Atenção: O texto a seguir contém “Spoilers” (informações prévias sobre o enredo).
Imagine o seguinte
enredo: um homem comum que trabalha em uma creche, adorado pelos pequenos
alunos, é acusado por uma das crianças de abuso sexual. A diretora da escola
alerta ao funcionário que fica chocado com a acusação, mas não é informado o
que foi dito e por quem foi dito (a preservação da identidade é compreensível,
uma vez que se trata de uma criança, mas o desconhecimento do que ele fez não
se justifica). Após a notícia ser
disseminada em uma pequena cidade dinamarquesa, toda a população se volta
contra este homem, sem que ao menos ele saiba do que está sendo acusado
especificamente. Esse pesadelo kafkaniano é o tema do novo filme de Thomas
Vinterberg, um dos fundadores do movimento Dogma 95,
ao lado do seu compatriota mais conhecido, Lars Von Trier.
Vinterberg decidiu mexer em um
vespeiro: abordar o tema do abuso sexual infantil. O que difere esse filme de
outros que abordam a mesma temática é que a premissa do filme parte da seguinte
questão: E quando a acusação é fruto de algo inventado pela criança? Que tipo
de defesa o acusado pode ter? Na verdade, há defesa para um acusado desse tipo
de crime ou a simples acusação já é uma sentença, dado o repúdio social que
esse tipo de crime desperta?
Lucas (Mads Mikkelsen) é esse homem
comum que se vê diante desse pesadelo. Vinterberg opta por descrever as consequências
que surgem da acusação. A pequena cidade passa a tratá-lo como culpado, embora
nem sequer ele tenha ido a julgamento. Seus amigos começam a se afastar dele,
inclusive seu melhor amigo, que é o pai da criança supostamente assediada. O
gerente de supermercado impede a família dele de fazer compras. Sua namorada não
confia nele, dentre outras. Apoiados na acusação, os pais de outras crianças
começam a questionar se Lucas teria feito algo inapropriado com eles.
Subitamente, todos começam a se lembrar do “porão” da casa de Lucas, mas após
as investigações realizadas pela polícia, descobre-se que não há porão na casa
dele. No entanto, isso não é suficiente para que a perseguição a Lucas tenha
fim. Nesse aspecto, a narrativa de Vinterberg é exitosa: Mesmo sem acreditar na
culpa de Lucas, o espectador, talvez por uma razão emocional (assim como os
personagens do filme), é levado constantemente a duvidar da sua inocência, pois
até a parte em que se constata a inexistência do porão ele não fornece
argumentos ou provas irrefutáveis da inocência ou culpa do acusado.
A grande questão proposta por
Vinterberg é que esse tipo de crime, dada sua natureza, lança uma pecha de
culpado na pessoa acusada, antes mesmo de maiores investigações sobre o crime.
Uma frase dita no filme representa bem essa ideia: “Crianças não mentem!”,
dizem vários dos personagens. O que torna a acusação mais intrigante (como
aspecto narrativo do filme) é que vários dos adultos envolvidos, aí incluídos
os pais da criança supostamente vitimizada, sabem que ela é conhecida por ter
uma mente bastante fantasiosa. O afã de condenar o acusado passa por cima de
todas as regras de investigação, tornando a perseguição e o desprezo pelo
acusado uma espécie de “inquisição moderna”.
Casos como os descritos no filme são
vários, inclusive dentro da realidade brasileira, temos um célebre: O caso da
Escola Base em SP (não vou me aprofundar relembrando o que foi. Para quem não
se lembra:
Não é intenção de Vinterberg colocar
as crianças como vilãs/acusadoras de um crime tão repulsivo. O que ele expõe é
uma situação em que a investigação policial é primordial em casos como esse e
que a sociedade, seja em qual lugar for, ouça primeiro antes de iniciar uma
caça às bruxas contemporânea.
Assunto muito delicado!
ResponderExcluirValeu a dica de filme Fernandão.