terça-feira, 14 de maio de 2013

A Caça - por Fernando Lucchesi





Atenção: O texto a seguir contém “Spoilers” (informações prévias sobre o enredo).


Imagine o seguinte enredo: um homem comum que trabalha em uma creche, adorado pelos pequenos alunos, é acusado por uma das crianças de abuso sexual. A diretora da escola alerta ao funcionário que fica chocado com a acusação, mas não é informado o que foi dito e por quem foi dito (a preservação da identidade é compreensível, uma vez que se trata de uma criança, mas o desconhecimento do que ele fez não se justifica).  Após a notícia ser disseminada em uma pequena cidade dinamarquesa, toda a população se volta contra este homem, sem que ao menos ele saiba do que está sendo acusado especificamente. Esse pesadelo kafkaniano é o tema do novo filme de Thomas Vinterberg, um dos fundadores do movimento Dogma 95, ao lado do seu compatriota mais conhecido, Lars Von Trier.

Vinterberg decidiu mexer em um vespeiro: abordar o tema do abuso sexual infantil. O que difere esse filme de outros que abordam a mesma temática é que a premissa do filme parte da seguinte questão: E quando a acusação é fruto de algo inventado pela criança? Que tipo de defesa o acusado pode ter? Na verdade, há defesa para um acusado desse tipo de crime ou a simples acusação já é uma sentença, dado o repúdio social que esse tipo de crime desperta?

Lucas (Mads Mikkelsen) é esse homem comum que se vê diante desse pesadelo. Vinterberg opta por descrever as consequências que surgem da acusação. A pequena cidade passa a tratá-lo como culpado, embora nem sequer ele tenha ido a julgamento. Seus amigos começam a se afastar dele, inclusive seu melhor amigo, que é o pai da criança supostamente assediada. O gerente de supermercado impede a família dele de fazer compras. Sua namorada não confia nele, dentre outras. Apoiados na acusação, os pais de outras crianças começam a questionar se Lucas teria feito algo inapropriado com eles. Subitamente, todos começam a se lembrar do “porão” da casa de Lucas, mas após as investigações realizadas pela polícia, descobre-se que não há porão na casa dele. No entanto, isso não é suficiente para que a perseguição a Lucas tenha fim. Nesse aspecto, a narrativa de Vinterberg é exitosa: Mesmo sem acreditar na culpa de Lucas, o espectador, talvez por uma razão emocional (assim como os personagens do filme), é levado constantemente a duvidar da sua inocência, pois até a parte em que se constata a inexistência do porão ele não fornece argumentos ou provas irrefutáveis da inocência ou culpa do acusado.

A grande questão proposta por Vinterberg é que esse tipo de crime, dada sua natureza, lança uma pecha de culpado na pessoa acusada, antes mesmo de maiores investigações sobre o crime. Uma frase dita no filme representa bem essa ideia: “Crianças não mentem!”, dizem vários dos personagens. O que torna a acusação mais intrigante (como aspecto narrativo do filme) é que vários dos adultos envolvidos, aí incluídos os pais da criança supostamente vitimizada, sabem que ela é conhecida por ter uma mente bastante fantasiosa. O afã de condenar o acusado passa por cima de todas as regras de investigação, tornando a perseguição e o desprezo pelo acusado uma espécie de “inquisição moderna”.

Casos como os descritos no filme são vários, inclusive dentro da realidade brasileira, temos um célebre: O caso da Escola Base em SP (não vou me aprofundar relembrando o que foi. Para quem não se lembra: 


Não é intenção de Vinterberg colocar as crianças como vilãs/acusadoras de um crime tão repulsivo. O que ele expõe é uma situação em que a investigação policial é primordial em casos como esse e que a sociedade, seja em qual lugar for, ouça primeiro antes de iniciar uma caça às bruxas contemporânea.

Um comentário:

  1. Assunto muito delicado!

    Valeu a dica de filme Fernandão.

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