Estou em Botafogo num clima de
férias. Férias, aliás, devidamente boêmias. Minha tese é a de que o morador do
Rio de Janeiro deveria receber um auxílio boemia. Com tantas opções, paisagens
e possibilidades, a cidade pulsa vida noturna em seus botequins e o morador do
Rio não pode ficar desassistido! O carioca que paga o Imposto Sobre a
Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) deveria gozar de alguns descontos
e benefícios nos bares, afinal, a boemia carioca é um patrimônio e deve ser
exercida com afinco.
Resolvi
escrever às 3h30 da matina, pois o tempo é corrido até para os farristas. Aí
preciso partilhar uma série de fatos boêmios e indissociavelmente musicais que ocorreram
comigo ontem em Copacabana, mas antes de entrarmos na noite carioca, voltemos
para o Recife. Na Manguetown, meu amigo Giba C. Carvalho recomendou inúmeras vezes
que eu lesse um livro do grande Moacyr Luz – Botequim de Bêbado Tem Dono - um
compêndio de causos, biritas e afins sobre os botecos cariocas. De tanto ouvir
Giba enfatizar o livro do Moa, a minha curiosidade por ele só fez aumentar em
meio às nossas farras.
Não deu outra: quando a minha viagem para o Rio se
aproximou, Giba me emprestou o livro do Moa, o que foi crucial para a minha
estadia em terras cariocas. Comecei logo a lê-lo no avião e graças ao estilo
leve e com um pequeno número de páginas, a conexão que fiz entre
Recife-Campinas-Rio de Janeiro, passou rapidinho. Zerei o livro durante a
própria viagem de ida. No caminho, fui debulhando a narrativa de Moacyr Luz,
cujos personagens são conhecidos por muita gente, enquanto outra parte é íntima
apenas para uma pequena leva de biriteiros.
Antes mesmo de eu ler ou até conhecer o livro de Moacyr
Luz, Giba frisava bastante pra mim: “Bicho, se você for ao Rio não deixe de ir
ao Bip-Bip”. Vejam vocês como é a vida. Após tantas recomendações, fui bater no
Bip ontem!
Natália Biserra, minha amiga de infância que mora no Rio
há cerca de cinco anos, sugeriu um passeio legal pra eu fazer ontem. O roteiro
envolvia pontos dos mais variados. Quando pus as sugestões de Natália em
prática, meu passeio ficou mais ou menos nesta sequência: Botafogo, Humaitá,
Jardim Botânico, Gávea, Ipanema, Leblon, Ipanema (de novo!), Arpoador, enfim, Copacabana!
Ufa! Bem, num dia daqueles que a gente acorda com sangue no olho, banquei o
Fidípides de Esparta e cruzei uns 25 quilômetros a pé (fazendo um cálculo por
baixo pelo Google Maps). Um soldado na Batalha de Maratona!
Após
caminhar sobre uma parte considerável da Zona Sul carioca, eu já tinha em mente
a decisão de voltar para Botafogo, pois estava meio fatigado do dia andarilho.
Porém, eis que surge uma daquelas grandes surpresas. Voltando pela Avenida
Atlântica, avistei um botequim chamado Aboim e na mesma hora lembrei que ele
estava registrado numa das passagens do livro de Moacyr Luz. Pensei
imediatamente: “É a minha chance. Tenho que parar aqui!”. Não deu outra. Parei!
O
Aboim é de uma descontração incrível. Fui tomar a minha saideira tranquilo e
comedido. Peguei uma latinha de cerveja geladíssima e logo na sequência,
conheci um boêmio de carteirinha chamado Mário, um grande Botafoguense, perto
dos seus sessenta anos. Mário perguntou o meu time e eu disse que torcia pro
Náutico. “Ah, o Náutico quebrou a gente” – Recordou o jogo mais recente entre
ambos os clubes, cuja vitória foi do Náutico por 3 a 2 nos Aflitos. Tendo em
vista os novos ventos de contratações que o Botafogo recebeu, os amigos de
Mário não perderam tempo e foram mais rápidos que o Adobe Flash Player: já batizaram
o cara de Seedorf! Só pelo apelido dá pra imaginar a fixação dele pela Estrela
Solitária.
O
grande Mário foi de uma imensa gentileza comigo. De cara, me informou que
embora o nome do boteco na placa tivesse escrito Aboim, ele era popularmente
conhecido como Bunda-de-Fora. Depois, Mário me perguntou se eu já conhecia o
Bip-Bip. Tal indagação me remeteu de bate-pronto às recomendações feitas por
Giba ainda no Recife. Mário ressaltou a importância do Bip-Bip e ainda por cima
se dispôs a me levar lá. Não antes de me apresentar a Paulo César Pinheiro, que
tomava uma por lá. Eu meio sem jeito topei a apresentação. Paulo César tirou
uma foto comigo, aliás, duas. Na primeira tentativa perguntou se a foto tinha
ficado boa. Como a foto não tinha vingado bem, ele fez questão de tirar outra. Feita
a sessão de fotos, me despedi de Paulo César ainda meio sem jeito, porém ao
mesmo tempo fascinado por ser apresentado àquele monstro da canção brasileira; ao
cara que escreveu a espinha dorsal de Leão do Norte e juntou tantos símbolos
ligados a Pernambuco numa canção, sendo ele incrivelmente um carioca imortalizado
por construir letras de grandes sambas.
Saindo
do Aboim, com Mário, percebi sua popularidade nos botecos da redondeza. Mário
era um conselheiro tutelar da cachaça! Falou com Deus e o Mundo em Copacabana,
e enquanto parava para interagir com os amigos, dizia: “Este aqui é um rapaz do
Recife, que veio pesquisar sobre os botecos cariocas. Eu tô levando ele pro
Bip-Bip!”. Antes do Bip, ainda paramos no Ellas, outro boteco na mesma rua.
Tomei mais duas ampolas de cerva com Mário e ainda por cima sentei à mesa com
seus amigos.
No
Bip-Bip, Mário me apresentou ao Alfredinho, o “proprietário” do
estabelecimento, uma figura antológica da boemia carioca. Quando entrei no bar
percebi que se tratava de um recinto inigualável. Um dos locais mais anárquicos
onde bebi, de tal modo que Alfredinho não cobra a conta a ninguém! Pelo
contrário, é o bebum que vai até Alfredinho e paga a sua parte no boca-a-boca. A
maior coisa que o Alfredinho preza no Bip não é a grana, é a música. E da forma
que ele preza parece não ter preço mesmo! Num espaço curtíssimo, encontrei
fotos de figuras como João Bosco, Aldir Blanc, Moacyr Luz, Sérgio Nogueira.
Todos eles deram diversas vezes o ar da graça no Bip-Bip.
Alfredinho
logo me convidou para a apresentação de Renato Braz que começaria cerca de vinte
minutos. Embevecido com todo aquele ambiente, topei na hora e ainda por cima
convidei minha amiga Natália pra lá. Ela assistiu comigo ao show de Renato Braz
ao violão e cantando à capella. Foi encantador. Enquanto Renato cantava,
ninguém dava um pio e público só se manifestava após o final de cada número
tocado. Basicamente, as manifestações eram ou alguma mudança de posições (para
ver melhor a apresentação) ou pegar mais uma cervejinha no freezer (pra acertar
tudo com Alfredinho no final do show, no boca-a-boca).
Pra fechar com chave-de-ouro,
eu e Natália demos um jeito e ligamos pra Giba, que tanto frisou a importância
do Bip-Bip em diversos momentos pra mim. E o mais incrível é que Giba
comemorava o dia do seu aniversário no Bar Frontal em Recife enquanto eu tomava
uns porres no Bip-Bip. Não tive dúvidas: Fazendo uma conexão-boemia, passei o
telefone para Alfredinho que por sua vez mandou aquele beijo e abraço para Giba.
É, meus amigos, a boemia não é escrava da distância!
Quero apenas destacar a importância de Paulo César Pinheiro (conhecido em algumas rodas como PCP)para nosso cancioneiro nacional. PC compôs sobre tudo o que se possa imaginar (excluíndo óprea, talvez. E o que veio à luz não é nem 1/3 do que ele produziu, acompanhado dos maiores músicos brasileiros, gente como Baden, Toquinho, Wilson das Neves, etc. Paulo César Pinheiro, o samba é seu don...
ResponderExcluirGrande texto, Andrezinho! Puro deleite narrativo!
ResponderExcluirAndrezão! Sensacional, meu velho! As lembranças do bip são sempre as melhores! Grande abraço!
ResponderExcluirMeu amigo André, que inesquecível deve ter sido esta viagem. O Rio de Janeiro é o local mais lindo do mundo e, disparadamente o melhor lugar do mundo para gozar a vida boêmia. Com relação ao povo, cito a frase do meu querido Mestre Moa Luz – “O carioca é um amigo íntimo de todo mundo”. Com certeza isto você vivenciou na pele ao conhecer o “biriteiro” Mário. Falar do Bip Bip me deixa extremamente comovido. Alfredo é uma figura ímpar para a música carioca...brasileira. Só o fato de você levar um bar há mais de 40 anos, na cara e na coragem, para que os músicos possam mostrar seus trabalhos diferenciados, já é motivo de muita alegria. São pessoas como Alfredo que mudam o rumo da música nacional. E, honestamente, eu prefiro não ser o convencional, a não me baixar pra pedir bênçãos a “falsos profetas” e remar contra a corrente. Esta é uma das maiores verdades que carrego!
ResponderExcluirObrigado meu amigo.
Gilberto da Costa Carvalho
OBS – Se eu tivesse visto P.C. Pinheiro acho que teria me cagado em praça pública.