domingo, 25 de maio de 2014

Entrevista com Paulo Arruda - Por Bruno Vitorino

O compositor Paulo Arruda. Foto por: Gustavo Pimentel

Dando continuidade ao registro da produção pernambucana que passa longe do conhecimento do público local e que, de modo ainda mais enigmático, não é tratada pelos grandes veículos de comunicação do estado, publico a entrevista que fiz com o compositor, arranjador e contrabaixista Paulo Arruda. Nessa extensa - contudo, sólida - conversa, o artista fala sobre sua trajetória, perspectivas estéticas, seu trabalho composicional, dentre vários outros pontos que naturalmente foram emergindo em suas considerações.


"O músico é através de sua música." - John Coltrane 


Bruno Vitorino - Primeiramente gostaria de perguntar: por que a música? Fale-nos um pouco de sua trajetória.
Paulo Arruda - Desde criança sempre tive interesse por arte em geral. Primeiro foi o desenho; assistia aos programas do desenhista Daniel Azulay e praticava nos seus cadernos que eram vendidos em bancas de revista na época. No início da adolescência, comecei a aprender violão com amigos e a me interessar por música. Como a maioria dos jovens da minha época, ouvi muito rock e música popular, mas alguns tinham interesse em música erudita e aos poucos fui adquirindo alguns discos que eram devidamente emprestados aos colegas. Desta época, lembro-me de ouvir basicamente Beethoven, Bach, Liszt e Mozart. Os discos eram caros e praticamente só se encontravam obras até o período romântico; música de concerto moderna, só tive a oportunidade de ouvir muitos anos depois. Também ouvia e gravava em fitas os programas Clássicos Especiais da Rádio Universitária, onde tive contato com a música de alguns compositores brasileiros como Villa-Lobos e Camargo Guarnieri. Como o desenho também me fascinava, fui com o amigo Mário Robson, que já era um grande desenhista na época, ter aulas com o professor Sílvio Gomes e, alguns anos depois, com o mestre Eugenio Paxelly - que é um grande artista plástico, tanto no desenho, pintura ou escultura - em seu belíssimo estúdio então instalado na Casa da Cultura.

Mas posso dizer sem dúvidas que a música sempre foi minha grande paixão. Com a ajuda do grande amigo Dilton Monteiro, que estudava no Conservatório Pernambucano de Música, aprendi a ler um pouco de música e arriscava sozinho em casa estudar alguns exercícios do método A escola de Tarrega do Oswaldo Soares, os 12 estudos do Villa-Lobos e algumas peças de autores brasileiros; estudar teoria pelo livro da Maria Luisa Priolli, e dos raros livros que me chegavam à mão. De quando em vez, assistia de penetra algumas aulas de teoria e percepção no Conservatório.

Trabalhei durante anos como designer especializado em computação gráfica (como era chamado na época); passei por produtoras de vídeo e trabalhei em televisão também. Tinha uma vida estabilizada, mas bastante estressante, quando decidi largar tudo e me devotar à música por completo. Era a hora de dar início a uma nova vida, cheia de desafios e, como todos sabem, vinte e seis anos já é uma idade avançada para começar os estudos sérios na área, mas pude contar com professores e amigos iluminados que me ajudaram a trilhar este novo caminho.

Entrei para o Conservatório e fui estudar baixo elétrico com o professor Marcos Araújo, que foi para mim como um novo pai (o meu tinha falecido poucos anos antes); sua enorme bondade com todas as pessoas e, especialmente com seus alunos, suas aulas que não eram só de instrumento, mas principalmente harmonia, onde o Marcão (como era conhecido) simplesmente era genial, pegando músicas simples e transformando-as em obras monumentais. Grande arranjador que me ajudou a escrever arranjos e disse que trocasse o baixo elétrico pelo acústico que, aí sim, eu teria bastante trabalho. Comprei um acústico, mudei de curso e fui estudar com o professor José Chagas. Em seguida dei continuidade aos estudos com outro grande mestre, o professor Thales Silveira, com quem continuei estudando baixo acústico, e também me ensinou harmonia e arranjo durante três anos em sua escola particular (hoje, chamada Tritonis). O ensino de harmonia e arranjo aqui em Recife era praticamente nulo, quem dominava o assunto raramente passava a frente o conhecimento (segundo me contaram músicos mais velhos), e o professor Thales Silveira com seu magnífico curso vem formando ótimos profissionais e ajudando no enobrecimento da atividade musical em nosso Estado.

Ao mesmo tempo ingressei no curso de Licenciatura em Música na Universidade Federal de Pernambuco, onde também tive professores que me ajudaram bastante. Aulas maravilhosas com os professores Sérgio Dias, Nelson Almeida e, principalmente, o querido professor Dierson Torres, que leciona harmonia e estética, muito me ensinou e ainda tem para ensinar!
BV  Razão ou emoção: qual a centelha que desencadeia uma composição?
PA - Creio num intercâmbio constante entre razão e emoção. Trabalho muito improvisando ao piano e vou sempre anotando ideias e guardando para serem utilizadas em seu devido tempo. Durante este processo de busca, deparo-me às vezes com um material que não permite ser anotado e arquivado; ele (o material) quer ser trabalhado exaustivamente até sua solução e neste caso você se envolve muitas vezes de forma neurótica (auto-hipnose), quase que doentia em resolver um determinado problema composicional. Mesmo desta forma, a emoção não trabalha sozinha, embora muitas vezes ela mostre em que direção a música deve seguir. Nesta parte entra a razão para dar preenchimento aos espaços, perceber se uma boa ideia rítmica não encobre uma textura ainda em processo de maturação. Ou seja, o ato de descobrir o que não funciona, o que não tem força musical, tem sido um dos meus maiores desafios.

Vou dar um pequeno exemplo: através do material no qual estou trabalhando vou anotando as ideias em poucas pautas, para posteriormente passar à orquestração, mas posso deixar indicado que instrumento ou naipes tocarão determinado trecho; algumas vezes tenho que refazer toda a orquestração de uma parte por ter confiado demais em processos orquestrais sólidos (a razão), e não ter buscado os desafios impostos para esta etapa do trabalho, arriscando combinações e cores que fogem das estruturas comuns das texturas orquestrais. Pode funcionar ou não! Serão precisos mais alguns anos de análise e estudos aprofundados a fim de adquirir a estética sonora que busco. Se vou encontrar, ainda não sei, mas tenho me esforçado para isso.
Divulgação: Gustavo Pimentel
BV - O que é ser um compositor erudito em Recife?
PA - Acredito que é difícil para todo o mundo. Claro que em alguns países têm-se maiores oportunidades, mas que não garantem a independência do músico apenas através da arte de compor. Não se pode viver apenas de composição por aqui, mas de outros trabalhos como arranjos, tocar em orquestras, música para cinema e documentários, dar aulas ou até fazer outros trabalhos não ligados à música. Isso torna muitas vezes o tempo escasso para a produção composicional, mas o que fazer?

Escrevendo isto, lembro-me imediatamente de uma frase do compositor Mário Ficarelli: “o compositor, com raríssimas exceções, é um homem comum, ou melhor, incomum, porque além de trabalhar (e muito) para manter a si e a sua família, ainda trabalha tudo outra vez para manter e tentar elevar o nível cultural da comunidade e não ganhar nada mais por isso.” Uma definição perfeita do nosso grande compositor.

E pretendo fazer isso, continuar tocando, fazendo arranjos, dando aulas até, quem sabe um dia, poder sobreviver apenas de composição, mas já sabendo de antemão que o caminho é bastante tortuoso e complexo. Não que eu esteja reclamando do que venho fazendo, mas todos sabem que o sonho do compositor é viver de sua obra, e para sua obra.

BV Num mundo onde a arte é cada vez mais rebaixada a mero entretenimento e a experiência artística é substituída por espasmos de euforia compartilháveis nas redes sociais, como diminuir o abismo que separa a música erudita do grande público?

PA - É árdua a tarefa de fazer com que a música de concerto chegue ao grande público. A culpa não é destas pessoas, mas dos meios de produção cultural que não estão em nada preocupados com a disseminação da alta cultura, não apenas em relação à música, mas das artes em geral. Não trato apenas do caso da erudita, mas da vastíssima cultura musical pernambucana, como o frevo, maracatu, forró e caboclinhos que se encontram cada vez mais afetados pelo multiculturalismo implantado nos meios de difusão cultural.

A Orquestra Sinfônica Jovem do Conservatório Pernambucano de Música (na qual atuo como contrabaixista) cumpre bem o papel desta difusão. Através das viagens da orquestra pelo interior do Estado, a música erudita chega a milhares de pessoas que antes nunca tiveram acesso. A prova maior disto é que todos os lugares em que tocamos estão sempre lotados e, depois dos concertos, as pessoas vêm conversar conosco - emocionadas - e com um sentimento de gratidão tão sincero que sensibiliza e nos deixa sem dúvidas do quão importante é o nosso trabalho. Como podemos dizer que as pessoas não gostam, já que nunca tiveram a oportunidade de entrar em contato com este tipo de arte? Outro ponto de vasta importância deve ser citado: antes dos concertos, o maestro José Renato Accioly e a OSJ fazem um concerto-aula para crianças da rede estadual de ensino e para quem estiver disposto a assistir também; começando pela apresentação dos naipes orquestrais, depois os instrumentos individualmente e a função do regente na orquestra; ao final, trazemos uma criança para reger a orquestra, um momento belíssimo que sempre termina com muitos aplausos e onde se pode notar a felicidade dos pequeninos em contato tão próximo com a Grande Arte. Muitas crianças presentes nestas aulas estudam música em projetos sociais ou do próprio Conservatório e, ao verem e ouvirem a orquestra, tomam a decisão de que realmente vão seguir a carreira musical.

Quantos jovens temos em nossa orquestra que foram frutos de projetos como este? Inúmeros que, apesar das enormes dificuldades encontradas por quem quer fazer música com seriedade no Brasil, abraçaram o desejo de devotar suas vidas à música.

Em nosso Estado, precisamos de mais orquestras, bandas sinfônicas, grupos de frevo, e de uma atenção especial ao tipo de iniciação musical que está sendo aplicado em nossas escolas. Tenho conversado com várias pessoas que tem filhos no ensino fundamental e eles têm me relatado coisas absurdas, como se fazer pesquisa sobre o grupo Menudo ou apresentações cantando funk e brega! Onde está a culpa disto? Nas universidades? Os recém-formados professores não conseguem observar além daquilo que os foi ensinado na própria academia? Esse tipo de conduta deve ser execrado das nossas escolas, ou vocês não conseguem perceber que nossas crianças estão sendo intelectualmente estupradas.

Dois fatos recentes (na academia e na grande mídia) confirmam isto: a polêmica causada há alguns meses com o coral da USP, onde os calouros foram recepcionados com uma música das mais rasteiras possíveis. Ora, se dentro das universidades vemos coisas do tipo, o que esperar dos estudantes de iniciação musical que são formados por estas instituições? E no Jornal Nacional, da TV Globo, quando da morte do Claudio Abbado não foi citado que o maestro italiano foi aluno de um dos nossos maiores músicos, o maestro Eleazar de Carvalho.
O brasil omite o Brasil.
BV Sendo mais específico no quesito produção musical, como você enxerga a música e seus desdobramentos intrínsecos em Pernambuco?
PA - Tenho observado e analisado durante anos dois aspectos que considero fundamentais em relação às atividades musicais em nosso Estado: indivíduos que mal sabem afinar seus instrumentos fazendo ‘música’ (com o devido perdão à música, pelo uso da palavra), e críticos que são incapazes de elaborar qualquer consideração válida ou mesmo básica sobre a arte dos sons, e que defendem de forma doentia toda a encenação promovida por esses ‘músicos’ (também o devido perdão aos músicos, pela aplicação do termo), e desta forma encontram o perfeito equilíbrio da ignorância com a mediocridade – vocês fazem de conta que são artistas e nós fazemos de conta que sabemos escrever sobre o assunto.

Infelizmente, são a maioria. Existe um abismo desmesurado em Pernambuco entre as pessoas que se dedicam com real comprometimento à música e outras que tem como desígnio a banalização, transmutando-a à esfera do entretenimento vulgar.

Para analisar este ponto, gostaria de fazer uma citação sua que li aqui no blog: “grupos formados por músicos desprovidos do mais elementar domínio técnico de seus instrumentos, que esbanjam uma poesia (?) sem sentido algum, apresentam cantores desafinados e constroem em torno de seus integrantes uma aura milimetricamente deliberada de artistas sérios, criativos e inovadores.” Classificando ao final como a “consagração do mal feito”, termo que considero perfeito!

Vejamos. Em entrevista o compositor recifense Willy Corrêa de Oliveira nos traz a seguinte observação: “você só se relaciona com uma linguagem, só se exprime numa linguagem quando você a conhece”. Já ouvi até dizerem que se você estudar muito você perde o feeling! (condicionamento bastante normal num país em que o ex-presidente afirmava não ler livros, porque lhe davam dor de cabeça, e da atual presidente que não consegue lembrar o nome do livro que a emocionara tanto) Ora bolas! Ser músico significa estudo em tempo integral da linguagem e da técnica, seja você instrumentista, cantor, compositor ou regente. Se o indivíduo não tem a música como prioridade em sua vida, ele não é honesto consigo e muito menos com o seu público. A vida e o fato de se fazer música não se separam. No meu caso, por exemplo, dedico a maior parte do dia a tarefas musicais: compor, estudar contrabaixo, piano, regência, ouvir muita música e vários outros estudos e leituras relacionadas como religião, política, filosofia e história, que estão intimamente conectados ao desenvolvimento da música por séculos, mas que para estas pessoas isto passa completamente despercebido. A música se tornou, nas mãos destes, um fantoche do grotesco.

E para deixar a situação mais grave, essa aura é completamente sustentada e aumentada pela crítica “especializada” como o suprassumo da criação musical, mas não se enganem, porque praticamente não existe nos jornais e na TV alguém que possa tratar do assunto com a devida sensatez. É sempre comum ler nas matérias de música aqui em Pernambuco críticos agarrados literalmente à letra e bobagens visuais e pirotécnicas que não colaboram em nada a compreensão musical, apenas confundindo o leitor ou telespectador com termos abstratos. Tem que analisar a letra? Claro que sim! Mas e a música? Fale-me da música! Como disse o compositor russo Igor Stravinsky: “[os críticos] não estão sequer equipados para julgar nossa ‘gramática’. Não veem como é construída uma frase musical, não sabem como se escreve música; são incompetentes quanto à técnica da linguagem musical contemporânea”. Se no tempo deste grande compositor os críticos já eram falhos, imaginem hoje com o aparato da doutrina gramscista dentro das nossas universidades e da imbecilização coletiva promovida pelos meios de comunicação de massa, em comunhão com o governo?!

Mas, nem tudo é detrito! Temos ainda várias pessoas e grupos que primam pela qualidade estética da arte musical, e acreditam que desta forma podem ajudar na (re)construção de uma sociedade que se encontra esfacelada moralmente e que foi brutalmente afastada de toda manifestação artística sincera.

São poucos, mas ainda os temos.

BV Você faz parte da Orquestra Retratos, do grupo Quarto Aberto e da Orquestra Sinfônica Jovem que focam respectivamente na música regional, na improvisação jazzística e no universo erudito. Como esses três campos repercutem em sua produção?

PA - A Orquestra Retratos (que terá o seu primeiro disco “De Sol a Sol” lançado em breve) prima pela qualidade técnica e estética sonora do grupo, que é formado por instrumentos de cordas dedilhadas. O maestro e bandolinista Marco Cesar que durante vários anos está à frente do trabalho, frisa como é importante o refinamento também na música popular, trabalhando elementos musicais como fraseamento, dinâmica e cor orquestral dentro deste grupo. Trabalho maravilhoso, e que em breve poderá ser visto em algumas cidades do nordeste, através da tournée da orquestra no segundo semestre deste ano (as datas serão divulgadas em breve).

O grupo Quarto Aberto é formado por Fred Lyra e Wallace Seixas nas guitarras, Hugo Medeiros na bateria e por mim no contrabaixo. Para mim, tocar com esses grandes amigos sempre foi uma experiência de aprendizado enorme. Hugo com seus avançados estudos de polirritmia, sempre trazendo novos desafios para todos, além de um som magistral que sabe tirar do instrumento; prova de um músico que tem se dedicado durante anos no aperfeiçoamento da arte. O que dizer do meu amigo Fred Lyra? Que ama Bartok e Steve Coleman! Um músico de concepções maravilhosas, em que percebo a sutileza de Webern, ao mesmo tempo em que caminha para a violência rítmica e hipnotizante de Stravinsky. E do meu querido Wallace Seixas, que anda levando nossa música para o mundo todo. Com dois discos lançados e um livro maravilhoso com suas composições e arranjos. Saudade de tocar com os senhores!

A Orquestra Sinfônica Jovem do Conservatório Pernambucano de Música foi extremamente importante em minha formação e decisão de seguir por completo a composição. A orquestra com iniciativa do maestro José Renato Accioly vem tocando compositores pernambucanos consagrados como Capiba, Clóvis Pereira e, dando espaço para jovens compositores mostrarem suas obras como foram os casos de Mateus Alves com sua “As Duas Estações Nordestinas”, Ivan Souza com a “Suíte Norjazztina”, Sérgio Ferraz com o seu “Concerto Armorial para violino e orquestra” e a minha obra “Cangaço de Vida e Morte”.

Sobre a forma em que lido com os três campos, é que cada um desses trabalhos trazem características diversas, mas sempre se pode aproveitar matéria e elementos de um para outro. Acho esse intercâmbio precioso e bastante construtivo no que diz respeito à percepção e intuição musical. Posso dizer que continuo aprendendo muito com todos eles.

BV Apesar do título, seu poema sinfônico “Cangaço de Vida e Morte” evita o regionalismo caricato e apresenta uma construção narrativa que privilegia o inusitado. Como se deu o processo composicional dessa obra?

PA - O cangaço levou quatro anos para ficar pronto. Trabalhava nele durante os períodos de férias na universidade. Um dia perguntei ao maestro José Renato Accioly se poderia tocar com a Orquestra Jovem do Conservatório uma obra minha, e ele aceitou plenamente a ideia. Terminei a obra, que iria ser tocada pela orquestra no final de 2012. Mandei a peça para o Concurso Tinta Fresca que é realizado pela Filarmônica de Minas Gerais, e com grande felicidade soube que a peça tinha sido selecionada e seria tocada pela Filarmônica em setembro daquele ano.

No texto que escrevi para ser usado no programa do concerto digo o seguinte: nesta composição, intitulada Cangaço de Vida e Morte, busquei delinear não apenas a imagem do cangaço como fenômeno social, mas outros aspectos que o envolvem; imagens e sons característicos do sertão nordestino. A Caatinga, a seca, a fé e também a desesperança.

Como você observou, a peça foge do regionalismo estereotipado que temos aqui em Pernambuco. Ele o regionalismo existe, mas não está escancarado como em obras que seguem essa estética. Não que isso seja ruim, adoro a música Armorial, ela corre em nosso sangue, não podemos negar isto. Mas, procurei ir mais longe, trabalhando com elementos modernos e desta forma encontrando um equilíbrio entre o novo e a tradição.


BV Essa composição foi selecionada na 4ª edição do concurso Tinta Fresca promovido pela Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, uma das mais importantes do país. Como foi essa experiência?

PA - Sobre o Tinta Fresca, posso dizer que foi uma das experiências mais emocionantes da minha vida. Os dias que passei em Minas foram de imenso aprendizado com o júri, formado por Marlos Nobre, Ronaldo Miranda e Mário Ficarelli (que faleceu este mês em São Paulo) e da vivência com os colegas compositores Andersen Viana, Hermilo Santana, Rodrigo Hyppolito, Luigi Antonio Irlandini e Carlos dos Santos que foi o vencedor da edição com o seu maravilhoso Noturno.

Experiências do tipo deveriam ser obrigatoriamente repetidas com todas as orquestras do país. Tem muita gente escrevendo, mas, é sempre difícil conseguir a execução de uma peça sinfônica. Tive a chance através da Filarmônica de Minas e, espero que outras orquestras façam o mesmo, pois, mesmo com todos os esforços envolvidos, e que são muitos, a contribuição para a nossa música deve vir a ser sempre maior.

BVQuando o público recifense terá a oportunidade de ouvir essa peça?

PA - No dia 28 de maio terei a grande honra de ter o Cangaço de Vida e Morte executado pela Orquestra Sinfônica do Recife sob a regência do grande compositor Marlos Nobre. Creio que seja um novo caminho que está sendo trilhado pelo nosso maior mestre. Com a reestruturação da nossa Orquestra Sinfônica, através do Marlos Nobre, que vem tocando constantemente novas peças de jovens compositores e, inserindo a música brasileira de concerto em todos os programas, como no último concerto o ano passado, em que o repertório foi todo de compositores brasileiros. Isso nos traz uma alegria e esperança imensas, de que um novo e fértil período está se instalando no que diz respeito à música de concerto em Pernambuco.

BV - Quais os planos para o futuro?

PA - Estou finalizando uma obra comissionada pelo maestro Nilson Galvão para a Orquestra Criança Cidadã, que se chama Música para Cordas e Percussão em três movimentos: I.Quaerere, II.Via, III. Nanciscor (que significam procurar, o caminho e encontrar). Trabalho com a ideia de busca que carregamos por toda a vida, principalmente no que diz respeito a busca espiritual de cada um. Este projeto foi idealizado pelo juiz João José Rocha Targino, onde alunos da comunidade do Coque tem aulas de teoria, solfejo, percepção e instrumento. É importante destacar que muitos destes jovens já atuam em orquestras profissionais, o que evidencia a seriedade com que o trabalho é feito.

Também venho trabalhando numa nova peça para grande orquestra. Não devo citar o nome, pois vou enviá-la para concursos de composição.

Para o percussionista Emerson Coelho da Orquestra Sinfônica Jovem do CPM, venho trabalhando no Concertino para Vibrafone e Orquestra de Câmara.

Um concerto para Violão e Quinteto de Bandolins para o Guilherme Calzavara e o Quinteto de Bandolins do Recife, grupo criado pelo maestro Marco Cesar em que tocamos música popular e erudita também.

Venho trabalhando também em poemas do Joaquim Cardozo, alguns para voz e piano e outros para coro. Estou fazendo estes trabalhos com voz me preparando para escrever uma longa obra com o texto do Morte e Vida Severina do João Cabral de Melo Neto, que é um dos meus livros preferidos. Para esse trabalho pretendo usar grande orquestra, coro, solistas e narrador. Sei que uma obra desta envergadura vai me tomar alguns anos de trabalho e muito estudo!

Estou estudando agora com o professor Marcílio Onofre, no curso de extensão em composição (COMPOMUS) na Universidade Federal da Paraíba. Marcílio é um ótimo professor e tem me ajudado bastante a conhecer as novas técnicas de composição, além de pesquisar bastante sobre as novas formas de técnicas expandidas em vários instrumentos. Ao final do ano, farei a prova para tentar ingressar no mestrado em composição da UFPB.

E no próximo ano tentar gravar meu primeiro disco, que vai se chamar: Cangaço de Vida e Morte e Música de Câmara.

Sigamos com Deus!

2 comentários:

  1. Excelente entrevista Paulo. Assino embaixo.

    Inaldo Moreira

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  2. Parabéns Bruno Vitorino e Paulo Arruda pela bela entrevista. Fico feliz por saber que ainda existem pessoas como vocês. Possuidores de um grande talento musical na sua mais pura essência, com sensibilidade e beleza indescritíveis. Continuem assim e nos privilegiem com sua música!!
    Cristina Monteiro

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