quinta-feira, 30 de maio de 2013

Sabbath Bloody Sabbath - Por Fernando Lucchesi


Fundadores, pais, artífices, pioneiros, inventores. Esses são só alguns dos adjetivos quando se menciona o nome Black Sabbath junto ao termo “Heavy Metal”. Apesar da “paternidade” desse gênero musical ser altamente discutida, parece haver um relativo consenso entre público e crítica de que o Sabbath é a primeira banda a se destacar dentro das características que compõem o gênero.  

Lançada com mais de seis anos de atraso no Brasil, a biografia “Sabbath Bloody Sabbath” revela-se uma ótima leitura para quem deseja conhecer um pouco mais dessa banda crucial na história do rock. O autor, Joel McIver, conhecido por seus livros e matérias sobre rock para as principais publicações britânicas, traz um panorama bem abrangente da banda. Seguindo uma ordem cronológica, ele nos traz informações desde a infância de John Michael Osbourne, posteriormente conhecido como Ozzy e dos demais componentes da banda na industrial e monótona Birmingham do pós-guerra. Cidade bastante castigada pelos bombardeios da força aérea alemã durante a segunda guerra mundial, Birmingham pouco podia oferecer à juventude durante a década de 1950 e começo dos 1960. Isso restringiu as opções de emprego para os jovens e uma das poucas alternativas era trabalhar nas indústrias de metalurgia existentes na cidade. Além disso, a cidade ficava longe do foco de mudanças culturais que começou a se processar na década de 1960, em Londres. Desse cenário pouco promissor, surge o Earth, o embrião da banda que futuramente seria conhecida como Black Sabbath.

McIver relata com riqueza e precisão de detalhes, através de depoimentos dos membros da banda e daqueles que os acompanhavam, como se deu a produção dos primeiros discos do Sabbath e primeiras turnês que, em razão do orçamento limitado, restringiam-se à Europa. Apesar de não ter contado com depoimentos de Ozzy para a composição do livro, a autor se vale de muitos depoimentos do mesmo em diversas outras publicações e são esses depoimentos os mais divertidos do livro. Os problemas de alcoolismo enfrentados pelos membros da banda (de acordo com o livro, o único que não teve maiores problemas com o álcool foi Tony Iommi) são esmiuçados pelo autor, inclusive o caso de Bill Ward (baterista da banda) que chegou a passar mais de um ano trancado em um hotel apenas bebendo. As loucuras de Ozzy estimuladas por álcool e drogas também ganham destaque no livro, mas longe de buscar o sensacionalismo. Essas passagens são colocadas em perspectiva para que o leitor entenda o quanto a formação original da banda foi prejudicada por esses problemas, o que no fim das contas levou à ruptura da banda em 1978.   

Não se pode dizer que o autor tenha privilegiado a época mais douradora e produtiva do Sabbath(1970) em detrimento de outras épocas e formações. A Era Dio também tem o seu destaque, mas proporcional à quantidade de discos em que ele teve participação. Outro destaque do livro é como o Ozzyfest tornou-se um destaque para a cena musical americana. O autor revela os bastidores das negociações para as bandas tocarem, a influência da mulher/empresária de Ozzy e como a marca cresceu ao longo dos anos. Também não escapa ao olhar do autor o fenômeno cultural pop “The Osbournes” e como a “persona” Ozzy Osbourne passou de uma figura conhecida no meio musical para um fenômeno de escala multimídia.

Mas nem tudo na biografia é positivo. O autor faz comentários/críticas a respeito de todas (sim, de TODAS) as músicas da banda. Para o leitor que está buscando informações sobre a história da banda (como era meu caso) a leitura fica maçante com esses comentários e quebra demais a narrativa fluída que se espera de uma biografia. Outro ponto negativo (embora seja negativo dependendo do quão fã da banda você é) é o destaque dado pelo autor a as 900.000 formações do Sabbath quando o único componente da banda era Iommi. Além de ser uma época pouco relevante musicalmente, Iommi trocava de músicos praticamente todo mês e produziu bombas musicais como o intragável “Seventh Star” (disco que só leva o nome do Sabbath por imposição da gravadora, uma vez que na verdade é um trabalho solo de Iommi).

Esses pequenos percalços, no entanto, não diminuem a importância do livro que é leitura obrigatória para quem quer conhecer ou já conhece e quer se aprofundar na obra dessa banda seminal.

terça-feira, 14 de maio de 2013

A Caça - por Fernando Lucchesi





Atenção: O texto a seguir contém “Spoilers” (informações prévias sobre o enredo).


Imagine o seguinte enredo: um homem comum que trabalha em uma creche, adorado pelos pequenos alunos, é acusado por uma das crianças de abuso sexual. A diretora da escola alerta ao funcionário que fica chocado com a acusação, mas não é informado o que foi dito e por quem foi dito (a preservação da identidade é compreensível, uma vez que se trata de uma criança, mas o desconhecimento do que ele fez não se justifica).  Após a notícia ser disseminada em uma pequena cidade dinamarquesa, toda a população se volta contra este homem, sem que ao menos ele saiba do que está sendo acusado especificamente. Esse pesadelo kafkaniano é o tema do novo filme de Thomas Vinterberg, um dos fundadores do movimento Dogma 95, ao lado do seu compatriota mais conhecido, Lars Von Trier.

Vinterberg decidiu mexer em um vespeiro: abordar o tema do abuso sexual infantil. O que difere esse filme de outros que abordam a mesma temática é que a premissa do filme parte da seguinte questão: E quando a acusação é fruto de algo inventado pela criança? Que tipo de defesa o acusado pode ter? Na verdade, há defesa para um acusado desse tipo de crime ou a simples acusação já é uma sentença, dado o repúdio social que esse tipo de crime desperta?

Lucas (Mads Mikkelsen) é esse homem comum que se vê diante desse pesadelo. Vinterberg opta por descrever as consequências que surgem da acusação. A pequena cidade passa a tratá-lo como culpado, embora nem sequer ele tenha ido a julgamento. Seus amigos começam a se afastar dele, inclusive seu melhor amigo, que é o pai da criança supostamente assediada. O gerente de supermercado impede a família dele de fazer compras. Sua namorada não confia nele, dentre outras. Apoiados na acusação, os pais de outras crianças começam a questionar se Lucas teria feito algo inapropriado com eles. Subitamente, todos começam a se lembrar do “porão” da casa de Lucas, mas após as investigações realizadas pela polícia, descobre-se que não há porão na casa dele. No entanto, isso não é suficiente para que a perseguição a Lucas tenha fim. Nesse aspecto, a narrativa de Vinterberg é exitosa: Mesmo sem acreditar na culpa de Lucas, o espectador, talvez por uma razão emocional (assim como os personagens do filme), é levado constantemente a duvidar da sua inocência, pois até a parte em que se constata a inexistência do porão ele não fornece argumentos ou provas irrefutáveis da inocência ou culpa do acusado.

A grande questão proposta por Vinterberg é que esse tipo de crime, dada sua natureza, lança uma pecha de culpado na pessoa acusada, antes mesmo de maiores investigações sobre o crime. Uma frase dita no filme representa bem essa ideia: “Crianças não mentem!”, dizem vários dos personagens. O que torna a acusação mais intrigante (como aspecto narrativo do filme) é que vários dos adultos envolvidos, aí incluídos os pais da criança supostamente vitimizada, sabem que ela é conhecida por ter uma mente bastante fantasiosa. O afã de condenar o acusado passa por cima de todas as regras de investigação, tornando a perseguição e o desprezo pelo acusado uma espécie de “inquisição moderna”.

Casos como os descritos no filme são vários, inclusive dentro da realidade brasileira, temos um célebre: O caso da Escola Base em SP (não vou me aprofundar relembrando o que foi. Para quem não se lembra: 


Não é intenção de Vinterberg colocar as crianças como vilãs/acusadoras de um crime tão repulsivo. O que ele expõe é uma situação em que a investigação policial é primordial em casos como esse e que a sociedade, seja em qual lugar for, ouça primeiro antes de iniciar uma caça às bruxas contemporânea.