terça-feira, 24 de abril de 2018

Superman: Entre a Foice e o Martelo - por André Maranhão



Cartaz soviético sobre igualdade entre os povos e Capa da Edição de Superman – Red Son, lançada nos Estados Unidos.


Na semana passada, o Superman completou 80 anos de sua primeira publicação em Action Comics, quando iniciava sua jornada até tornar-se figura carimbada nos mundos da arte. Nas HQs, no cinema, com o memorável Christopher Reeve (quem nos fez acreditar que “o homem pode voar”), nos ímãs de geladeira, nas capas dos cadernos escolares, no vestuário encontrado em lojas de departamento, bem como nas fantasias das prévias carnavalescas, é certo que o Superman se confunde com a Indústria Cultural, como diriam os mais intensos dos frankfurtianos.

Em 2003, Tom de Santo afirmou: “Com todo respeito ao Mickey Mouse, talvez não exista nenhum ícone americano maior do que o Homem de Aço”. Ainda que o Superman não seja necessariamente o ícone mais difundido, é de longe um dos símbolos que imprime maior imponência pela cultura dos Estados Unidos. Mesmo submetido tantas vezes à vulgarização, capaz de beirar à própria cafonice, convenhamos que, em sua melhor forma, o Superman é um baita de um produto!

Como homenagem ao Homem de Aço, chamo atenção para Superman – Entre a Foice e o Martelo –, uma das HQs mais importantes já publicadas sobre o super-herói. Em termos bem diretos, pode-se dizer que é uma história de fácil aquisição, de fácil leitura e de fácil acesso na internet.

Apresentada originalmente em 2003 sob o título Superman – Red Son, a série causou um verdadeiro frisson entre seus fãs. O trabalho escrito pelo roteirista Mark Millar (autor de outros sucessos como Chrononautas, e do clássico Guerra Civil –, cuja adaptação para o cinema não passa nem pela sombra da espetacular HQ da Marvel) até hoje figura entre a maioria das listas envolvendo o Homem de Aço, aliás, aqui, o “Camarada de Aço”, um oportuno trocadilho utilizado entre a alcunha do Superman e o apelido de Stálin, que, em russo, também remete ao termo “aço”.

Tem-se afirmado que, nos dias atuais, muitas polarizações vertem o ódio à democracia e a supressão do direito ao dissenso e dos meios mais civilizados de diálogo. Diante dessas questões, eu diria que a leitura de Superman – Entre a Foice e o Martelo, é um exercício proveitoso, sobretudo pelas narrativas contidas na HQ servirem de fértil contribuição ante o perigo das visões mais monolíticas veiculadas a todo tempo nas redes sociais.

No seu trabalho em Guerra Civil, Mark Millar trouxe com habilidade a discussão entre o público e o privado, direitos individuais e coletivos, o capital e a intervenção do governo dos EUA na liberdade dos heróis, a ponto de produzir um caldo para fóruns e reavivar a pauta clássica da desobediência civil, no seu sentido mais Henry David Thoreau do termo.

Por seu turno, em Superman, Millar traçou mais uma jogada de mestre em uma abordagem no mínimo “fora da curva”. Comecemos pela questão central que orienta a série: E se o cometa tivesse caído em uma fazenda coletiva da União Soviética, em vez de cair na cidade de Smallville, situada no interior do Kansas? Ora, o Superman seria soviético!


Ao mesmo tempo, o Superman poderia garantir a estabilidade do Pacto de Varsóvia em um mundo alinhado com o modelo comunista? A tarefa se mostra muito complexa ao longo da HQ, haja vista a dissidência dos Estados Unidos e suas orientações mais liberais, somadas aos recursos do Governo para garantir a atividade de Lex Luthor, este aparecendo na história como o grande cientista que procura mecanismos e artifícios para neutralizar o poderio do Superman.


Além do surpreendente antagonismo do governo norte-americano, o Superman precisa lidar com as incoerências que paulatinamente observa dentro do próprio governo da URSS, ao perceber que o regime não é tão perfeito quanto pensara. Some-se tudo isso à rebeldia do Batman, na história surgindo como um contraponto e um insurgente que combate um conjunto de desmando na Cortina de Ferro e que, se torna algo mais do que um personagem, entenda-se uma “ideia” que passa a ganhar asseclas à medida que a história se desenvolve.


O Superman também precisa lidar com as delicadas relações envolvendo a Mulher Maravilha, ora marcadas pela afetividade, ora pela inanição potencial da própria amazona.


Como diria Lênin: “O Que Fazer?”.

É aqui onde a história imprime uma de suas maiores lições: é preciso não apenas interagir, como proteger a quem nos permite o contraditório. Com essa motivação, o Superman encontra um novo frescor para suas missões, para agir em prol de todos e para se livrar da autossuficiência e compreender que as suas convicções não são superiores às convicções das pessoas que encarnam o heroísmo cotidiano sob outros pontos de vista.

Certa vez, John Dewey respondeu a Trótski que o ideal revolucionário peca por se lançar como um fim último, na medida em que os fins humanos são imanentes e, portanto, não são absolutos. Diferentemente, Dewey acreditava que o socialismo e o liberalismo não eram completamente antípodas, mas que poderiam estabelecer “certo namoro”, onde um mundo mais solidário e igualitário pudesse ser reconhecido, tal qual um traço e um próprio desdobramento da sociedade, acima de tudo, liberal.

Concordemos ou não com a premissa de Dewey, algo parece minimamente correto: em um mundo de ódio, como o que se tem visto cada vez mais, colocar ideias diferentes para um flerte até que cairia bem, em vez de apenas apartá-las como se estivéssemos em uma Guerra Fria...

Nenhum comentário:

Postar um comentário