quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Variações em 5/4: Selvática




Na coluna deste mês, os editores do blog comentam o mais novo álbum da cantora baiana Karina Buhr, “Selvática”.

Boa leitura!

- Bruno Vitorino:

Acho Karina Buhr uma artista esperta. E digo isso sem qualquer rastro de ironia ou viés pejorativo que a palavra “esperta” possa denotar. Refiro-me tão somente à capacidade que tem de se construir enquanto produto cultural que consegue por no mesmo pacote um grande apelo ao vendável, largas doses de glamour intelectualizado e modismo cult de olho numa nova juventude supostamente contrária àquela “geração Coca Cola” consumista e alienada; uma juventude que se acredita engajada, cheia de causas e bandeiras libertárias, em eterno conflito com o status quo da ordem social não apenas deste país, mas, do mundo. É para esses jovens que Karina Buhr canta. E como muito provavelmente a artista sabe que a música hoje, mais do que despertar sensibilidades e comunicar espíritos numa comunhão via experiência estética, contorna todas vicissitudes da técnica e do conteúdo expressivo para referendar modos de vida, faz deles seu nicho de mercado e se apresenta como referência simbólica para identidades subjetivas. Assim, numa conjuntura de fim das Grandes Narrativas, de hibridização da arte com a lógica mercantil, de descentração do indivíduo ante o mundo e si mesmo, de pulverização da realidade social em infinitas constelações simbólicas de apreensão do mundo, Karina Buhr surge como um discurso, de certa forma, unificador representante de um território imaterial que arrebanha todo esse séquito de jovens nefelibatas e adultos com “síndrome de Peter Pan” que brincam de revoltados com a sociedade.

Por isso, é irrelevante se a música da cantora é esteticamente inócua, como atesta veementemente este seu último trabalho intitulado “Selvática”. Seu público alvo consumirá do mesmo jeito o que quer que faça, bom ou ruim - se é que ainda faz sentido qualificar produções no mundo líquido que relativiza tudo -, pois o que importa para ele é o suplemento de alma, sonho e identidade que a grife Karina Buhr proporciona, já que quando escuta a cantora ele não apenas frui uma manifestação artística, mas consome a reboque uma atitude. Ouvir, curtir e compartilhar o pastiche punk Cerca de Prédio, por exemplo, significa também, mais do que gostar de um som, apropriar-se de uma postura Ocupe Estelita, ou seja, de suas críticas, de sua indumentária, da repetição passiva de seu discurso e, inclusive, do patrulhamento ideológico que promove. Não sem razão, o ativismo político da cantora (e não julgo aqui se este é legítimo ou não) é sempre capitalizado como recurso de marketing em prol de sua carreira artística. Por sinal, o próprio “Selvática” se aproveitou da celeuma em torno da capa para transformar a polêmica em estratégia de divulgação.

Quando lançou o disco virtualmente, Buhr postou em sua página do Facebook a capa do disco, que trazia a própria com os seios à mostra. Rapidamente a rede social retirou a postagem do ar sob o argumento da violação de seus termos de uso, o que gerou a reação enérgica da cantora alegando falta de liberdade e resquícios de um cultura machista que se escandalizava com a nudez feminina. Lógico, faço questão de deixar claro, que a atitude do Facebook foi, para dizer o mínimo, contraditória. Como pode uma empresa que militou há pouco a favor do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo se escandalizar com uma foto que não trazia qualquer conotação sexual, apenas um par de peitos desnudos? Sinceramente, achei uma bobagem. Mas, o que me deixou realmente impressionado foi como a artista se valeu do episódio para promover o trabalho ocupando, com isso, os cadernos de cultura de inúmeros veículos de comunicação e fazendo com que até o Ministério da Cultura se manifestasse oficialmente por meio de nota contra a censura do Facebook. Ato contínuo, uma multidão de seguidores, homens e mulheres, começou a postar em seus perfis fotos com o peito de fora em solidariedade à cantora. Houve até mesmo quem se aproveitasse da ocasião para pegar carona na onda alheia e se promover em cima do episódio. Em resumo, uma “viralização” total que reforça para mim a ideia de que Karina Buhr é menos cantora e mais espetáculo; menos uma artista e mais uma celebridade que busca, surfando no mar da efemeridade de nossa cultura contemporânea, ocupar um espaço de destaque na mídia e nos imaginários de adolescentes e adultos infantilizados.

Portanto, não perderei meu tempo aqui escrevendo as considerações que fiz sobre cada música que ouvi e reouvi não sei quantas vezes do disco “Selvática”, pois elas não serão lidas como análises estéticas de um trabalho artístico, e sim como ataques pessoais a indivíduos que seguem – para usar um termo do momento – a entidade Karina Buhr. E, na boa, a verdade é que, por sua música não possuir qualidades artísticas mensuráveis por critérios tradicionais (e tradicional é bastante diferente de conservador, beleza?), toda e qualquer análise musical que aponte os inúmeros aspectos negativos que o trabalho traz em si é inapropriada, porque seu propósito não é estético, porém midiático-mercadológico-comportamental ligado a um padrão de consumo específico. E como não estudei Administração, Propaganda ou Psicologia do Consumo, prefiro não entrar nessas áreas e dizer somente que “Selvática” é apenas mais um disco com data de validade bem curto voltado para jovens revoltados de apartamento e rede social ou adultos com crise de meia idade. Se você se encaixar nestes grupos, parabéns! Certamente encontrará mais um placebo para ludibriar sua própria consciência.  


- Giba Carvalho:

A estética sempre foi utilizada por diversos artistas como complemento de suas falhas musicais. Notadamente, nos dias de hoje, percebo que inúmeros destes artistas da "nova" geração investem muito mais no lado performático, do que nas pesquisas para dar o real corpo que seus trabalhos necessitam. Em “Selvática”, novo álbum de Karina Buhr, isto será atenuado unicamente pelo vigor dos arranjos.

Com um time de acompanhamento formado por Edgard Scandurra, Fernando Catatau, Guilherme Mendonça e Manoel Cordeiro, a cantora baiana procurou desbravar sons estranhos, vários ruídos, gritos, vozes soturnas e raros momentos de leveza. Tudo isto acoplado a temas da atualidade, tais como – feminismo (principalmente), o crescimento urbano desordenado pela especulação imobiliária (ou seria política?), racismo e criminalidade. É bem verdade que todos estes temas devem ser debatidos e que o artista deve ter a liberdade de criar como desejar e pensar. O problema é como fazer isto de modo convencedor e que traga boas sensações aos ouvintes. Em alguns momentos tais exposições foram de puro sofrimento auditivo (Pic-Nic e Cerca de Prédio).

A única coisa que ocorreu de modo diferente na audição deste álbum foi que finalmente, Karina Buhr, conseguiu a proeza de me fazer gostar de uma música do seu trabalho solo. Alcunha de Ladrão é um reggae de qualidade, de melodia e letra bastante interessantes e que não cai na chatice usual do ritmo. Muito bem trabalhado nos metais e nas guitarras.

Por outro lado, tenho uma posição formada sobre a artista em ênfase. Para mim - “É uma atriz em potencial e péssima cantora!” Isto não mudou com “Selvática”. O que mudou desta vez, é que Buhr vem para a briga de “peito aberto” (não apenas pelos seios à mostra na capa) e isto me agrada sobremaneira. Indiscutivelmente, é o trabalho de uma mulher com personalidade e que vive “mutações constantes”, embora estas, me pareçam mais convenientes do que naturais.

Para finalizar, tenho certeza ao afirmar que este é o melhor disco de Karina Buhr em sua carreira solo. Mas, particularmente não me convence por continuar com a marca registrada dela – “pessimamente cantado e ótimo apenas para atuações. Sejam estas nos palcos ou nas cabeças onde o vácuo anti-musical se propaga a troco de piruetas e derivados afins.”


- Rógeres Bessoni:

Talvez não seja interessante começar uma análise com “talvez”, mas é um problema o que primeiro quero levantar antes de emitir qualquer opinião: talvez seja difícil definir “consistência” em uma produção musical. Pode ser que isso – consistência – tenha a ver com um casamento bem sucedido de grande inventividade musical com maturidade poética nas letras. Pode ser que ela – a consistência – seja percebida como um impacto que lhe faz parar tudo que estava fazendo, para prestar atenção a um portal interdimensional que apareceu subitamente no meio da rua, num dia comum. A finalidade não é multiplicar as alegorias para aproximar a consistência do nosso campo visual imaginário. Apenas declaro com total honestidade que há muito tempo não sinto, oriundo da nossa cena musical, o impacto consistente das coisas novas.

“Selvática” mantém essa ausência de surpresas. Sem grandes achados melódicos, sem grandes achados poéticos, com uma boa banda, mas em nada surpreendente, o disco é, no máximo, morno. Mais um dos registros da onda morna em que flutua a música pernambucana pós-mangue. Karina encaixa alguns vocais bem colocados, como em Dragão e Despediço-Te-Me, com uma voz cristalina em certos momentos, mas sem grandes voos de ousadia ou interpretação de real fúria - nem na faixa-título, em que mais selvageria com técnica seria muito bem-vinda. Não ficou nada de fato marcante, nenhuma “assinatura” como intérprete. Enquanto isso, o tecido musical, apesar de executado de forma competente, é de uma limitação irritante e nos precipita na monotonia de ouvir um disco inteiro sem nada de hipnótico: nenhum riff, nenhuma melodia, nenhuma pegada de bateria, nada.

Há boas sacadas nas letras, como em Alcunha de Ladrão, mas são apenas boas sacadas, nada que aponte um novo caminho ou abra trilhas para outras percepções. As letras não revelam, não ameaçam e não assustam o cotidiano – nem nos conduzem a vê-lo “pelo lado de fora”. Por isso, o disco é morno: em todo o trabalho, não há uma única construção sonora ou textual que se estabeleça como um marco. O disco inteiro não conduz ou aponta para absolutamente nenhum caminho novo. Vi um dos comentários sobre a obra dizendo que ela “peita o mundo machista”, e para mim não peita. Qualquer que seja sua temática ou intenção, o texto do disco não alcança de jeito nenhum os níveis radioativos que a poesia necessita para afrontar e desmantelar um universo e, em seguida, plasmar outro vigorosamente. Não tenho nenhum motivo para duvidar da sinceridade e seriedade das buscas musicais de Karina Buhr, mas ainda não foi dessa vez que sua obra desferiu o golpe certeiro de uma guerreira do Daomé.


- Fernando Lucchesi:         

No seu terceiro disco a cantora e compositora baiana mescla peso e melodia. Fica explícita no disco a intenção de fazer uma mistura das principais influências da cantora. Há desde pop, punk rock, reggae e até um pouco de maracatu em algumas músicas.

O álbum abre com Dragão, música com muita percussão e alguns naipes de metal, mas que não sai do lugar comum. O disco muda com Eu Sou Um Monstro. Com uma letra provocativa, Karina Buhr sugere às mulheres que mostrem seu lado selvagem ao se verem acuadas diante de diversas situações em que são vítimas. Ao mesmo tempo em que reflete sobre a apatia, ela revela a mulher forte e lutadora ao confessar “ser um monstro”. A música flui muito bem, densa e pesada, mas cadenciada com uma guitarra muito bem executada e cheia de efeitos sonoros. Com uma base eletrônica e muita percussão Conta Gota funciona bem e revela uma cantora que evoluiu em relação aos seus trabalhos anteriores.

O grande problema do disco reside na sequência de músicas pesadas, com notada influência do punk rock. Apesar de muito bem executadas pela banda de apoio, a voz de Karina Buhr definitivamente não funciona em músicas nesse estilo. A voz dela fica tão fraca por cima de camadas de guitarras que, muitas vezes, fica até difícil compreender o que ela canta. Pic Nic (possivelmente a música mais fraca do disco), Esôfago e Cerca de Prédio vão todas nessa mesma direção. Voluntária ou involuntariamente, Karina parece ter elaborado um novo hino para o movimento Ocupe Estelita com Cerca de Prédio”, em que critica abertamente a especulação imobiliária.

Já no final do disco, Buhr segue mostrando mais explicitamente suas influências regionais com Rimã (com uma bateria característica de maracatu), Alcunha de Ladrão (um reggae com toques de guitarra paraense). Mas, apesar dessas duas músicas a cantora não abandona sua verve pop e encara duas ótimas baladas Vela e Navalha (essa, com uma guitarra com leves toque psicodélicos) e Desperdiço-Te-Me”. O disco encerra com a faixa-título do álbum Selvática, um longo poema musicado que não tem nada de muito especial. Um disco que surpreende, apesar de algumas limitações da cantora.


- André Maranhão:

Creio que para entendermos “Selvática” é preciso situar Karina Buhr. Se Mônica Salmaso, Alcione e Céu, são cantoras; Adriana Calcanhoto, uma cancionista; Rosa Passos, uma intérprete; para mim, Karina é muito mais uma performer, cujos trabalhos se posicionam e rendem melhor no embaralhar da canção com a foto, o videoteipe, a colagem, o figurino, a maquiagem e a arte feminista / crítica ao falocentrismo. A capa do álbum, inclusive, já mostra como a força do visual faz parte de sua estética, ao mesmo tempo em que ouvir o disco revela que analisar Karina a partir de recursos técnicos de seu canto pode não levá-la a muitos elogios.

Primeiramente, uma grande parte de “Selvática” se perde numa poética, que embora aparente uma desconstrução da linguagem – preocupada com os “rastros” das palavras, ruídos e entonações – se converte mais em um discurso autorreferente, repleto de tautologias (“mordida, a pele fica ferida”), frases repetitivas e, fazendo aqui um trocadilho com a canção Pic Nic, “sem graça”. Essas posturas se estendem da primeira à quinta faixa do álbum. Para mim, o melhor do disco se concentra em Cerca de Prédio, Vela e Navalha, Rimã, e Alcunha de Ladrão (esta última a melhor canção do trabalho de Karina), pois nesses trechos, ela alterna bem entre o punk, a ciranda, o reggae; e arredonda melhor sua voz, como também apresenta uma literalidade mais interessante nessas canções. Ainda assim, estou longe de considerá-la uma cantora, propriamente falando.

As duas últimas faixas (Desperdiço-me-te e Selvática) me chamaram atenção mais pela qualidade literária e menos pela musical. Ambas as canções poderiam, inclusive, servir perfeitamente como bons poemas, mas não brilham igualmente no formato de canto. Consequentemente, o desencaixe entre a qualidade da palavra escrita e a perda de intensidade de uma palavra cantada, me incomodou várias vezes em Selvática. Por isso, penso que Karina poderia optar mais pelo arredondamento de suas melodias e insistir na harmonia como recurso instrumental de sua banda, pois é possível realizar trabalhos de crítica mais contundente, além de uma fértil desconstrução linguística, sem recorrer ao misto de guitarras e sintetizadores empobrecidos, tampouco sem necessariamente amontoar cantos esparsos e caóticos para reunir qualquer mensagem política mais sólida e militante. Ora, basta escutarmos artistas como Itamar Assumpção, Sergio Sampaio, Jards Macalé, Badi Assad e Tom Zé, para lembrarmos que é possível experimentar a arte sem abrir mão de afinação, qualidade harmônica e literária.

sábado, 24 de outubro de 2015

Cenários de Desertificação Cultural: O Cancelamento da MIMO 2015 – por Bruno Vitorino



Foi com um misto de surpresa e desalento que recebi a notícia, por meio do parceiro de blog Giba Carvalho, de que a edição deste ano do Festival MIMO seria cancelada em Olinda. A justificativa encontrada pelos organizadores do evento, num comunicado publicado em sua página no facebook, aponta para a falta de patrocínio para bancar todas as despesas de realização da etapa pernambucana do festival. Realmente. Imagino que em tempos de crise econômica (e isto é um fato), com a Administração Pública de modo geral na pindaíba e a iniciativa privada – que nunca teve muito interesse em apoiar a ações culturais mesmo no tempo das vacas gordas, diga-se – atuando no vermelho, fica no mínimo difícil para uma mostra “internacional” de música bancar o cachê de artistas que na maioria dos casos recebem em dólar ou em euro. E qualquer pessoa minimamente informada sabe o quanto a cotação dessas moedas tem operado na estratosfera das bolsas de valores ultimamente. Mas, mesmo diante desse cenário, a pergunta que não consigo tirar da cabeça é: por que só cancelaram a etapa Olinda do festival?

O fato é que a MIMO, que nasceu em 2004 “Mostra Internacional de Música em Olinda”, cresceu muito além de seu escopo original. Aclamado ano após ano por público e mídias, o evento se consolidou enquanto negócio, expandiu sua área de atuação para além dos concertos, conquistou outras cidades, deixando com isso de ser um conceito de festival para se tornar uma trademark que comercializa não somente shows, mas toda uma experiência de consumo de bens culturais de maneira massiva e gratuita. Assim, amparada pela irresistível pauta da democratização do acesso à cultura a qual fala em “tornar acessíveis ao grande público atividades de cultura e de artes no formato de espetáculos para a fruição[1], a MIMO (e não mais “Mostra Internacional de Música em Olinda”) tornou-se uma franquia potencialmente interessante tanto para empresas, que atrelam sua marca a um projeto cultural renomado, quanto para o Poder Público por todos os dividendos políticos que um evento desta natureza lhe traz. Por isso que mesmo diante de um cenário de crise e escassez de verbas para empreendimentos culturais houve patrocinadores, se não para bancar a realização da mostra em todas as cidades originalmente pensadas pela produção, ao menos, na maioria delas. Desta forma, ao que parece, acabou sendo apenas uma questão de cortar aquela cidade cujo estado tivesse menos recursos a oferecer, como numa espécie de leilão em que se descarta o pior lance. Do contrário, teriam cancelado, por exemplo, Paraty ao invés da “cidade-mãe” e “berço da inspiração” da MIMO, não é mesmo? Mas, não foi o que aconteceu, e deu no que deu.

Fonte: Facebook da MIMO. 
Obviamente que eu entendo a estratégia dos produtores sob a ótica do negócio: a MIMO é uma empresa que vende um produto na forma de evento cultural. Simples assim. O que não aceito é essa conversa mole, com ares de tragédia quixotesca, de heróis da resistência da arte pela arte sucumbindo à realidade intransponível dos fatos econômicos; esse papo furado de “Desculpem, mas lutamos até o fim por vocês, público amado.”, quando na verdade a decisão parece ter sido bastante racional e prática do ponto de vista empresarial. Leio nas entrelinhas disso tudo algo como: “Pessoal, Olinda tornou-se inviável financeiramente. O estado está quebrado e a prefeitura não chega junto. Além disso, Rio e Minas estão oferecendo condições bem mais interessantes. Vamos focar lá. Cancelem Olinda. Se der, ano que vem retornamos. Se não der, paciência.”

E como explicar Pernambuco e Olinda terem grana para encher os bolsos das celebridades decadentes da música nacional e dos arautos da pernambucanidade em eventos como carnaval, Festival de Inverno de Garanhuns e editais de fomento, e deixarem escorrer pelos dedos a realização em suas terras do maior festival de música instrumental do país? E o Governo Federal, que também fomenta a mostra, não liberou mais recursos de modo a garantir a realização da etapa Olinda da MIMO por quê? Vai por a culpa na crise pela qual jura de pés juntos não ser responsável? Onde fica toda aquela conversa de que cabe ao Estado garantir por meio de políticas culturais a manutenção de programas e ações de interesse público? Meu coração teria ficado mais tranquilo se eu visse um pouco mais de franqueza e menos pirotecnia retórica por parte de todos os atores envolvidos nesta história, e meu juízo certamente não estaria lançando sobre mim perguntas tão incômodas.

Diante de tudo isso, resta-me apenas lamentar que Pernambuco acabe perdendo um dos mais importantes eventos culturais do estado - dentre os poucos que ainda possui. Evento este que colocava, de certa forma, este pequeno vilarejo com febres de megalópole cultural do Brasil (quiçá da galáxia!) que é o Grande Recife na rota mundial da cultura; desmistificava a música instrumental para um vasto público pouco familiarizado com ela; trazia para cá grandes nomes da atualidade que antes só passavam, quando muito, por São Paulo e Rio; promovia o intercâmbio de culturas e materialidades do sensível por meio dos concertos e etapas educativas; proporcionava novas formas de interação e ocupação do patrimônio histórico, tornando-o vivo e integrado com o tecido urbano; e, de quebra, ainda enchia de vida as ladeiras de Olinda, mostrando todo o potencial da cidade que fica ocultado pela inércia da municipalidade.

Cabe agora aos daqui se contentar com os mega-espetáculos de pagode romântico, axé music e forró estilizado; com as festinhas de brega cult que proliferam por todos os redutos descolados desta província; com as figurinhas repetidas que se acostumou a ver periodicamente nos eventos promovidos pelo Poder Público (especialmente no carnaval); e com os festivais indie de música cujas bandas trazem como único mérito artístico serem absolutamente desconhecidas do público geral e cultuadas tão somente por sociedades secretas de hipsters. Mas, não faz mal. Desde que nossa classe artística tenha um FUNCULTURA para chamar de seu e o recifense descolado encontre seus falsos ícones locais para reverenciar - o do momento se chama Johnny Hooker - acreditando-se no centro do universo das Artes, tudo correrá bem. E assim, de delírio em delírio, vamos negando a desertificação cultural que nos assola com cada vez mais contundência.



[1] MIRANDA, Danilo Santos de, “Apresentação” in WU, CHIN-TAO; “Privatização da Cultura: A Intervenção Corporativa nas Artes desde Os Anos 80”, Boitempo Editorial, São Paulo, 2006, pág. 21.