Estreamos a coluna “Playlist de
Editores” com o intuito de compartilhar com os nossos leitores discos, novos e “das
antigas”, que estamos escutando no momento. Assim, cada um dos editores do
Variações para 4 apresentará um álbum acompanhado de um breve comentário trazendo
o porquê de sua escuta.
Boa audição!
- Bruno Vitorino:
A
Música Popular Brasileira tem uma série de pérolas que só vim descobrir há
pouco. “Orós”, quarto disco de Raimundo Fagner, é uma destas preciosidades.
Lançado em 1977 pelo solo estadunidense “CBS” (Columbia Broadcast System), o
disco é o momento mais sublime da carreira de Fagner, tanto no quesito poesia
quanto no viés interpretativo. Além disso, a direção musical fica por conta de
ninguém menos do que Hermeto Pascoal, e seu grupo é a banda de apoio. O
resultado é um disco que consegue, passando a anos-luz do clichê, criar um
sertão idílico, de poesia rara e profunda alicerçada por uma música que
extrapola os limites regionalistas da tradição para lançar-se aos terrenos da
vanguarda. Destaque para o fantástico de Cinza,
o lirismo sertanejo de Flor da Paisagem
e a construção primorosa de Cebola
Cortada. Um disco absolutamente obrigatório.
- Rógeres Bessoni:
Neste
momento, estou voltando a ouvir um obra que me marcou profundamente nos últimos
10 anos. Trata-se do álbum “Flamenco Árabe”, parceria realizada em 2003 entre
dois “monstros”: o músico egípcio Hossam Ramzy e o guitarrista de flamenco
nascido em Berlin Rafa el Tachuela. A obra é uma fusão intensa e bela da
poderosa música árabe do norte da África com o cortante e melódico flamenco
(parentes próximos, diga-se de passagem). Aí estão registrados de forma
primorosa momentos de profunda introspecção, como que esperando o chamado para
a oração do fim da tarde na mesquita, trechos intensos que remontam às
cavalgadas no deserto, dança do ventre e andanças pela Rota da Seda. Chamo a
atenção para Al Quantara, Ahlam Ghernatah e Kebreiaa Samet, sonoridades encantadoras e profundas que me remetem
até aos voos místicos sufis.
- André Maranhão:
Não
só “estou ouvindo”, como “ouço sempre”, o disco “Modo Livre”, de Ivan Lins.
Lançado em 1974, esse trabalho me agrada bastante porque além de canções bem
construídas e com letras assinadas por grandes mestres (Vítor Martins, Paulo
César Pinheiro, Caetano Veloso, dentre outros), o percurso de harmonia
desenvolvido pela musicalidade de Ivan é algo que me atrai e, diga-se de
passagem, recurso fundamental que o tornou um dos emepebistas mais férteis para
diálogar com uma estética jazzística.
Se pensarmos que o disco é contemporâneo à transição
dos governos Médici-Geisel, veremos que em canções como O Rei do Carnaval (cujo “povo é o rei primeiro” – a despeito da
triste época ditada pelo “rei guerreiro”); ou no verso por demais carregado de
força “Encosta essa porta que a nossa conversa não pode vazar”, há uma clara
dimensão de protesto. Além disso, destaco a importância de um Ivan Lins capaz
de combinar as cadências de seus sambas existenciais / vitalistas com sua bela
assinatura ao piano, brindadas com a famosíssima Deixa Eu Dizer (mais tarde regravada por Cláudya e Marcelo D2); Avarandado, Chega e o pot-pourri General
da Banda / A Fonte Secou / Recordar é Viver.
- Giba Carvalho:
O
disco que estou ouvindo no momento é “Mano a Mano”. Trata-se de uma apresentação ocorrida na Plaza de Toros de Madrid em 1993. O
trabalho é um compilado de 24 sucessos destes dois ícones da música
latino-americana. Aute é nascido nas Filipinas e Rodriguez em Cuba. Mesmo sendo
um álbum no formato “ao vivo”, indico a audição principalmente pela riqueza das
melodias e pela importância histórica destes compositores para a cultura de
seus países. Verdadeiras aulas de canções e letras bem escritas.
Indico – Anda,
De Alguna Manera, La Maza, El Necio e Ojala.
- Fernando Lucchesi:
Se
você, caro leitor, assim como eu, conheceu o som do Faith No More no início dos
anos 1990, quando a MTV rodava incessantemente os clips de Epic e Falling to Pieces
(duas excelentes músicas pop, diga-se de passagem), certamente irá se
surpreender com “Sol Invictus”. Primeiramente, esqueça aquela mistura de funk,
rap e metal que tornou a banda mundialmente famosa. É bem verdade que a banda
continua soando muito pesada, mas dessa vez está mais encorpada, com
acompanhamento de piano e vocais bem trabalhados.
Mike
Patton, em diversas das músicas soa como um verdadeiro profeta do apocalipse,
como em Separation Anxiety, Cone of Shame e Superhero. Mike Bordin continua castigando impiedosamente a bateria
e a guitarra intensa e sombria Jon Hudson dá o tom da maior parte das faixas do
disco. Isso não significa que a banda esteja preocupada somente em soar pesado
o tempo todo. Há espaço no disco para músicas de sonoridade mais pop e ainda
assim muito bem sucedidas como The Rise
of the Fall (com uma sutil levada de reggae no início da música), Sunny Side Up” e Black Friday.
Mas o que realmente chama atenção são as músicas
com acompanhamento de piano. A faixa-título do álbum é uma amostra disso. Uma breve
introdução sem guitarras, apenas com bateria, piano e baixo progredindo
harmonicamente. Além dela, a belíssima Matador
mostra o piano contrabalançando com o peso das guitarras. Um disco extremamente
bem feito e uma banda em perfeita sintonia. Certamente um dos melhores discos
de 2015.