quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Impressões sobre “O Som ao Redor” - por Bruno Vitorino



O som do progresso é a Makita! Essa miraculosa ferramenta da construção civil que corta pedras com uma precisão cirúrgica emite seu grito estridente por todo o Recife. Típica das grandes cidades que vivenciam o paradoxo do crescimento econômico atrelado ao subdesenvolvimento urbano, seu canto esquizofrênico envolve a nós, ouvintes compulsórios, num recital de agonias. Sem perceber, somos aos poucos enredados numa trama de agressividade que nos vai enlouquecendo paulatinamente até chegarmos ao colapso. O ruído urbano enquanto trilha sonora cotidiana é o mote que propulsiona “O Som ao Redor”, o brilhante longa-metragem do cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho.

Não é um filme convencional de fluxo linear que articula tensão (desafio) e relaxamento (final feliz) com protagonistas em busca de um objetivo. Trata-se de uma película de narrativa fragmentada, dura e seca, sem direcionamento claro da história contada, cujos personagens “tocam a bola pra frente” sem muitas pretensões. Interessado em sobrepor as reminiscências da casa grande, o boom imobiliário e a paranoia nossa de cada dia, Kleber Mendonça retrata com muita acidez e clara desilusão o habitat da classe média recifense: carro do ano, apartamento com duas garagens, babás e empregadas, escapismo, ausência de utopias, violência urbana, estratificação social. Uma observação paciente e minuciosa de um microuniverso intrincado. Não há catarse.

Devo confessar que o filme me marcou profundamente não por ser uma radiografia impiedosa de um Recife aristocrático e cada vez mais embrutecido, mas por eu ter me visto nos personagens e nas situações em que eles se encontravam. Como não sentir a claustrofobia da verticalização que nos aprisiona e nos cerceia o convívio humano? Como manter a sanidade mental diante de uma realidade tão implacável que destitui a essência humana que nos caracteriza, reduzindo-nos a corpos que desempenham meros papéis sociais historicamente delimitados? A angústia da dona de casa dilacerada pela rotina e atormentada pelo cachorro do vizinho é tão nossa que o riso nervoso do reconhecimento nos escapa. “O Som ao Redor” é um espelho colocado diante de nossos olhos para que nos posicionemos. Daí o filme ser tão impactante e incômodo.

Contudo, apesar de toda familiaridade que o longa estabelece com o espectador, o que se passa na tela não é um recorte cru de uma realidade conhecida. Ao contrário. O cenário concebido por Kleber Mendonça é, na verdade, um ponto de vista e os personagens do enredo são manifestações do próprio diretor, o que fica evidente de modo emblemático em Sofia. Ela não consegue se enquadrar no modelo social proposto e não compreende os descaminhos os quais transformaram a rua em que um dia morara naquele emaranhado de insanidade. Com sua esmaecida curiosidade, Sofia – “sapiência” em grego – busca em vão as respostas. Elas não existem. É um caminho sem volta. Não há paz de espírito, porque já não existe alma. O que lhe resta? Sucumbir ou ir embora!

Ultimamente tenho pensado bastante sobre o Recife e em como transformá-lo num lugar melhor de se viver. Temo que a vida encapsulada que levamos nos conduza ao labirinto da falta de convívio e à perda da memória afetiva com a cidade. Que terminemos num admirável mundo novo de arranha-céus, relacionamentos virtuais, paraísos de consumo herméticos e entretenimento fácil. Por isso, vejo “O Som ao Redor” como um olhar necessário. Pessimista, fatalista, triste, é verdade; porém preciso, pois não há reflexão no entorpecimento. É um filme, não para ser visto, mas para ser sentido. Em uma palavra: indispensável!

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Metallica - A Biografia - por Fernando Lucchesi


Confesso: Nunca fui um grande fã do Metallica. Gostava de muitas músicas do álbum preto, algumas poucas da fase Load/Reload e mais uma música ou outra. Sempre tive preconceito com a fase considerada mais pesada do Metallica, ainda mais pelo termo “Trash”, cuja simples menção já me provoca reações alérgicas. Mas todo esse preconceito foi derrubado depois de ler Metallica: A biografia, de autoria do jornalista inglês Mick Wall, responsável por outra excelente biografia de banda “Quando os gigantes caminhavam sobre a Terra”, sobre a carreira do Led Zeppelin.
O livro, de certa forma, corrobora o que já tinha sido visto antes no documentário “Some kind of monster”, mas obviamente vai mais além, pois resgata memórias do início do Metallica, antes mesmo de Cliff Burton se juntar à banda. No livro, é possível compreender como um jovem tenista europeu frustrado com a carreira (sim, Lars Ulrich, na sua adolescência, tentou se profissionalizar como tenista) e um jovem retraído, que teve uma educação religiosa rígida, conseguiram se juntar e formar os alicerces do gênero que seria conhecido como Trash Metal.
Apesar de o autor conhecer os integrantes da banda e ter uma certa proximidade com Lars Ulrich, não há condescendência do autor para com nenhum dos integrantes. Vários temas espinhosos são tratados, inclusive um que muitos poucos se aventuram a falar, que é a saída da banda de Ulrich, orquestrada por Burton-Hetfield, pois os dois acreditavam que o baterista estava estagnado tecnicamente. A saída nunca chegou a se concretizar, pois alguns dias depois Burton viria a falecer. Não há como negar que o livro está concentrado nas figuras fundadoras da banda (Hetfield/Ulrich), mas isso não impede de termos passagens bastante extensas dos outros integrantes, principalmente de Cliff Burton, pois foi ele quem deu um direcionamento musical para a banda. Os fatores que levaram à sua morte são minuciosamente analisados e a tragédia chegou a pôr em cheque a continuidade da banda.
Outro aspecto bastante relevante é a guinada dada pela banda com o “Álbum preto”. Os fãs mais fervorosos do estilo rápido e agressivo da banda ficaram espantados, negativamente, quando do lançamento do disco. O produtor Bob Rock, conseguiu extrair da banda a sonoridade que ela queria: um som mais desacelerado, mas que não deixava o peso de lado. As vendas do disco catapultaram o Metallica ao posto de maior banda de Heavy Metal, a ponto de competirem em termos de vendagem com fenômenos pop, como Madonna e Michael Jackson, mas também deu munição para os detratores da banda acusá-los de se “venderem ao sistema”. O único assunto que visivelmente irrita os integrantes da banda, principalmente Ulrich, é a batalha judicial movida pela banda contra o Napster. À época, a banda tinha plena convicção do que estava fazendo, mas o tempo mostrou que ela estava equivocada e isso provocou uma reação violenta dos próprios fãs da banda.
Por fim, mesmo que você não goste da banda, ou como eu, que tinha preconceito com o som inicial da banda, esqueça e aproveite essa excelente biografia.