoniado com a revelação que o espelho há pouco lhe obrigara a encarar. Preferia a anestesia do não saber à dor da verdade. Aquietou-se.

No outro dia, ainda de manhã, o pai batia à porta. “Filho, acorda! Tenho um negócio para te mostrar. Venha logo!” Aturdido, o jovem rebento olhou para o relógio. 11:33. “Já vou!”, disse ainda bocejando. “Certo. Espero você lá embaixo”. Ainda sem entender muito bem quais os intentos do patriarca, nosso herói entrou desprovido de expectativas no elevador, imbuído tão somente da banalidade que só a rotina pode proporcionar ao ser humano. Só que, desta vez, a viagem lhe levaria ao encontro do inesperado. Lá chegando, viu o pai, numa das vagas de garagem, com os trajes que a advocacia lhe exigia e com um sorriso de político em época de campanha. “Venha, meu filho! Venha logo!”, disse-lhe, abraçando-o. “Aqui está a solução que lhe prometi!”, apontando para algo encoberto com uma capa preta. “Não vou fazer suspense. Você sabe que não gosto dessas coisas.”, falou, puxando a coberta e revelando uma moto alaranjada novinha em folha. Mas, não era qualquer moto, vale ressaltar. Era uma moto esportiva de luxo Honda CBR 1000RR, muito conhecida pelos entendidos no assunto como “Repsol”! Uma máquina feroz de velocidade e de design arrojado que corta o vento como uma lâmina. Acossado feito bicho do mato, o filho foi se aproximando do presente, olhando com atenção cada componente seu com uma expressão insondável no rosto. O genitor apenas contemplava a cena, já certo do sucesso de sua empreitada. “Sente nela.”, comandou docemente ao que o filho prontamente atendeu, não sem certo estranhamento. “Isso. Agora ligue a moto.”, disse com seu riso triunfal de canto de boca. O ronco grave do motor desencadeou no filho uma estranha sensação de poder que lhe agradava. O som de seu brinquedo novo reverberava a masculinidade que ele mesmo não tinha, e, por ser agora sua propriedade, sentia-a parte de si. Parecia mais macho em cima dela, infinitamente poderoso, como um iluminado detentor de um artefato forjado pelos deuses ou coisa que o valha. Um Prometeu roubando o fogo do Olimpo. “Perfeito. Agora acelere!”. “Vruuuuuuuuuuuuuuuuum!”. Transe. O filho não mais sentia o corpo. O vigor do barulho da moto abriu-lhe as portas da percepção numa experiência transcendental. De repente, e de modo absolutamente imprevisto, viu-se muito além de si mesmo e existencialmente conectado ao cosmo. E conectado pelo pau! Pois, o ruído ensurdecedor que a moto emitia ao mais singelo gesto de sua mão direita assumia contornos fálicos impetuosos e viris que a diminuta genitália que a Natureza lhe proveu jamais sequer insinuou. No fim das contas, não era uma moto que ganhava do pai, e sim um pau metafísico para, finalmente, chamar de seu. Mas, estúpido que era para avaliar toda a, digamos, dimensão espiritual que essa liturgia mecânica desencadeava, contentou-se em gozar da sensibilidade epidérmica que o momento lhe brindava. A simbiose estava completa. “Bem, o tanque está cheio. Divirta-se.”, disse o pai como se nada houvesse acontecido que não a entrega de um simples regalo. O nosso herói, entretanto, encontrava sua vocação.

Ir à faculdade tornou-se um evento. Aluno do quinto período do curso de Direito, o nosso herói era pouco afeito aos estudos. Na verdade, ingressara na vida acadêmica mais para dar alguma satisfação ao pai, que bancava sua faculdade e esperava vê-lo seguir carreira jurídica, do que por vontade própria. Na superficialidade de seu íntimo, tinha a vaga consciência de que não sabia exatamente o que queria da vida. Orbitava entre a inércia, os paparicos típicos de filho único e a falta de perspectiva, de modo que, intuitivamente, seguir os caminhos já pavimentados pelo pai lhe pareciam suficientes. Não necessitavam esforço. Além do mais, justiça seja feita, gostava do clima de azaração que permeava as turmas pelas quais passava e dos fins de noite nos barezinhos das redondezas para conversar as trivialidades inúteis de sua existência. Logo, não tinha do que reclamar. Só que agora com a “Repsol”, ir às aulas deixou de ser uma mera rotina para alcançar um novo patamar. Passava agora pela rua da faculdade não mais ocultado pela obscuridade do comum que a civilidade impõe aos homens, mas sob as luzes da posição de destaque, acelerando pausada e levemente sua moto para insinuar aos demais a potência que esta lhe delegava, tal como um animal selvagem que busca impor-se líder e reprodutor de um grupo através da combinação da força bruta com o exibicionismo coreografado de seus atributos. Queria ver e ser visto. Mais ainda, queria ser admirado por aqueles desprovidos desse maquinário possante que tinha à mercê de suas vontades. Os olhares que lançava de esguelha captavam o assombro dos desconhecidos, enchendo-lhe o peito de glória e prestígio. Ainda que apenas para si mesmo. Ainda que o barulho incomodasse os outros. Não importava! É uma capacidade premente dos tolos ver realidade em suas fantasias. De toda forma, chegando ao estacionamento, deu de cara com um colega de classe. “Porra, véi! Uma ‘Repsol’, doido! Botou pra fuder!”, disse o colega num dialeto rudimentar que derivava do português de outrora. “É, véi! Arretada, né não?!”, redarguiu. “E então! Berra muito na alta! Eu tinha uma Hornet, mas essa daí é bem mais foda. Óa, tu tá ligado que nas quintas tem um grupo de moto que roda pela cidade?!”. “Tô não. É sério?!”. “É, pô. E só tem moto foda! Desse naipe aí. Os caras se encontram pra exibir suas máquinas, curtir e dar um rolé por aí, tá ligado? Acho que tu devia sacar.” Epifania. O que mais poderia almejar um jovem castrado do ponto de vista freudiano, à deriva no mundo contemporâneo da aparência desprovido de paradigmas ou quadros coletivos que lhe servissem de norte para a Cultura, vagando de modismo em modismo em busca de um sentido? A ideia de um grupo de eleitos rasgando licenciosamente as ruas da cidade, espíritos livres a preencher a paisagem urbana com o grito selvagem do ronco de suas motos, guiados apenas pelo desejo inconsequente por adrenalina, era uma anunciação dos anjos, uma profecia sendo revelada. O nosso herói encontrava um propósito.

Chegou com antecedência ao ponto de concentração do encontro. Não conhecia ninguém, por isso achou prudente ser discreto. Tentou se aproximar sem fazer alarde, mas, nesse ambiente de entusiastas das motos de alto desempenho, uma “Repsol” atrai instantaneamente os olhares e agrega a seu proprietário todos os adjetivos de um sujeito excepcional. “E aí, parceiro? Tranquilo?”, falou amistosamente um dos participantes do grupo. Rapaz jovem, vestindo-se segundo os últimos catálogos das lojas de moda masculina, e um tanto mofino, pilotava uma Kawasaki Ninja verde que só por milagre parecia ficar de pé. “Tudo certo, véi.”, falou meio acanhado o nosso herói, ainda sentindo o ambiente e se aclimatando. “É a primeira vez que venho aqui, tá ligado? Um brother me falou desse grupo, aí vim sacar qual é.”, justificando-se. “Bem que achei que nunca tinha te visto por aqui. Bem-vindo! Aqui é sem stress. Ainda mais com uma máquina dessa aí, véi...”, disse o estranho lançando um olhar de desejo para a “Repsol”. “Ela berra muito, véi?”, perguntou o rapaz com um misto de timidez e empolgação. “Vruuuuuuuuuuuum!”, ao mais leve giro da maçaneta. “Caralho! É foda! Que berro da porra!”, disse-lhe o garoto cheio de entusiasmo. “Mostra a tua agora, véi.” “Vruuuuuuuuuuum!”. E essa jogatina de demonstração de poderio motorizado logo se transfigurou numa demonstração de virilidade, num teatro primitivo onde os machos mensuram seu poder através da comparação dos falos. Depois de algum tempo nessa folgança de acelerar as motos para medir qual era a mais potente, nosso herói sentiu uma excitação que se alastrava por seus nervos descambando no êxtase. Do mecânico ao fisiológico. Neste momento, quando o êxtase se arrefeceu em euforia, percebeu que todos estrangulavam suas máquinas, produzindo um cânone ensurdecedor de ruído. Os cavaleiros da noite urravam aos ventos um grito de guerra que celebrava seu poderio másculo artificial. De repente, lá no meio de tantas pessoas que nunca tinha visto, nosso herói sentiu-se entre os seus, parte integrante de um movimento e defensor de uma causa. Ao se tornar um membro padronizado dos caçadores de emoções efêmeras, sacrificou o pouco da individualidade que possuía para absorver o ethos que regia aquele microuniverso, sentir-se efetivamente incluído no grupo e reconhecido por seus companheiros como um igual. Essa era toda a dimensão coletiva que conseguia vislumbrar. Algo novo. Para que mais? Estava pronto para pegar a pista, confiante entre seus irmãos. “Tô instigado! A galera vai sair! Vamos nessa!”, falou celebrando seu entusiasmo e seguindo os outros membros da turba para pegar a pista. Assim, entre arrancadas bruscas, manobras arriscadas e muito barulho, a noite sucumbiu rapidamente ante a voracidade do tempo. Nosso herói encontrava seu destino.

De volta a seu quarto após essa epopeia de transgressão e velocidade, o nosso Aquiles se sentia pleno. Refestelava-se na lembrança do que vivera há pouco, ainda com a adrenalina percorrendo-lhe as veias. Novamente diante do espelho, nu, rememorava as cenas de triunfo heroico de seu passeio noturno, dignas de serem imortalizadas nas mais belas postagens nas redes sociais, os anais da fama de seu tempo. O modo como costurava os carros que lhe atrapalhavam o caminho, superando-os facilmente com o mínimo esforço de um giro de mão, as interjeições de euforia que bradava a cada acelerada aguda que dava, a cada empinada que conseguia, as emoções do perigo imanente à campanha, os gritos lancinantes de sua moto a violentar o véu da noite que encobria a cidade; toda essa experiência amplificava aquela dimensão cósmica que vivenciara quando ganhou a “Repsol”. Embora fosse incapaz de vasculhar a imensidão dos sentimentos que lhe povoavam, nosso herói se contentava em enaltecer a sensação de poder másculo que essa cruzada lhe proporcionou. A ostentação de uma precariedade moral profunda virava a seus olhos uma projeção fálica. Ele e sua moto, num só, penetrando o universo. Refez o costumeiro ritual de vasculhar os pertences materiais que lhe adornavam os aposentos e apreciar longamente o próprio corpo. Como de praxe, contemplou suas pernas, peitoral, abdômen e braços. Encarou seu pênis diminuto. Riu! Não um riso de escárnio, mas um riso de glória heroica, de aclamação narcisista, de orgulho másculo, pois agora tinha-lhe agregado algo infinito. Recompôs-se. Fitando seu reflexo, beijou o bíceps direito e se lançou à cama, exausto. Dormiu o sono tranquilo dos imbecis. 

domingo, 16 de novembro de 2014

Royal Blood - Mais uma Grata Salvação do Rock - Por Fernando Lucchesi

Royal Blood Band

A imprensa britânica busca insistentemente e em bases quase semanais encontrar uma banda que seja a dita “a salvação do rock” (como se o rock fosse um gênero moribundo que necessitasse de um salvador para voltar a dominar as paradas de sucesso). Em 90% dos casos, essas “melhores bandas de todos os tempos da última semana”, como diriam os Titãs, pegam a via expressa para o ostracismo.  

O Royal Blood faz parte dos benvindos 10% restantes. O duo britânico irá lembrar num primeiro momento White Stripe e The Black Keys, bandas que eram compostas por apenas dois componentes. Mas não se engane! O Royal Blood não chega perto do Blues/ Soul do Black Keys, tampouco do Blues/country evidenciado no White Stripes. O que diferencia o Royal Blood das outras duas bandas é primordialmente a ausência do instrumento mais característico do Rock: a guitarra. Isso mesmo: Não há guitarras no som da banda. Há apenas um baixo (que ao ouvir você irá jurar que é uma guitarra) e bateria.

O Royal blood é em termos sonoros um filhote tardio do Grunge e de bandas pioneiras do Heavy metal como Black Sabbath e Led Zepelin. É possível ainda perceber riffs inspirados em Queens of the Stone Age e referências ao Wolfmother (escute ”Blood Hands” e você verá como a voz lembra intencionalmente Andrew Stockdale). O som, extremamente pesado, muito também pelo uso isolado do baixo, pontua o álbum do começo ao fim.

Não me recordo de recentemente ter ouvido um disco tão coeso de uma banda estreante como o disco desse duo britânico. Não há uma única música que não valha a pena escutar no disco. Se você ainda não conhece o trabalho da banda recomendo o primeiro single da banda “Little Monster”. É possível que a banda se torne derivativa? Sem dúvida. Afinal de contas, ninguém grava um disco tão espetacular como esse na sua estreia e sai incólume.




terça-feira, 4 de novembro de 2014

Banda do Mar - Por Giba Carvalho

Arte do primeiro disco da Banda do Mar

Poderia resumir o disco de estréia da Banda do Mar como um prolongamento da fraca carreira solo de Marcelo Camelo. Mas, não seria justo com as pessoas que acompanham nossos textos e para aqueles que no mínimo gostam de ler uma opinião diferente. Tal qual Benjamin Button nas telas de cinema, Camelo nasceu velho e regride a arroubos juvenis a cada passo dado. É exatamente isto que sinto nos seus trabalhos posteriores ao Los Hermanos e não é diferente neste novo projeto.  Parece-me uma busca de fragmentos do que o ex-hermano foi um dia.  Um mar de repetições de formatos e de uma fórmula que caiu na mesmice há tempos. Some-se a Banda do Mar a infantilidade tardia (ainda?) e a emissão de sons provenientes das frágeis cordas vocais de sua companheira Mallu Magalhães e atuação meramente coadjuvante do baterista português Fred Ferreira.

Nesta estréia, especificamente, chamo a atenção dos leitores justamente para a “tríade-ilusão”. É, meus caros, apenas 3 canções merecem atenção neste trabalho e sempre com alguma ressalva (daí a tríade-ilusão). “Cidade Nova” que abre o disco com personalidade e lembra a fase mais legal da carreira de Camelo, embora possua aquela velha história manjada do “tá ruim, mas tá bom”. “Hey Nana” que na minha opinião é a grande música do disco, principalmente por conta da linha de guitarra sessentista (repetidíssima, enfadonha, mas que sempre funciona bem) e “Mais ninguém” que é a maior e melhor música pop do casal, embora “cantada” por Mallu. Outros grandes méritos, são a qualidade da produção e da gravação do mesmo.

O exercício de compor está sendo extremamente improdutivo para Marcelo Camelo. É o mal de quem foi nivelado por cima o tempo todo. O “messianismo” que atingiu seus trabalhos com o Los Hermanos é cada vez mais prejudicial para seus projetos posteriores. Logo ele que foi ícone para tantos outros. Estes não procuraram espelhar-se no caminho percorrido anteriormente pelo artista em foco para desenvolver sua identidade musical e ficaram apenas tentando cópias medíocres. Camelo tornou-se pai para um monte de filhos que não são donos nem do próprio nariz e agora vai nivelando-se a eles.

Banda do Mar. Divulgação. Fonte: Google Imagens.
A Banda do Mar é um trabalho “alto astral” sem graça. Nada além de um compartilhamento de gostos adolescentes de senso extremamente usual. O álbum não evolui em nenhum momento, não oferece outros caminhos além do mundo adulto infantilizado em bobagens e numa pieguice única. Confesso que fico muito triste em referir-me as composições de Marcelo Camelo que tanto me emocionaram outrora desta forma, mas não tem como ser diferente. Na minha concepção, é um desperdício imenso de talento de um dos raros jovens diferenciados, de fato, nos últimos 15 anos na música nacional.  É o brilho de uma carreira que iniciou e se manteve de modo enriquecedor jogado no chão.  

A propósito, aguardo ansiosamente o Box com os vinis do Los Hermanos que encomendei para a minha coleção. Preferencialmente, ouvirei tomando uma cerveja gelada ou um bom vinho com uma tábua de queijos especiais. Feeling por feeling eu prefiro a levada melódica do que “Fez-se Mar” em outros tempos, do que os “muitos chocolates” de agora. Estes, eu deixo para o casal sacarose e para Fred Ferreira, que apenas “segura vela” na bateria.


Observação - não estranhem o porquê da ausência de comentários sobre as composições de Mallu Magalhães, com exceção de “Mais ninguém” por um lado indie-pop cool e de “MIA”, que não passa de um Indie-axé e que certamente é uma das piores coisas que já ouvi em toda minha vida. Para Mallu, insisto no que disse em outro texto – “Mallu Magalhães tem 21 anos, três álbuns e a vida toda pela frente. Inclusive, para aprender a cantar”.


domingo, 21 de setembro de 2014

Ronnie Von - Ousadia Reconhecida (Antes Tarde do que Nunca) - Por Fernando Lucchesi



Para grande maioria das pessoas, quando se fala em Ronnie Von, a primeira lembrança que vem é o cantor de músicas românticas como “Tranquei a Vida” ou “Pra Ser Só Minha Mulher” ou ainda como o cantor, erroneamente vinculado à jovem guarda, que cantava versões dos Beatles e intérprete do gigantesco hit dos anos 1960 “A Praça”, que segundo o próprio Ronnie Von vendeu mais discos que o número de aparelhos de som que havia nos lares brasileiros.

O que pouca gente sabe é que entre 1968 e 1970 ele gravou três discos da hoje chamada “fase psicodélica”. Os três discos (“Ronnie Von” - 1968, “A Misteriosa Luta do Reino do Parassempre [sic] Contra o Império do Nunca Mais” - 1969 e “Máquina Voadora” - 1970) foram produzidos em uma época em que o cantor tinha contrato com a Phillips, mas a gravadora ficou por um período de tempo sem um executivo principal no Brasil. Como ele tinha obrigações com a gravadora em entregar discos, resolveu fazer o que realmente o interessava musicalmente. Aqui é importante fazer um parêntese: Ronnie Von sempre manifestou que gravou “A Praça” por pura insistência de Carlos Imperial, pois a música em nada lhe agradava. Quando surgiu a oportunidade de gravar um disco sem interferência da gravadora, ele cercou-se de três profissionais que entenderam a vaga ideia do que ele queria fazer e a concretizaram: o compositor Arnaldo Saccomani, o maestro Damiano Cozzela e o produtor Manoel Barenbeim. Além deles deve-se crédito também a Zé Guilherme e ao grupo B-612, que acompanhou Ronnie Von durante a gravação do disco de 1968.

Os três discos foram um fracasso retumbante de vendas na época e Ronnie Von sequer conseguia fazer shows dos discos, pois o estranhamento com o novo som era tanto do público como dos produtores de shows que não viam possibilidade de lucro com um produto musical tão incompreendido. Esse, portanto, era um período fadado ao esquecimento musical que vez por outra acomete artistas importantes da música brasileira. E continuaria assim se uma revista austríaca, no começo dos anos 2000, não tivesse colocado o disco de 1968 entre os cem mais importantes da música psicodélica mundial. Houve então o revival por parte de algumas bandas brasileiras e por parte do próprio público que passou a ter conhecimento desse período.

Em 2013 o canal BIS, do Multishow, resolveu fazer um documentário sobre esse período da carreira do cantor e chamou a banda Haxixins para acompanhá-lo, a princípio, em 15 faixas. O documentário não se restringe apenas ao período psicodélico. A parte inicial é um breve resumo do começo da carreira de Ronnie Von, suas influências (marcadamente os Beatles) e como ele conseguiu reunir e dar oportunidade às primeiras bandas de rock surgidas no Brasil influenciadas pela sonoridade dos Beatles pós-Revolver. Sem dúvida, a mais conhecida foi “Os Mutantes” (que teve seu nome sugerido por Ronnie Von, que à época lia um romance chamado “O Império dos Mutantes”). 

Mas, o que realmente torna especial o documentário são as cenas da gravação em estúdio de Ronnie Von com o Haxixins. A versão deles para “Máquina Voadora” é brilhante. Bom, para aqueles que não conhecem esta é uma excelente oportunidade de se familiarizar com o som e para aqueles que já conhecem é uma chance rara de ver Ronnie Von reinterpretando as músicas de um período que trouxe para o rock/pop brasileiro o que havia de mais moderno na época.


Já a biografia “Ronnie Von - O Príncipe que Podia Ser Rei” dos jornalistas Antônio Guerreiro e Luiz Cesar Pimentel não é mais que mediana. É claro que o livro não deve ser ignorado, pois preenche uma falha do mercado editorial brasileiro e corrige uma injustiça histórica, mas não há nada de novo em suas 158 páginas que já não se saiba sobre o biografado. Sobram questionamentos. Por exemplo, entre 1973 e 1977 Ronnie Von não lançou discos, à exceção de alguns compactos. O livro resume esse período assim: “Entre 1974 e 1977, lançou três compactos e se dedicou aos shows”. Durante esse três anos, nada de relevante aconteceu artisticamente? É verdade que ele só lançou alguns compactos, mas os shows eram calcados em que repertório? Ele conseguiu fazer shows em todo Brasil ou ficava restrito a alguns poucos lugares? Que banda acompanhava-o nesse período? Outro questionamento é se durante toda sua carreira nunca houve intervenção da censura, principalmente no período psicodélico, já que os censores notadamente franziam a testa pra algo que não compreendiam.

A vida pessoal e todos os problemas de relacionamentos são bem detalhados e nesse caso, os autores não douraram a pílula. Não omitiram nada. O que decepciona mesmo é a oportunidade de ir mais a fundo no período psicodélico além dos dois discos posteriores “Cavaleiro de Aruanda”, cuja faixa título é um rock Hendrixiano, e “Ronnie Von” de 1973. Não se pode duvidar da seriedade da pesquisa, mas a biografia de Ronnie Von tem muitas lacunas para serem preenchidas.

domingo, 14 de setembro de 2014

O Que Ouvi de Interessante no Mês de Agosto: Parte II - Por Bruno Vitorino



Ell Gênio Duo. Divulgação: Leila Nunes
Ell Gênio Duo – Reflexos:

Na zona de intersecção entre o tradicional e o moderno, estão os pernambucanos do Ell Gênio Duo. Tradicionalistas por formação e vanguardistas na inquietude de suas abordagens, a dupla, formada por Luciano Emerson (clarinete) e Caio Fernando (violão de 7 cordas), mescla em suas composições as estruturas clássicas do choro, a liberdade do discurso improvisativo  do jazz e o esmero da arquitetura erudita, apontando, desta forma, tanto para o aspecto conservador do viés tradicional da cultura, quanto para o caráter libertário, por parte da vanguarda, daquilo que concerne à sedimentação rija dos símbolos inscritos nas práticas coletivas da cultura. Dessa forma, a música constante no álbum de estreia do dueto – “Reflexos” – é um encadeamento constante de teses, antíteses e sínteses. Neste disco, o duo demonstra uma comunicação telepática que estabelece suas bases no risco, na descoberta, na exploração das possibilidades melódicas, rítmicas e harmônicas, nos limites entre composição enquanto estrutura pré-concebida e a improvisação enquanto criação instantânea. Pondo de lado a burocracia estéril dos tecnocratas, ouve-se nesse trabalho um virtuosismo que vai, portanto, muito além da mera destreza técnica para descambar numa necessidade incontrolável de expressar em sons os sentimentos mais recônditos. Sem falar na ironia fina contra a banalização do termo “gênio”, que se reduziu a mero selo de qualidade tal como o ISO, já presente no nome do projeto. Certamente um dos trabalhos instrumentais mais densos já registrados em nosso estado.







Keith Jarrett / Charlie Haden – Last Dance:

Eu descobri quase por acaso que Charlie Haden havia morrido. Fiquei “fora do ar” por alguns minutos pelo inesperado da notícia. Ele era um de meus heróis do contrabaixo, e eu nutria a esperança de num futuro próximo vê-lo ao vivo... Por isso, com sua morte, morreu também, de certa forma, um pedaço de mim e de tantos outros baixistas que se inspiravam nesse ícone. Encantavam-me (e ainda me encantam) seu não-virtuosismo tácito, sua capacidade extraordinária de harmonizar absolutamente tudo, suas escolhas na construção das linhas, seu domínio pleno das formas e sua habilidade para transitar à beira das estruturas formais da composição, quando os momentos de improvisação livre e coletiva exigiam um caminho mais aberto. Cada nota que tocava, cada silêncio que enaltecia tinha um significado imenso nas suas interpretações e na maneira como ele estabelecia elos com os outros músicos envolvidos na execução do tema. Não sem razão Keith Jarrett o considerava um dos maiores improvisadores da história do jazz. “Last Dance” é o segundo álbum que o encontro desses dois mestres rendeu. É uma celebração da amizade e do reencontro musical que demorou três décadas para voltar a acontecer. A informalidade da sessão vai desde o local das gravações – o estúdio caseiro de Jarrett – à escolha dos temas. São releituras de standards estabelecidos no cânone jazzístico e, por isso mesmo, ainda mais desafiadores, pois requerem dos instrumentistas a capacidade de fazer algo novo com um material desgastado por um sem número de interpretações. Nesse sentido, a dupla engrandece as composições com a entrega plena de si em cada música, buscando a transcendência metafísica no diálogo constante, seja na execução dos temas, seja na improvisação sobre esse suporte que é o chorus. É tão magnífico, por exemplo, ouvi-los executando com tanto frescor e jovialidade uma composição como “Round Midnight”, uma tema tão violentado por músicos de churrascaria que não conhecem Thelonious Monk e muito menos vislumbram sua dimensão e importância para a música que ajudam a corromper com a frieza cadavérica que lhes é peculiar. “Last Dance”, assim como seu antecessor “Jasmine”, impõe-se como um resgate da jornada em busca do Belo na Arte. Algo que fora rechaçado pelos urubus do vanguardismo de araque, pela incapacidade dos músicos sem criatividade e ousadia, que não conseguem ir além das fronteiras de sua própria inércia e das doces recompensas da indústria do espetáculo, em compreender o seu papel ante o sagrado que é a Música e, por fim, pelo público que deseja apenas som ambiente para embalar sua futilidade. Por todas essas razões, um disco obrigatório. 

No player abaixo, é possível ouvir trechos dos temas. É bem verdade que isso é insuficiente para revelar toda a beleza do trabalho, mas serve para atiçar ainda mais a curiosidade e tornar a audição desse álbum ainda mais irresistível.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Cavalera Conspiracy no Recife - por Giba Carvalho

     


O sobrenome "Cavalera" está marcado de forma única na história da música mundial. É bem verdade que o rock n´roll nunca pegou no Brasil, mas estes dois caras foram os responsáveis (junto aos demais membros do Sepultura) pelo patamar mais alto que uma banda brasileira chegou na história da música mundial. Em virtude disto, e pela reverência e devoção dos "camisas pretas", esperava as dependências do Clube Internacional tomadas na última noite de sábado. Ledo engano. 

Acredito que no máximo mil pessoas presenciaram uma noite histórica para os fãs dos Trash Metal. Na opinião do público em geral, por dois fatores - primeiro o preço do ingresso (R$160,00 inteira - R$80,00 meia-entrada e ainda com o ingresso social a R$90,00 com 1 kg de alimento) e segundo, pela divisão de opções na noite específica da cidade (na mesma noite estava havendo show de Raimundos e de O Rappa). Quando falo sobre o preço do ingresso acima é unicamente porque foi a justificativa que mais ouvi durante a noite para um público tão pequeno. Temos que analisar outras duas causas para debater isto. Os caras tem carreira internacional, trazem todos os equipamentos e equipe com eles e isto aumenta o preço. E pelo fato do pernambucano ser o público mais pseudo-cultural que conheço. Fala aos quatro ventos que transborda cultura, mas, na hora de pagar qualquer ingresso acima de R$50,00, tudo torna-se absurdo! Já nas prévias de carnaval, onde a música não é arte e apenas entretenimento da mesmice, a situação muda sobremaneira, não é verdade?

Vamos ao que de fato é relevante. Confesso que minha mente fez uma viagem no tempo. Voltei a meados de 1991 quando um amigo de sala gravou numa fita cassete o vinil do "Arise". As audições deste disco foram de extrema importância para minha formação musical e de momentos de extremo terror para os vizinhos de prédio. Até quando fui citado na reunião de condomínio por ouvir música do demônio em volume ensurdecedor e não deixar que as pessoas ouvissem o Jornal Nacional em paz. 

O show foi um espetáculo à parte. Desde quando ouvi o primeiro disco do Cavalera Cospiracy tive a real certeza de que os irmãos Cavalera, quando juntos, são mestres na hora de compor porradas. O estilo revolucionário e provocativo de Max aliado ao vigor visceral de Igor com as baquetas é combustão pura! O setlist foi baseado nos dois álbuns da banda - Inflikted (2008) e Blunt Force Trauma (2011) e vários sucessos da carreira junto ao Sepultura como: Beneath the Remains, Desperate Cry, Innerself, Arise, Attitude, Roots Bloody Roots, dentre outros. Ainda tiveram tempo de tocar duas novas - Babylonian Pandemonium e Bonzai Kamikaze. Estas duas são um ótimo prenúncio do disco novo que será lançado ainda neste segundo semestre e que até agora tem o nome de Pandemonium. Mark Rizo, guitarrista da banda, afirmou em recente entrevista que as gravações foram ótimas e classificou o novo trabalho com rápido e brutal.


Seria muito injusto classificar o show da Cavalera Conspiracy apenas como "saudosista". Para o bem dos amantes do rock mais pesado, os irmãos Cavalera ainda estão em forma e conseguem apresentar um trabalho de qualidade. Concordo com a afirmativa do amigo Fábio Samico - "Velho, é a hora que separamos os meninos dos homens! Os caras são foda!" Infelizmente, o público do Brasil não presta mais atenção nestas bandas que foram divisores de águas. Sinto-me extremamente honrado e feliz por ter visto dos dois meus heróis juntos e ao vivo. E, ainda penso, que futuramente o Sepultura (a maior banda da história do Brasil) voltará a tocar junta com sua formação clássica. 

CLUBE INTERNACIONAL DO RECIFE - Prestem atenção na estrutura oferecida ao público presente.

Foto 1: fios que ligavam o palco e a iluminação totalmente imersos em água que escorria das infiltrações. Risco total de acidente!


     
Fotos 2 e 3: mictórios entupidos, com canos de passagem furados e um "mar de mijo e lama de mijo" no banheiro masculino.


   

Não aconselho a ninguém qualquer evento no referido clube. Uma vergonha!

Créditos da foto do Setlist - issu.com/RockMeeting

terça-feira, 2 de setembro de 2014

O Que Ouvi de Interessante no Mês de Agosto: Parte I – Por Bruno Vitorino


Para mim, agosto foi um instante. Fugaz. Passou por mim esquivo como um lampejo, irrefreável como uma rajada de vento que não vê nada além de seu curso. Dele ficou apenas uma palavra: correria. Mas, no meio da tormenta que nasce da peleja entre o tempo e as obrigações inerentes a cada um, dediquei meus (poucos) momentos de calmaria e paz de espírito a ouvir alguns discos que foram lançados recentemente. Por isso, nesta primeira parte, busco aqui compartilhar com os que me leem, em comentários ligeiros (logo, denuncio, já insuficientes para abarcar a infinita grandeza da Música em seu esplendor inefável) alguns desses trabalhos que, de forma boa, chamaram-me a atenção.

Mônica Salmaso – Corpo de Baile:


Em seu mais recente trabalho, a cantora paulista resgata uma maneira quase esquecida do fazer artístico: o garimpo, o trabalho minucioso de pesquisa poética, musical e estética de obras que clamam por serem objetivadas na construção coletiva da interpretação. No caso em pauta, trata-se de pérolas geradas pela parceria entre Guinga e Paulo César Pinheiro que em sua maioria não haviam sido gravadas, e outras as quais pairavam esquecidas num passado longínquo. Gravado à moda antiga com os instrumentistas juntos no estúdio, o álbum traz 14 canções esmerilhadas pelos arranjos primorosos de Nailor Proveta, Nelson Ayres e Teco Cardoso, para citar só alguns, com instrumentação variada que nos remete a uma sonoridade camerística; base mais que adequada para acolher a voz precisa da cantora. Nos tempos em que a Música Popular Brasileira (se é que esse termo ainda faz algum sentido) nos brinda com falsas divas do sucesso comercial que de hit em hit vão se consagrando diante de um público cada vez mais inerte e homogeneizado, “Corpo de Baile” se impõe como um trabalho de resistência verdadeiramente artístico que, por teimosia e coragem, insiste em percorrer o contra fluxo do establishment. Um dos discos mais interessantes do ano até o momento. Nos vídeos abaixo, é possível ver o processo de gravação das músicas "Corpo de Baile" e "Rancho das Sete Cores", além de ouvir os comentários de Salmaso sobre elas:

- Corpo de Baile: 



- Rancho das Sete Cores: 



Rua – Limbo:


Na sequência do ótimo “Do Absurdo” (2011), os recifenses da Rua apresentam seu mais novo álbum – “Limbo” – e se estabelecem como um dos projetos mais interessantes da cidade. Subvertendo a lógica ocidental estabelecida para a canção que submete ritmo e harmonia à melodia enquanto elemento propulsor do desenvolvimento temático e suporte por excelência da palavra, a Rua se vale de padrões rítmicos assimétricos, que se sobrepõem, como forças norteadoras dos rumos da composição, gerando com isso um conflito métrico que obscurece, por vezes, as articulações da forma e a noção de pulso estável. Os acordes verticalizados são desconstruídos numa abordagem polifônica que vai tramando em torno da estrutura dos temas algum direcionamento harmônico de forte coloração modal. Não há aqui o canto das sereias dos movimentos cadenciais e das resoluções harmônicas aos moldes tradicionais que tanto seduzem nossos ouvidos viciados, e sim insinuações de ambientes sonoros, campos harmônicos subentendidos, amplos e abertos. E permeando toda essa densa estrutura está a melodia esculpida no ritmo a carregar uma poesia irreal (no melhor dos sentidos), apartada das vicissitudes cotidianas da experiência humana, que explora as margens da linguagem e o hermetismo dos significados. Um disco esteticamente ousado e musicalmente bem construído, como há muito não se via por estas bandas. Indispensável!


quinta-feira, 7 de agosto de 2014

O Amor Cáustico de Paolo Nutini - por Giba Carvalho

       


Nove anos após assinar seu primeiro contrato com a Atlantic Records, Paolo Nutini nos presenteia com seu terceiro álbum - “Caustic Love”. A cada passo dado, o garoto de apenas 27 anos, mostra que sabe aonde quer chegar e que toma conta de sua carreira de modo único. Primordialmente pela guinada quase total para o soul como linha de frente para sua música e, segundo, por não deixar que qualquer produtor ponha as mãos em seus trabalhos. Desta feita, Nutini pôs as mãos na massa e assinou a produção do seu terceiro álbum junto a Dani Castelar, com quem já havia trabalhado no antecessor – Sunny side Up.

Inspirando-se em clássicos de R & B e Soul, Paolo acerta seus ouvintes de modo muito mais eficaz do que com o pop-folk que predominara até então em sua carreira. A maturidade musical já demonstrada em “No other way” (melhor música do Sunny Side Up) toma formas impressionantes em Caustic Love em canções como – “Iron Sky”, “Let me Down Easy” (um tributo aos clássicos da Motown) e “Scream (Funk My Life Up). Nutini parece compreender uma frase que adoro utilizar em termos musicais – “Moderno é a tradição.” Destas supracitadas, eu destaco “Iron Sky”. De letra contundente e madura, esta balada nos remete a luta por direitos e ao confronto a nossa sociedade dividida por meio de tantos adventos tecnológicos. No meio desta canção, o trecho do discurso de Chaplin retirado de “O Grande Ditador”, faz com que tenhamos mais certeza ainda:

Para aqueles que podem me ouvir, eu digo, não se desesperem
A miséria que está sobre nós é apenas a passagem da ganância
A amargura de homens que temem o avanço do progresso humano
O ódio dos homens passará e ditadores morrem
E o poder que tomaram do povo retornará ao povo
E mesmo que os homens morram, a liberdade nunca perecerá
Não entreguem-se a estes homens artificiais
Homens-máquina, com mentes de máquina e corações de máquina
Vocês não são máquinas. Vocês não são gado, vocês são homens!
Vocês, pessoas, têm o poder de tornar esta vida livre e bela
E de fazer desta vida uma aventura maravilhosa
Vamos usar deste poder!
Vamos todos nos unir!

Apresentação espetacular no Studio Abbey Road:


Não pense você, que o peculiar lado romântico, foi esquecido por Paolo Nutini. Podemos perceber claramente desde o título do novo trabalho – “Caustic Love” (Amor Cáustico). No entanto, o modo que o artista exprime tais sentimentos nas novas canções é bem diferenciado dos trabalhos anteriores. As dolorosas desilusões amorosas adolescentes dão lugar a consolidação de um adulto que tem a capacidade de questionar e agir de outras maneiras. Sejam elas no amor que escorre em – "Diana" – Diana, she loves me, no innocence or compromise. Diana, she loves me, the only way she knows. Ou na bela "Better Man" (será que vamos ter outro hino com este mesmo nome?), onde mesmo de um modo ainda “meio garotão”, ele consegue passar grande parte do que qualquer homem deseja na sua companheira. E é impressionante como o garoto consegue fazer de uma baladinha (praticamente voz e violão) torne-se uma bela música.

Mas, neste lado específico - "One day" é a que mais se destaca pela musicalidade intensa, com uma linha de contrabaixo que permite que Nutini explore seus tons variadíssimos de voz e pelo existencialismo "platônico" contido na letra: From the corner of my eye. To the back of my mind. I recognize what you mean to me. And all the corners of our pictures. Are a long time afraid. They still symbolize what you mean to me. You ask me to remember. A kiss is but a kiss. Well I'd be a fool to want more from you. And I'm gone in a while. I'll be gone in a while. I'll be gone in a while. It's all that I do. I'll cry and you cry and we'll cry. Till the rain turns black. And the devil moves and clings to us. And for a moment there is beauty. It's not a simple yearning. Sometimes it feels like it's all I've gotten. It's all a dream.

Dentro do álbum, ainda encontramos outro diferencial. Há algum tempo atrás, ao ser questionado sobre como seria seu novo trabalho, Paolo Nutini afirmou que estava sendo meio que "punk-rock" o processo de produção. Com a elegância e talento que lhe é proveniente, o álbum não tem nada do estilo supracitado. Porém, "Cherry Blossom" e "Fashion" são  músicas onde as guitarras mais rock n´roll aparecem. Muito mais baseado pro lado de bandas de rock psicodélico e indie. Esta vertente não apareceu nos antecessores e é certo que será sucesso em suas apresentações. 

"Bus Talk" e "Supperfly" são os pontos fracos do álbum por tratarem-se apenas de duas "vinhetas" chatas entre as faixas.  

É notório que o caminho do jovem escocês vai tomando crescente e isto é extremamente importante para o mundo da música. Afinal, para uma geração muitas vezes julgada “perdida”, o Reino Unido vem provando por Paolo e outros como Amy Whinehouse (in memorian) , Adele, Joss Stone, Jake Bugg que um pouco de bom gosto e tradição, aliados a sofisticação, não fazem mal a ninguém.