quarta-feira, 20 de junho de 2012

Um Torquato Retrato - por André Maranhão Santos


Torquato Neto produziu não apenas uma grande poesia, como também inúmeras mídias mestiças numa vida intensa de vinte e oito anos. Nascido em Teresina, Torquato foi para a Bahia na juventude e em Salvador conheceu grande parte da cena cultural baiana, sendo inclusive, colega de Gilberto Gil desde a época de escola.
           
Ao longo de sua vida, Torquato colecionou e desagregou pessoas sob o seu signo de ideias e criações. O escorpiano ganhou visibilidade como um importante crítico de arte e poeta, além de participar de produções cinematográficas e performances de artistas como Hélio Oiticica, com quem trocou diversas cartas entre 1971 e 1972 (época em que Hélio se encontrava nos Estados Unidos e Torquato no Rio de Janeiro). Porém, uma das searas mais fantásticas e ricas de Torquato talvez seja a canção brasileira. Torquato tanto produziu em vida, letras destinadas às canções de Caetano Veloso (Ai de mi, Copacabana) Gilberto Gil (Geleia Geral) Edu Lobo (Pra Dizer Adeus), Jards Macalé (Let’s Play That) e Roberto Menescal (Tudo Muito Azul) como também alguns dos seus poemas foram musicados por artistas como Sérgio Brito (Go Back) e Geraldo Azevedo (O Nome do Mistério), posteriormente. É com a palavra que Torquato se realiza de modo intenso. Palavras como possibilidades de abrir significados plurais e acidentá-los; tirá-los da aparente regularidade: “Everybody knows my name but nobody knows my place (...). Meia palavra basta. agora não se fala mais: cada palavra, bicho, é uma forma poliédrica infinita e transparente”. Em Marcha à Revisão, também diz Torquato: “Uma palavra é mais que uma palavra, além de uma cilada. Elas estão no mundo como está o mundo & portanto as palavras explodem, bombardeadas.”.
           
 A despeito dos registros mais oficiais da produção de Torquato (os textos de jornais, as canções e poemas publicados), seus parentes recuperaram outros projetos não publicados durante sua vida. Torquato pedira que destruíssem seus textos não publicados. Coisa que ele mesmo começou a fazer, mas que não concluiu porque cometeu suicídio em 1972. Dos textos recuperados, seus amigos e parentes publicaram alguns fragmentos repletos de conteúdos diversos e de plurais divagações sobre conflitos, angústias, desejos e sobre as programações da tevê, produções musicais e cinematográficas; tanto brasileiras como também internacionais.

Boa parte do que Torquato escreveu nos seus cadernos foi registrada quando ele se exilou em Paris, já que a barra pesava consideravelmente no Brasil AI-5. Aí não dava mais para Torquato permanecer em terras tupiniquins. Porém, viver na França lhe parecia uma experiência com medidas injustas: “aqui/ estamos / aqui /chegamos /como forasteiros e forasteiros continuamos aqui, neste/ meu país. / principal é que um inglês é a Inglaterra, um francês é a França nós / somos os brasileiros típicos do BRASIL no dia 8 de maio de 1970”. O exílio era injusto!

Os cadernos de Torquato fazem menção a muitas influências: Tom Jobim, Chet Baker, Jimi Hendrix, Caetano Veloso, Gal Costa, Che Guevara, Décio Pignatari, Antonin Artaud são alguns nomes que parecem inspirar seus comentários. Uma lista tamanha já pode sugerir que a formação e contato de Torquato com a arte foi polissêmica e multimidiática. Ao mesmo tempo, Torquato parece arredio a qualquer vontade de idolatrar cegamente algo ou alguém, como se chorar por um ídolo fosse uma finalidade irritante, um vício de se apegar para chorar. “O Che Guevara morre apenas para que se cante (chorando) o seu mito. Jimi Hendrix morre também: logo pousamos como urubus sobre o cadáver do bicho, e choramos pelo vazio que acabamos de ganhar”. Paradoxalmente, talvez esse vazio dito por Torquato funcione como um preenchimento de quem quer idolatrar pra se viciar. Então, o choro pelo vazio da morte de um ídolo talvez seja uma metamorfose pra colocar esse ídolo em um novo altar, agora no altar de ídolo póstumo, que passa a viver em camisas, filmes, coletâneas, preenchendo a vida de muita gente. A questão mais tensa desse processo é que eleger um ídolo pode fechar portas para outras produções riquíssimas e injustiçadas em uma cultura. Neste sentido, Torquato duramente ironiza uma critica que incide no pedestal de uma crítica cultural elitista, no crivo e nos rótulos dados por alguns “críticos abalizados” que acabam por fechar diversas portas em vez de abri-las. Vejamos, por exemplo, o que Torquato pôde dizer sobre Paulo Diniz, um artista que começava a brotar de modo interessante, porém que parecia preterido por uma grande parcela da crítica daos anos 1970:

“Mas não deixa de ser engraçado vermos a confusão instalada na mansão dos herdeiros quando um cara como Paulo Diniz estoura na praça com um compacto que as pessoas não sabem onde catalogar e, portanto, não ousam comentar nem se dispõem a compreender. ‘Quero voltar pra Bahia’ veio do lado de fora, de um artista barra-pesada que não andava inserido no contexto de nenhum dos vários coros de lamentações que proliferam em torno da desgraça alheia. Tranquilo: o disco estourou nos ouvidos sentimentais do povo, a canção foi para as paradas de sucesso e nossa boa aristocracia vanguardista fechou o bico e foi para detrás da porta colocar as luvas. As mãos limpas, ariadas, arianas. Carpideiras, sim mas en petit comitê. Nenhum ‘quarsar’ para Paulo Diniz. Quando não estão chorando as pessoas estão reclamando”.

domingo, 17 de junho de 2012

Pelo resto da vida - por Gilberto da Costa Carvalho






     Durante esta semana que passou fiz algumas postagens no Facebook com uma contagem - "7 days to 70". Estas, eram acompanhadas por um video e a letra da música. O mundo da música está em festa neste 18 de Junho. Sir Paul McCartney completa 70 anos de idade. E eu me pergunto:

"Como se perpetuar no tempo?"

Após os históricos shows do Arruda, meu amigo Carlos Eduardo Montenegro escreveu algumas palavras. Tomo a liberdade de postar alguns trechos:

"Como grande fã que sou de Paul e dos Beatles, fui aos dois shows na capital pernambucana. No primeiro, fiz a loucura financeira de ir para a passagem de som antes da abertura dos portões. Uma experiência que começou as 12h do sábado, quando cheguei ao Arruda e passou pelo chá de cadeira que levamos até as 17h, quando a mesma teve início. Neste período, apesar do custo que todos os 165 pagantes tiveram, pasmem, nenhuma reclamação contundente, nenhum protesto. Apenas apreensão de que a passagem de som tivesse sido cancelada pela demora. Quando a passagem de som era, repetidamente, confirmada pela produção, a disposição de esperar por até mais uma semana, voltava a cabeça e corpo de todos. Ao ouvir os primeiros acordes, tive um gostinho de como seria o fim de semana. Bastou o Sir entrar no palco, que uma nuvem de emoção invadiu o Arruda. Famílias abraçadas, um pai com seus 3 filhos (o mais velho, com no máximo 15 anos) frisando que eles é que insistiram pra ir ao show, uma família inteira do Chile, todos emocionados...Ao terminar a passagem de som, pudemos ir a pista Premium e aí começou o mais novo esporte olímpico, os 100 metros Paul. Uma correria só e olhe que o estádio estava vazio. Como eu iria esperar meus familiares e amigos, tomei a melhor decisão da noite. Fui para a frente da entrada da pista e fiquei observando o público que começava a chegar. Aí meu amigo, foi mais lindo ainda... Não havia um cidadão que não manifestasse um pingo de emoção ao entrar no estádio. Um punho cerrado, um abraço coletivo, gente rezando, fazendo o sinal da cruz, choro fácil, pulando que nem uma gazela, casais olhando pro palco e se beijando, pais sendo amparados pelos filhos e aí vai... Um dos momentos mais emocionantes do fim de semana."

E eu volto a me questionar: 

"Como se perpetuar no tempo?"

    Confesso que tenho dificuldades para falar algumas coisas. Mas seria injusto comigo mesmo tentar segurar este tipo de emoção. Os shows de Paul McCartney são um capítulo a parte na minha história. Meus caros..."não é um show...é uma experiência de vida." 


    Na verdade, eu só tenho a agradecer e lembrar de todas as sensações vivenciadas. Tantos falam em dinheiro, quando deveriam falar em música. Em sentir...viver. 


    Quem mais me deixaria paralisado por quatro músicas seguidas? Qual dinheiro do mundo pagaria o que senti neste exato momento?


É Paul...são 70 anos de vida.


     Vida que se confunde com vidas. Com momentos, como o pedido de noivado do primo de Dudu em pleno show, com as famílias se confraternizando, como a superação de Tio Paulo a claustrofobia para chorar copiosamente abraçado aos filhos em "Something", como um casal que dançava de rostinho colado "And I love her". Alguém consegue colocar cifrões em emoções?


Falando por mim, posso dizer com a maior certeza do mundo: "Obrigado Paul".


     Obrigado por todos os momentos, todas as músicas, todos os meus amigos que puderam e não puderam estar comigo nos teus shows, por todas as pessoas que estavam lá. Obrigado por me fazer sentir, por me fazer pular e ficar rouco. Obrigado por me fazer crer na música, por todas as melodias geniais. Obrigado por me fazer sorrir. Obrigado por um abraço certo...ainda incerto.


     Mas, o que é mais importante para mim, é agradecer pela aproximação ainda que espiritual com meu pai. De ter a certeza de que a cada música que escuto nos teus shows, lembro da Fita Cassete BASF - 60 minutos que ganhei de presente. E mesmo que inconscientemente, todas as músicas cantadas, todos os gritos e lágrimas, como as que rolam por meu rosto agora, são demonstrações daquilo que a vida não me permitiu lhe dizer. "If you were here today..."

"Como se perpetuar no tempo?"

Fácil! Basta acreditar que "um NANANANA", pode melhorar o mundo.

Parabéns Paul! 

I'll love you for the rest of my ...
For the rest of my life".


Dedicado a Paul McCartney, meu pai, e a Carlos Eduardo Montenegro representando todos os meus amigos.
















segunda-feira, 4 de junho de 2012

Para Theo Vitorino - por Bruno Vitorino



A vida é de fato misteriosa! Para os céticos, é um emaranhado de vicissitudes aleatórias que se desdobram em inúmeros fenômenos que colidem entre si, criando, ao final, a densa trama chamada realidade. Para os religiosos, trata-se de um projeto divino de autoconhecimento com começo, meio e fim onde o indivíduo busca o aprimoramento moral através de suas ações. Já os niilistas defendem que a existência por si mesma não tem sentido algum e que toda a tentativa humana de significá-la não passa de uma ilusão. Dos filósofos pré-socráticos a Ana Maria Braga; todos tentaram decifrar seus enigmas.
Para mim, a vida é a imensidão oceânica do desconhecido que, resplandecendo em toda sua magnitude, ora nos repreende com suas adversidades e ora nos afaga com suas bênçãos. Assim, um olhar mais atento aos pequenos gestos do cotidiano revelará essas confidências nos atos mais corriqueiros. Um café quente num domingo chuvoso, o aperto de mão entre dois camaradas, o último parágrafo de um bom livro, um almoço em família, um acorde Maj7(#11) no primeiro grau; tudo isso soa a meus ouvidos como um murmúrio confidente e nesses breves instantes eu me sinto visceralmente conectado à vida!
Bruno e Theo
 Na quinta-feira passada, fui agraciado com a maior dádiva que poderia receber: a chegada de meu filho Theo. Até então, eu imaginava que a música me provia a experiência transcendental suficiente para transpor as contingências da matéria e tocar o abstrato através de melodias e improvisações. Quão ingênuo eu era... Ver meu filho nascendo foi o mais intenso e significativo acontecimento que vivenciei ao longo de meus 29 anos de existência. As lágrimas me vieram em torrentes e naquele exato instante eu senti na carne que o amor é o que há de mais esplendoroso. E eu me deixei consumir por inteiro!
Ao sair da maternidade, optei por mostrar a Theo o belíssimo álbum “Plays Duke Ellington” do pianista Thelonious Monk. Um disco muito especial para mim, porque expõe um Thelonious estranhamente delicado, quase minimalista sem suas idiossincrasias e as suas preciosas segundas menores, evidenciando uma robustez técnica de calar aqueles que enxergam nele um instrumentista limitado. Gravado nos dias 21 e 27 de julho de 1955, o álbum de estreia do Monk no selo Riverside virou um marco. Uma reverência de um mestre a outro.
Thelonious Monk - Plays Duke Ellington
“It Don’t Mean a Thing” tocava, olhei furtivamente pelo retrovisor e encontrei Theo no bebê-conforto com um semblante sereno e com o pezinho a balançar quase marcando o andamento do tema. Sorri! Contemplando o céu azul do sábado pela manhã, senti-me cheio de uma encorajadora esperança por compartilhar com meu rebento esse minuto. Foi como se o tempo tivesse parado por um momento para nos olhar e nos saudar. Uma oferenda gritante da bonança a dois indivíduos que acabavam de se conhecer e que se ligavam de modo indissociável. Que maneira fantástica de dizer “Seja bem-vindo, meu filho”!

domingo, 3 de junho de 2012

Tim...1971 - por Gilberto da Costa Carvalho

         
     Uma celebração tijucana. É assim que defino o segundo disco de Tim Maia. Podemos notar isto logo na abertura do disco com "A festa de Santo Reis", uma das melhores músicas de sua carreira. Os reizados (conhecidos aqui no Nordeste como Papangus) eram constantes na Tijuca, bairro onde Tim cresceu e viveu. A miscelânea sonora vai crescendo com - "Não quero dinheiro", sucesso absoluto que se perpetuou através do tempo. E o mais engraçado é que esta música foi composta para uma ex-namorada de um amigo pessoal. Obviamente que a canção só saiu após a referida senhora ceder ao assédio emocional de Tim. Voltamos a vertente nordestina mesclada com o soul em - "Salve nossa senhora". Procissões, romarias, o céu da Bahia e a volta de Rosinha são o tema principal da canção. Uma oração em forma de festa.
     Poucas pessoas sabem que nesta época, existia uma rusga bastante intensa entre Tim e Roberto Carlos. "O gordinho" quando voltou deportado dos EUA, ficou revoltado com o tratamento ao qual "o Rei" o submeteu. É meus caros, para que vocês saibam, foi Tim Maia que ensinou Roberto Carlos e Erasmo Carlos a tocar violão. E se o assunto for cantar, aí não se tem nem o que comparar. Ambos eram engolidos por Tim.
     Daí surgiram duas canções - "Um dia chego lá" e "Não vou ficar". Esta segunda, foi mais um motivo dos problemas com Roberto Carlos. Depois de muita insistência e um apelo da namorada, "o Rei" gravou a mesma em seu disco. Resultado - o maior sucesso do LP foi a música de Tim. Temos que ressaltar e fazer justiça. A versão de Roberto Carlos é melhor do que a versão do autor. Embora, o balanço cadenceado da versão de Tim seja bastante interessante.
"Broken heart" é uma canção curta e empolgante. Um recado eficiente:

I did it for you, darling. I did for you, my darling. But you never know. That my heart beat a little louder. Every time that you're near. My heart beat a little louder. Even broken heart and soul. Broken heart, desire.

     O lado B do disco começa com uma pedra preciosa. Durante muito tempo, eu sempre lembrava de um trecho que Os Paralamas do Sucesso tocavam num disco ao vivo. Quando ouvi a versão de Tim alguns anos depois,  pude perceber a beleza e a intensidade de "Você". Na sequência, encontramos uma das mais belas e intimistas canções da carreira de Tim Maia. Defino a canção - "Preciso aprender a ser só", como um pedido de amor. Ao mesmo tempo que afirma que precisa aprender a ser só, ele confessa que se entregou sem pensar e que a saudade faz com que os olhos chorem a falta. E que mesmo a paz tendo sido levada pela ausência, é com ela que ele quer ficar. E que morre pensando neste amor. "I don´t know what to do with myself", é uma parceria de Tim com seu amigo Hyldon. Um funk nato!
     Outra bomba sonora chega a nossos ouvidos com - "É por você que eu vivo". Esta música começa de forma romântica, com um arranjo diferenciado onde percebemos a marcação de contrabaixo de soul, flertando com as cordas. No final, uma explosão de sentimentos! A junção do pedido dolorido de Tim - "deixe seu coração longe do meu, que ele ficará partido. É por você que eu vivo" e o que o os arranjadores conseguiram fazer, é uma das coisas mais bonitas da história de Tim Maia.
     O disco é encerrado com - "Meu país". Uma declaração de que aprendeu muito na época de EUA, mas que no Brasil ele aprendeu a ver as flores e a sentir. Além desta, temos a excelente - "I don´t care". Um dos melhores "souls" gravados em terras brasileiras. Na letra, Tim afirma - "I don´t need you. I don´t have to plead you. You know my name..."

Não é tão simples assim...