Na edição deste mês da coluna, os
editores do blog comentam o mais novo trabalho da banda pernambucana Nação
Zumbi.
- André Maranhão:
Embora
Cicatriz apareça como o single de Nação Zumbi, outras faixas são mais destacáveis no álbum. Em Bala Perdida, NZ consegue imprimir uma
melodia marcante para se referir a um tema pouco convencional: uma bala
perdida. Claro que outros rappers e os Paralamas do Sucesso (em Calibre) já o fizeram. Mas o gesto de NZ
é fundamental para reforçar algo importante na canção brasileira; converter o
violento em poético. Na faixa O Que Te
Faz Rir, a grande virada está em 1’50’’, com a entrada da simples estrofe “O que te faz rir pode te fazer chorar / O
que te faz rir não vai me fazer chorar”; enriquecida pela boa conversão da
guitarra e com a entrada lânguida das backing vocals e da percussão – somas que
imprimem um balanço gostoso à canção.
Na
faixa Defeito Perfeito, o tema
principal abordado é atualíssimo. Numa época de proliferação das redes sociais e
das manipulações de imagens, dos selfies e do pastiche, o ineditismo parece
cada vez mais complicado. Mas na contramão do simétrico, perfeito e
irretocável; a canção enfatiza num discurso claro e direto: “De perto a cor é
outra / Se sente o cheiro o defeito aparece / É bem diferente / Nada é como se
espera / Nada não / Eu lhe quero assim / Desse jeito”. Isto parece reivindicar
a beleza ao que parece erroneamente imperfeito.
A
presença de Marisa Monte entrega mais lirismo à faixa A Melhor Hora da Praia, e em Um
Sonho, a presença do violão de aço e de uma guitarra marcada por drives
mais leves e sweep picks, se aliam ao banjo acentuado no final da faixa e às
alfaias sutilmente marcadas. No entanto, o retorno à fórmula que consagrou NZ
surge, de fato, em Foi de Amor e Em Pegando Fogo. As alfaias mais fortes
somam-se à bateria agressiva e à distorção ainda mais intensa na guitarra,
produzindo duas das melhores faixas do álbum. Por sinal, meu destaque vai para
Lúcio Maia, pois o guitarrista se estabelece como um músico coerente,
alternando os recursos do seu instrumento, não apenas entre uma faixa e outra,
mas dentro de uma mesma canção. Estes ingredientes pesam consideravelmente,
pois não fosse tal fórmula, uma passagem como “Vem que ardente / Mais que
urgente, tremulante / Toda dançante, atiçando a todo instante / E a cena
ficando quente” poderia calhar muito bem num repertório de Cláudio Zoli, e não
de Nação Zumbi!
- Fernando Lucchesi:
É
difícil para qualquer banda, depois de um longo tempo junta, manter um certo
padrão de qualidade nos seus discos. Algumas bandas arriscam uma mudança
radical no som para sair da rotina. Outras seguem a mesma fórmula infinitamente
sem se preocupar se estão sendo derivativas. Nesse caso, o importante é
manter-se em evidência. A mudança ou não de sonoridade, só o tempo (e o
público) poderá dizer se foi acertada. A Nação Zumbi parece ter escolhido a
segunda alternativa. E não hesito em dizer que a escolha foi acertada. Mas
calma! Não vá ouvir o disco procurando
um novo Da lama ao Caos! A banda não
repete exatamente o que fez nos discos com Chico Science. Se você quer tomar
como referência algum disco da banda pegue o
Nação Zumbi de 2002. Desde esse disco a banda deu uma guinada mais intensa
para letras psicodélicas, melodias mais instigantes e um peso maior para a
guitarra misturada às diversas influências da banda. Pois, o Nação Zumbi de 2014 vai nessa mesma
direção. Não à toa, o título é o mesmo.
O
disco se divide em dois tipos de canções: aquelas com uma guitarra pesada e
desenfreada (estas estão mais propensas a entrar em repertórios de futuros
shows) e aquelas mais calmas e elaboradas (estas, apesar da beleza melódica,
serão pouco ouvidas em shows, pois quem já viu a banda ao vivo sabe que poucas
partes do show são cadenciadas). No primeiro grupo estão a faixa de abertura, Cicatriz, com um riff de guitarra que poderia ser tocado por qualquer banda de
brega, Bala Perdida, Foi de Amor (a melhor faixa do disco), Cuidado e Pegando Fogo. De outro lado canções como Novas Auroras (possivelmente a melhor delas, com um riff excelente), A Melhor Hora da Praia, Defeito
Perfeito (esta com uma levada meio reggae), Um Sonho e Nunca te Vi. Arrisco dizer que esse é o melhor disco da
Nação Zumbi desde o de 2002 e que várias canções entrarão no repertório de
shows da banda.
- Giba Carvalho:
Resumiria
o disco novo da Nação Zumbi como pouco ousado, mas eficiente. Obviamente que as
características básicas do grupo não foram esquecidas, no entanto, uma “certa”
veia Pop aparece com mais frequência durante o trabalho. Por exemplo: Cicatriz, música que abre o disco, é uma
balada que para mim soou com fortes influências melódicas da Jovem Guarda. Isto
não é nada comum na trajetória dos músicos pernambucanos.
Não
sei ao certo que tipo de influências os caras devem ter tido na hora de compor
o disco, mas a falta de vigor no trabalho e a mostra um lado mais “alegre”,
mostra que o “meio” consegue mudar até quem não precisaria. Particularmente,
prefiro quando a Nação Zumbi mostra força e peso em suas composições.
Estaria
sendo hipócrita afirmando que é um disco ruim. Mas, justamente pelo momento
tenebroso que vive o rock n´roll nacional, penso que uma viagem ao início seria
mais interessante do que “colorir” a vigorosa personalidade combativa da banda
de outras épocas.
Sem
sombra de dúvidas, indico a atenção dos ouvintes para a tríade que encerra o
disco – Foi de Amor, Cuidado e Pegando Fogo. O resto me parece mais uma mistura dos projetos
paralelos que os membros do grupo participaram neste hiato de sete longos anos.
- Bruno Vitorino:
Após uma espera de sete anos, alardeado por toda imprensa nacional, e
posto no altar das mais sacras relíquias pelos jornais deste vilarejo chamado
Recife; eis que me chega aos ouvidos o mais novo trabalho da Nação Zumbi. Devo
confessar que partilhei com meu conterrâneo certa ansiedade por ouvir o disco
que viria na sequência do ótimo Fome de
Tudo, de 2007. Ainda com aquela sonoridade na cabeça – especialmente a
métrica irregular, em 7/8, da música Carnaval
e as explorações poéticas do paradoxo da fome na letra da canção que intitula o
álbum -, imaginava que iria me deparar com um trabalho instigante ou, ao menos,
musicalmente interessante. Contudo, parece que todos os percalços internos da
banda, juntamente com o envolvimento de seus membros mais criativos e
fundamentais em outros projetos, e, por fim, a produção musical inorgânica de
Kassin, o queridinho do pop cult brasileiro,
com seus efeitos, barulhinhos e ambiência “eletro-retrô”, resultaram num disco artisticamente
um tanto quanto protocolar.
Entenda: isso não quer dizer que o disco é ruim. Um passo em falso é
diferente de um passo atrás. Contudo, não há como negligenciar o aspecto rotineiro,
com todas as conveniências de seus lugares-comuns e a pouca, ou nenhuma,
propensão ao risco, que emerge desse registro. Algo que até então o grupo,
de forma brilhante, conseguiu subverter ao longo de seus trabalhos em estúdio, sempre
desvelando veredas estéticas ocultadas pelas banalidades mercadológica e
expressiva do mainstream nacional. Porém,
pela primeira vez, a Nação Zumbi soa um pouco menos como a Nação Zumbi e mais
como um grupo “comum” do cenário brasileiro. Nesse sentido, a mudança na
temática das letras talvez seja o caráter mais revelador: a abordagem mais
política e contestadora abre espaço para sondagens emotivas (e leves, diria) sobre
experiências pessoais ou dores de amor - afinal, não faz muito sentido criticar
o vazio moral da sanha capitalista e estampar a marca do patrocinador do
projeto na arte gráfica do disco, não é mesmo?
A Melhor
Hora da Praia é, para mim, a grande pérola a fulgurar nesse
trabalho. Digo isso não pela participação de Marisa Monte, que é em si irrelevante,
e sim por mostrar o quão viva é a tradição justamente por sua capacidade de se desconstruir
e se reinventar nas mãos daqueles que a compreendem e ousam tê-la por matéria
de seu ofício. Uma ciranda com várias camadas sonoras: uma trama de cordas a
prover um pano de fundo camerístico que recebe as pinceladas rítmicas da
percussão de Toca Ogã, criando assim um belo painel; a sensibilidade nas
harmonizações e nos timbres de Lúcio Maia; a sublimação da batida tradicional por
parte de Pupilo; a linha de baixo de Dengue a dançar em torno do pulso; e até o
viés mais melódico que a inflexão vocal de Jorge Du Peixe consegue ter; o
conjunto desses estratos se apresenta como uma construção imagética de uma flutuante
ciranda na beira da praia, convidando ouvinte a não só vivenciar essa manifestação
folclórica, mas também a experimentar o embevecimento do fazer coletivo da Cultura.
No mais, sugiro um olhar de perto em Cicatriz, que traz em suas entrelinhas a superação e o aprendizado
com as feridas causadas pela desavença entre os integrantes do grupo; no balanço
de O Que te Faz Rir; e, do ponto de
vista instrumental, em tudo o que faz Lúcio Maia.
Pondo em perspectiva a discografia dos pernambucanos, esse é
certamente o seu trabalho mais inócuo. Não obstante, sem os delírios de bairrismo
tão caros ao recifense, afirmo que, ainda assim, Nação Zumbi está à frente de muito do que se tem produzido no pop brasileiro. O simples fato de ser bem
tocado, algo raro em nossos tempos, já o põe na vanguarda. Só isso já vale a ouvida.