Torquato Neto produziu não apenas uma grande poesia, como também inúmeras mídias mestiças numa vida intensa de vinte e oito anos. Nascido em Teresina, Torquato foi para a Bahia na juventude e em Salvador conheceu grande parte da cena cultural baiana, sendo inclusive, colega de Gilberto Gil desde a época de escola.
Ao longo de sua vida, Torquato
colecionou e desagregou pessoas sob o seu signo de ideias e criações. O
escorpiano ganhou visibilidade como um importante crítico de arte e poeta, além
de participar de produções cinematográficas e performances de artistas como
Hélio Oiticica, com quem trocou diversas cartas entre 1971 e 1972 (época em que
Hélio se encontrava nos Estados Unidos e Torquato no Rio de Janeiro). Porém,
uma das searas mais fantásticas e ricas de Torquato talvez seja a canção
brasileira. Torquato tanto produziu em vida, letras destinadas às canções de
Caetano Veloso (Ai de mi, Copacabana) Gilberto Gil (Geleia Geral) Edu Lobo (Pra
Dizer Adeus), Jards Macalé (Let’s Play That) e Roberto Menescal (Tudo Muito
Azul) como também alguns dos seus poemas foram musicados por artistas como
Sérgio Brito (Go Back) e Geraldo Azevedo (O Nome do Mistério), posteriormente. É com a palavra que Torquato se realiza de modo intenso. Palavras como possibilidades de abrir significados plurais e acidentá-los; tirá-los da aparente
regularidade: “Everybody knows my name but
nobody knows my place (...). Meia palavra basta. agora não se fala mais:
cada palavra, bicho, é uma forma poliédrica infinita e transparente”. Em Marcha
à Revisão, também diz Torquato: “Uma palavra é mais que uma palavra, além de
uma cilada. Elas estão no mundo como está o mundo & portanto as palavras
explodem, bombardeadas.”.
A despeito dos registros mais oficiais da
produção de Torquato (os textos de jornais, as canções e poemas publicados),
seus parentes recuperaram outros projetos não publicados durante sua vida.
Torquato pedira que destruíssem seus textos não publicados. Coisa que ele mesmo
começou a fazer, mas que não concluiu porque cometeu suicídio em 1972. Dos
textos recuperados, seus amigos e parentes publicaram alguns fragmentos repletos de conteúdos diversos e de plurais divagações
sobre conflitos, angústias, desejos e sobre as programações da tevê, produções
musicais e cinematográficas; tanto brasileiras como também internacionais.
Boa parte do que Torquato
escreveu nos seus cadernos foi registrada quando ele se exilou em Paris, já que
a barra pesava consideravelmente no Brasil AI-5. Aí não dava mais para Torquato
permanecer em terras tupiniquins. Porém, viver na França lhe parecia uma experiência
com medidas injustas: “aqui/ estamos / aqui /chegamos /como forasteiros e
forasteiros continuamos aqui, neste/ meu país. / principal é que um inglês é a
Inglaterra, um francês é a França nós / somos os brasileiros típicos do BRASIL
no dia 8 de maio de 1970”. O exílio era injusto!
Os cadernos de Torquato fazem
menção a muitas influências: Tom Jobim, Chet Baker, Jimi Hendrix, Caetano
Veloso, Gal Costa, Che Guevara, Décio Pignatari, Antonin Artaud são alguns
nomes que parecem inspirar seus comentários. Uma lista tamanha já pode sugerir
que a formação e contato de Torquato com a arte foi polissêmica e
multimidiática. Ao mesmo tempo, Torquato parece arredio a qualquer vontade de
idolatrar cegamente algo ou alguém, como se chorar por um ídolo fosse uma
finalidade irritante, um vício de se apegar para chorar. “O Che Guevara morre
apenas para que se cante (chorando) o seu mito. Jimi Hendrix morre também: logo
pousamos como urubus sobre o cadáver do bicho, e choramos pelo vazio que
acabamos de ganhar”. Paradoxalmente, talvez esse vazio dito por Torquato
funcione como um preenchimento de quem quer idolatrar pra se viciar. Então, o
choro pelo vazio da morte de um ídolo talvez seja uma metamorfose pra colocar
esse ídolo em um novo altar, agora no altar de ídolo póstumo, que passa a viver
em camisas, filmes, coletâneas, preenchendo a vida de muita gente. A questão
mais tensa desse processo é que eleger um ídolo pode fechar portas para outras
produções riquíssimas e injustiçadas em uma cultura. Neste sentido, Torquato
duramente ironiza uma critica que incide no pedestal de uma crítica cultural elitista, no crivo e nos
rótulos dados por alguns “críticos abalizados” que acabam por fechar diversas portas em
vez de abri-las. Vejamos, por exemplo, o que Torquato pôde dizer sobre Paulo
Diniz, um artista que começava a brotar de modo interessante, porém que parecia preterido por uma grande parcela da crítica daos anos 1970:
“Mas
não deixa de ser engraçado vermos a confusão instalada na mansão dos herdeiros quando
um cara como Paulo Diniz estoura na praça com um compacto que as pessoas não
sabem onde catalogar e, portanto, não ousam comentar nem se dispõem a
compreender. ‘Quero voltar pra Bahia’ veio do lado de fora, de um artista
barra-pesada que não andava inserido no contexto de nenhum dos vários coros de
lamentações que proliferam em torno da desgraça alheia. Tranquilo: o disco
estourou nos ouvidos sentimentais do povo, a canção foi para as paradas de
sucesso e nossa boa aristocracia vanguardista fechou o bico e foi para detrás
da porta colocar as luvas. As mãos limpas, ariadas, arianas. Carpideiras, sim
mas en petit comitê. Nenhum ‘quarsar’ para Paulo Diniz. Quando não estão
chorando as pessoas estão reclamando”.