terça-feira, 30 de outubro de 2012

A Música da Morte - por Gilberto da Costa Carvalho



Vivendo um momento péssimo, a música brasileira começa a ficar insuportavelmente desagradável. O momento atual se divide entre a nostalgia excessiva e a pobreza em inovações!

Sou partidário de que os músicos podem e devem olhar para os clássicos do passado como fonte de inspiração. Desde que venham a criar! A palavra criação está cada vez mais escassa. Em âmbito nacional, praticamente extinta.

Ousado? Creio que sim!

Em termos musicais, quase sempre o que encontramos atualmente é insípido, inodoro e incolor.

O fato, é que esta procura por “artistas perfeitos” e “pops” está matando a música.

E assim, a arte de verdade...a música pela música...está fadada ao esquecimento.

Questiono: “O caminho pelo qual estamos seguindo é o correto? A música de fato é viva?”

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Burocracia: Destino Hollywood - por André Maranhão Santos



Acredito que alguns filmes sem pretensões aparentes podem estimular discussões importantes sobre a vida cotidiana. Assisti novamente a Agentes do Destino (Adjustment Bureau – 2011), filme exibido numa dessas TV’s por assinatura. Dirigido e adaptado para as telas por George Nolfi (um dos roteiristas de Ultimato Bourne), o Thriller se inspira no conto Adjustment Team, publicado em 1954 pelo escritor Philip K. Dick, sendo este um dos grandes representantes da literatura Science-Fiction norte-americana. Para termos noção da importância de Dick, outros filmes como O Vingador do Futuro, Minority Report e O Homem Duplo são também inspirados nos seus contos. Somado ao remake de O Vingador do Futuro (estrelado neste ano por Colin Farrell), Agentes do Destino é um dos mais recentes filmes baseados na literatura de Dick e lançado então por Hollywood.

Traçando um paralelo entre o conto de Dick e o filme Agentes do Destino, eu diria que o primeiro é bem mais consistente. Embora qualquer comparação entre um filme de 106 minutos e um conto de 15 páginas tenha lá suas complexidades (caso consideremos a relatividade do tempo e o formato distinto entre ambas as mídias), ainda sim apostaria mais na consistência do texto de Dick, tanto pela forma como ele trata os absurdos da existência humana como pelo modo que resolve (ou não) as questões do controle das instituições burocráticas sobre a vida. Os escritos de Dick não apelam para um desfecho redondo e palatável, ao contrário do romance Hollywoodiano, que ainda insiste na tônica do final feliz.

O conto Adjustment Team e o filme Adjustment Bureau (Agentes do Destino) possibilitam questões fundamentais, que tanto estão postas em comum ou em diferenciação. Assim, refletirei sobre algumas delas.

1 – A Burocracia

É preciso que numa Burocracia haja um quadro institucional de pessoas que se encontrem nas condições de cobrar, fiscalizar e até punir os descumprimentos e desajustes causados por outras. Sobre isso, o grande Max Weber debulhou a sua sociologia com esmero. Assim, quem está de fora deste aparelho repressor e controlador aparece em desvantagem. A prova é que no conto e no filme, as figuras mais centrais aparecem coibidas pela Burocracia, pois se encontram alheias ao seu corpo de funcionários. 

No conto de Dick, a figura central é a de Ed Fletcher (um simples vendedor imerso no capitalismo). Na adaptação do filme Agentes do Destino, a figura central é a de David Norris (um sujeito que cai nas graças do público nova-iorquino e que na trama perdeu o pai, a mãe e o irmão precocemente). De modo incrível, David Norris (interpretado por Matt Damon) se tornou um jovem promissor e forte candidato na corrida para o Senado. Mas o que acontece? Assim como todas as pessoas do mundo, Fletcher (no conto) e Norris (no filme) possuem suas vidas monitoradas por uma grande empresa secreta, então ocupada em planejar e controlar o destino de cada ser humano. Os seus funcionários são os agentes do destino, fiscais do funcionamento e das múltiplas ações do planeta desempenhadas pelas pessoas comuns. Os agentes do destino atuam em uma empresa fortemente hierarquizada e montada conforme a distribuição de cargos dos seus funcionários. 

Enquanto no conto de Philip K. Dick a empresa é chefiada pelo Velho (Oldman) e que ainda estabelece um diálogo com Ed Fletcher, no filme Agentes do Destino, a figura-chefe se chama O Cabeça, que nunca aparece para David Norris. Aqui, Norris parece mais próximo da figura de Joseph K. (do livro O Processo, escrito por Franz Kafka). Assim como Norris, Joseph K. não tem acesso ao líder da empresa na trama kafkiana. Norris e Joseph K. apenas são repreendidos, perseguidos, e pressionados pelos funcionários de um dispositivo burocrático. 

O fator ainda mais complicador no filme Agentes do Destino é a relação entre a Burocracia e a Religião. Nele, Deus é a Burocracia e os anjos são os agentes do destino. Deus é o Cabeça, o senhor da instituição que controla o Destino. E o filme leva esta metáfora adiante. Porém, neste ponto nos deparamos com uma tensão entre o Destino e o Acaso. 

O Destino é controlado pela Burocracia. Mas para resolver os limites do Destino e de sua eficácia, o filme considera a possibilidade do Acaso, sendo este tudo aquilo que foge ao cálculo e ao monitoramento do Destino. O suicídio, por exemplo, seria um Acaso. Aparentemente, Deus só daria a conta e a condição do Destino e não incidiria sobre o acaso. Se Deus-Burocracia não influencia sobre o suicídio, o suicídio é O Acaso e o Acaso é um ponto cego no funcionamento da Burocracia. Uma espécie de Bug.  

No filme, David Norris encontra a sua amada Elise Sellas (Emily Blunt) devido a um erro no monitoramento do seu Destino, portanto, pelo mero Acaso. Porém, esse mesmo Acaso funciona e nutre uma paixão entre David Norris e Elise Sellas. Cabe agora à Burocracia impedir essa paixão porque ela significa um problema para o funcionamento eficaz do Destino. 

2 – O Dispositivo

Por que Ed Fletcher é perseguido no conto e David Norris é no filme por funcionários da Burocracia? Porque tanto Fletcher como Norris vão contra suas regras de funcionamento e eficiência. Essas regras são a garantia de um destino programado e monitorado. E esses destinos são controlados por dispositivos. Cabe aqui uma reflexão sobre o conceito de dispositivo.

A filosofia de Giorgio Agamben é esclarecedora para isso. Se a palavra “dispositivo” pode significar um elemento jurídico (um juízo que contém a decisão separada da motivação) tecnológico (as partes e o próprio mecanismo de uso de uma máquina) e militar (conjunto de meios dispostos em conformidade com um plano) todos esses significados podem se combinar com a noção de poder. O que diz Agamben sobre esta relação? Que um dispositivo pode ser qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes.    
     
Portanto, Agamben considera como dispositivos não apenas as instituições (escolas, prisões e a própria Burocracia), mais além: a caneta, a escritura, a literatura, a filosofia, a agricultura, o cigarro, a navegação, os computadores, os telefones celulares e – por que não – a própria linguagem

Neste raciocínio, o funcionário encarregado por controlar o destino de Ed Fletcher se vale de um dispositivo no conto de Philip K. Dick, pois ele utiliza um “livro de instrução” repleto de códigos e colunas. O conteúdo desse livro traz um jogo constante diante do tempo; uma infinita rede de seções, quadros e linhas, transcritos por uma luz azul que altera constantemente as formas e os conteúdos a cada momento vivido por Fletcher. 

Na adaptação para o cinema, o livro de instrução se torna um tablet, cujo uso cabe aos funcionários da Burocracia como recurso de controle sobre o destino de David Norris. É neste ponto onde reside um paradoxo crucial levantado por Giorgio Agamben: nas sociedades que declaram a liberdade e a pluralidade na subjetivação dos seus indivíduos, simbolizada pelo uso da tecnologia (tablets, smartphones, redes sociais, câmeras, dentre outros) esses indivíduos não se tornam mais livres – pelo contrário, a nossa submissão a uma lógica de dominação e de poder continua materializada, só que agora mais acentuada sob os moldes tecnológicos desses dispositivos. A tecnologia, travestida na bandeira de uma liberdade acaba por funcionar como dispositivos de nosso próprio monitoramento!
No filme, o caráter aprisionador e repressor da Burocracia atinge não apenas os que são perseguidos, como também aqueles que perseguem. A Burocracia submete todos em sua hierarquia fragmentária, de tal modo que os seus funcionários intermediários desconhecem de onde ou quando vem a ordem, ou por que vem e quem envia a ordem. São funcionários semelhantes à figura do espancador de O Processo em Kafka, onde a função do espancador é a de espancar porque cumpre ordens vindas de algum lugar, mas sem saber onde fica este lugar ou quem o administra. 

3 – O Livre-Arbítrio

Este ponto é explorado ao longo do filme Agentes do Destino e não no conto de Philip K. Dick. Mas ele não deixa de ter a sua relevância. 

A aparente impossibilidade do amor entre David Norris e Elise Sellas se põe como um interdito diante do dispositivo da Burocracia. E se a Burocracia é o Deus, sagrado por excelência, o que resta para Norris senão profanar? 

Voltando para Agamben, o conceito de profanação advém de algumas escrituras jurídicas e religiosas, onde sagrado é tudo aquilo que pertence ao Divino, enquanto profano é tudo aquilo que pertence ao prosaico, ao livre uso dos homens. Ora, ser livre pode sugerir o livre-arbítrio numa seara mais religiosa! Ao saber do impedimento do seu romance com Elise Sellas, David Norris questiona a um agente do destino onde estaria o seu livre-arbítrio. E o agente, por sua vez, responde que Deus resolveu tirar o livre-arbítrio devido às constantes guerras empreendidas na primeira metade do século XX, sendo a crise dos mísseis entre os Estados Unidos e a União Soviética testemunhadas em Cuba, o cume do risco sobre a existência da raça humana. Deus, portanto, vetou o livre-arbítrio como fruto de um sacrifício, de um dispositivo que realiza e regula a separação entre o sagrado e o profano.

Se o sacrifício imputado sobre os seres humanos é a perda do livre-arbítrio, como então profanar senão confrontando a Burocracia contra ela mesma e usando o Deus contra o próprio Deus?
Em suas Confissões, Santo Agostinho sinalizara para os limites e paradoxos do livre-arbítrio. Disse o bispo de Tagaste:

Não podeis ser obrigado por força, seja ao que for, porque em Vós a vontade não é maior do que o poder. Porém, seria maior, se Vós mesmo fôsseis maior que Vós mesmo. Mas a vontade e o poder de Deus são o próprio Deus. Para Vós que tudo conheceis existe acaso alguma coisa imprevista?

Num plano agostiniano, talvez não haja o imprevisto para os olhos de Deus, pois mesmo nas condições em que o Destino se sobrepõe ao Acaso, a nossa vontade de viver, de transformar e de resistir ao que está imposto, controlado e até legislado num mundo conservador pode atuar como fruto de uma vontade do próprio Deus, então oculta nas suas próprias leis. Eis aqui outro paradoxo! E creio que Agamben o explicite de modo mais profundo:

Não só há religião sem separação, mas toda separação contém ou conserva em si um núcleo genuinamente religioso (...). aquilo que foi ritualmente separado pode ser restituído pelo rito à esfera profana. A profanação é o contradispositivo que restitui ao uso comum aquilo que o sacrifício tinha separado e dividido.

No filme, o contradispositivo é o direito ao livre-arbítrio buscado por David Norris e materializado na sua vontade em partilhar o seu amor com Elise Sellas – não importa se o possa ou não diante dos olhos da Burocracia e do próprio Deus. E, afinal, é Deus quem parece ouvir e reconsiderar tal vontade de Norris, ao consentir o amor entre ambos e ao refazer o  lugar do seu sagrado.

À luz de uma discussão como esta, só me resta afirmar que é preciso profanar, pois diante de tantos tempos vividos, aquilo que nos parece sagrado pode ser, pelo contrário, por demais conservador. E isso também se aplica à ideia de Deus e de Mundo!

domingo, 21 de outubro de 2012

Plumas, pôneis, paetês e o rock and roll dos Titãs - por Gilberto da Costa Carvalho



 Noite de sábado e show do Titãs tocando o clássico disco - "Cabeça de Dinossauro", no Baile Perfumado. Obviamente, que este lance de tocar coisas antigas já está se tornando altamente manjado. E me questiono: "De fato é um resgate musical, ou seria uma tentativa de se livrar da falência?"
     Chegando por lá, fomos recebidos por uma imensa confusão causada por três seguranças da casa, com dois "supostos" cambistas. Um quebra-pau sem tamanho logo na entrada do Baile. Passada a baixaria inicial, adentramos no recinto. De cara, percebi que as condições seriam bastante diferentes do dia que assisti ao show de Zeca Baleiro. O local já estava tomado de gente...muita gente meus caros. Logo fui procurar um local onde pudesse assistir ao show com pelo menos o mínimo de qualidade. Munido da única cerveja da noite, achamos o local e ficamos no aguardo. Algo já me apavorava de forma alarmante - o calor! Diferentemente do show do Baleiro, o vento mudou de direção e o que era agradável tornou-se uma sauna humana.
    O show começou de forma estranha. Sim, "estranha" é a palavra correta para descrever o que ocorreu. Com toda justiça à banda e a equipe, tenho que ressaltar que tudo estava perfeito! Som extramemente bem equalizado e a banda muito afiada nas execuções dos clássicos 80´s. O que causou uma certa "surpresa", foi que o público que superlotava o espaço, mal conseguia vibrar e parecia muito mais assustado com a porrada que vem logo de cara com a música que dá nome ao disco. Sim, recordo que minha amiga Thaís olhou pra mim, por volta da terceira música e disse - "Tás achando o povo meio por fora não?" E não tinha como ser diferente. Notava-se claramente, que pelo menos 70% das pessoas que pagaram para ver o show, foram muito mais esperando que o Titãs tocasse os "clássicos" da sua fase de "músicas de auto-ajuda". Canções que fariam parte de qualquer livro de Lair Ribeiro sem muito esforço.


Segue a detestável "Enquanto houver sol" -



     O negócio foi tão gritante em relação ao público, que eu e os amigos que assistíamos juntos o show, vibrávamos justamente com as músicas que a grande maioria ia comprar cerveja. Vale ressaltar que as versões foram matadoras na sua grande maioria. "A verdadeira Mary Poppins" foi um espetáculo à parte de intensidade. E, de forma contrária os pôneis com suas camisas com cavalos e números imensos só faltavam ter orgasmos compulsivos naquelas únicas que sabiam cantar. E as dondocas cheias de lantejoulas, plumas e paetês de cima a baixo fizeram um verdadeiro Recifolia ao escutar "Sonífera Ilha, decansa meus olhos, sossega minha boca, me enche de luz..."
     Há de se ressaltar também, algo que sempre ocorre aqui em Recife em todos os locais de shows. A super-lotação, ou melhor, o "SUPER-FATURAMENTO". O espaço "Baile Perfumado" é um local muito legal para realização de shows, isto é fato! Faltava há algum tempo na nossa cidade um recinto que fosse mais central e que abrisse as portas para espetáculos de âmbito mais alternativo e que mescle estilos sem se preocupar com "styles", "emos", "fofinhos", "rockers", "samba" e etc...
Isto é extremamente importante para a vida cultural da cidade. Afinal, tristes daqueles que se prendem musicalmente a uma única perspectiva ou local. No entanto, os donos precisam ter bom senso na hora da venda de ingressos. Principalmente, com relação ao número de ingressos colocavos à venda. A noite de ontem foi inesquecível pela super-lotação, pela cerveja quente e, principalmente, pelo calor senegalês que estava  dentro do espaço. Recordo que comentei com Thais, que eu não suava daquele modo desde as primeiras "Noites Cubanas" do Eufrásio Barbosa em Olinda (que é um local que nos faz crer que existe subsolo no inferno).
     Com relação aos Titãs, nota-se uma melhora com a diminuição de membros na banda. Pelo menos foi esta a impressão que me causou. Era "cacique demais para pouco índio", diz o dito popular. Como citei acima, o show foi bom! A banda foi muito profissional e estava muito bem preparada para a apresentação. Mas, é notório que o tempo passou meus caros! Os Titãs ficaram muito vinculados a "nova fase" desde o Acústico MTV (que é até um bom disco, mas que que causou uma mudança drástica e, na minha opinião, catastrófica para a banda). Não os vejo mais com o lado "rocker" aflorado. Foi tudo cena para um espetáculo "saudosista" para minorias. Rocker que no meio de uma música diz - "Agora quero ver o coral", tá mais sertanejo do que qualquer outra coisa. Esse lance de colocar a "mãozinha pra cima" é muito mais axé do que qualquer outra coisa. E presenciei isto ontem! Um misto de silêncios sepulcrais e êxtase com apenas as músicas que fizeram parte do Acústico.
     No mais, o recado que gostaria de passar aos Titãs, foram eles mesmos que fizeram:

"Que não é o que não pode ser que, não é o que não pode,
Ser que não é
O que não pode ser que não
É o que não
Pode ser
Que não
É"

     Faz 15 anos que vocês deixaram de ser que o que foram! Compreendem?

Observação 1 - Tenho que ressaltar que fiquei muito frustrado por eles não terem tocado "Será que é disso que eu necessito?". Que é a minha preferida.

Observação 2 - Novamente, pessoas com celulares roubados no show. Uma amiga minha foi vítima desta vez. Meninas, cuidado com vossas bolsas, porque o incidente foi dentro do show.


Quando o Titãs era uma banda de respeito -


     



sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Villa-Lobos: Sinfonias n.º 6 e n.º7 - por Bruno Vitorino

Heitor Villa-Lobos

"Has come? Had come, rather; was there all along…” – Leonard Bernstein


Parafraseando Leonard Bernstein, pode-se dizer que o tempo de Villa-Lobos chegou! Por um longo período, o compositor fora sobrepujado pela exuberância nacionalista de suas Bachianas Brasileiras, o que inequivocamente sombreou a grandiosidade quantitativa e qualitativa de seus demais escritos. São aproximadamente 1.000 títulos que abarcam do poema sinfônico à música de câmara. Contudo, o trabalho de revisão musicológica promovido pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) por meio de sua editora “Criadores do Brasil” traz à luz da execução o lado oculto do compositor. Assim, de modo semelhante ao que aconteceu com Gustav Mahler nos anos 1960, Heitor Villa-Lobos é enfim revisitado e redescoberto.

Acaba de ser lançado pelo selo Naxos, o primeiro volume do projeto de gravação das 11 sinfonias (deveriam ser 12, mas a 5ª se perdeu) do compositor brasileiro pela OSESP sob a direção do maestro Isaac Karabtchevsky. Esse disco traz um registro primoroso das Sinfonias n.º 6 e n.º7 que representam o amadurecimento do Villa em sua busca por um discurso musical sinfônico efetivamente brasileiro para além das peculiaridades folclóricas e do exotismo tropical. Mais ainda: essas obras evidenciam a preocupação do autor em romper com o impulso meramente estético para delinear uma afirmação política na sua construção da “alma brasileira”.

 “Sobre as Linhas das Montanhas” fora o título dado à Sinfonia n.º6 por se basear nos contornos do Pão de Açúcar, do Corcovado e da Serra dos Órgãos no Rio de Janeiro. Para tanto, Villa-Lobos utilizou uma ferramenta pedagógica que desenvolvera para o ensino de crianças: a Milimetrização, isto é, o uso de papel quadriculado sobre uma fotografia a fim de perscrutar, através de gráficos, as melodias. Logo no início, o ouvinte percebe o quão escarpado é o relevo! O Allegro non troppo despeja uma torrente de melodias angulosas que se movem impetuosas sobre um terreno harmônico cromático e tenso para descambar num Lento reflexivo de densa tessitura. O breve terceiro movimento retoma a fúria inicial com harmonizações imaginativas e um vigor rítmico notável, expondo as marcas deixadas por Stravinsky no compositor anos atrás. Já o quarto e último movimento – Allegro – segue a trilha de seu predecessor, explorando, contudo, uma riqueza temática estonteante.

O disco prossegue e a opulência revela seu significado absoluto: Sinfonia n.º 7. Composta em 1945 visando ao concurso de composição realizado pela Orquestra Sinfônica de Detroit, o autor utilizou uma ampla formação orquestral com naipes duplicados e até triplicados, além de um imenso set de percussão. Equilibrando uma massa sonora descomunal e uma sofisticada trama de fluxo contínuo, o compositor escreveu uma de suas mais audaciosas peças. Do Allegro vivace com seus pesados acordes aumentados, variações rítmicas irrefreáveis e padrões melódicos simétricos, passando pela calmaria contemplativa do Lento e pela inesgotável inventividade melódica do Scherzo até chegar à luxúria contrapontística do Allegro preciso; o ouvinte se depara com uma construção narrativa bastante elaborada e singular que revela seus pormenores a cada audição.

Em seu anseio por criar uma linguagem totalmente brasileira, Heitor Villa-Lobos conseguiu unificar em sua música os múltiplos aspectos intimamente associados que deram corpo à ideia de identidade nacional. Por essa razão, é muito importante que uma orquestra brasileira, portanto ligada às tradições e raízes culturais do país, se lance a um projeto dessa magnitude e desentranhe da obscuridade as obras do mais sólido alicerce da música erudita nacional, enaltecendo sua importância histórico-musicológica. Afinal, seu tempo urge, não pelo “hoje”, nem pelo “ontem”; mas, pelo “sempre”!