Mais uma vez o canal portugues
RTP2 me surpreende com a seleção de filmes ao longo de sua programação semanal.
Sempre com espaço aberto em horário nobre (por volta das 22h) ao cinema de arte
europeu, já tive oportunidade de assistir excelentes obras contemporâneas do
velho mundo, longas e curtas, que no Brasil até que algumas são exibidas, porém em pouquíssimas salas e com difícil acesso.
A de hoje foi o filme de 2010 do
cineasta italiano Michelangelo Frammartino, intitulado "La Quattro Volte".
Uma obra sem diálogos, mas com uma profundidade espontânea acerca da existência
das coisas. No caso, as "quatro voltas da vida" ao meu ver seria a
fluidez do mundo mineral, vegetal, animal e humano, representados pela areia, pela
árvore, pela cabra e pelo pastor. Filme de uma poética visual sensível, excelente
fotografia e apesar de fugir dos padrões estéticos atuais, é de certo modo fácil
de assistir.
O filme é um convite de volta as nossas
origens mais primitivas, onde o ser humano não era apenas um transformador, mas
uma parte intrínseca de um todo. Um convite a simplicidade da vida, a
efemiridade e a leveza (ou peso) da realidade.
Para o primeiro post de 2013,
estreamos a coluna “Variações em 5/4”. Todo mês, os editores do blog comentarão
algum lançamento marcante, seja disco, livro ou filme. Nesta primeira edição, a
pauta é o mais novo álbum de Caetano Veloso: Abraçaço.
- Dom Ângelo:
Considero Caetano Veloso uma
pessoa que carrega em si um enorme diferencial artístico e existencial perante
seus colegas de geração 60, 70 e 80. Isto reside na capacidade do mesmo de se
modernizar e reciclar suas ideias artísticas, colocando forte pé na
contemporaneidade e não temendo trilhar caminhos estéticos inexplorados na sua
carreira musical.
Desde o disco Cê, quando se
juntou com músicos da nova safra do rock carioca, que a música de Caetano
voltou a abranger um universo rebelde de uma forma brilhante e consciente.
Considero o disco Cê um dos cinco melhores álbuns de sua carreira e a
continuidade com os discos Zii e Zie e Abraçaço manteve o criativo momento
artístico que o músico vive atualmente.
Fechando a trilogia, o álbum de
2012 vem, como sempre em sua obra, com excelentes letras. Apesar, dessa vez,
mais racionais do que emocionais. Homem de uma musicalidade infinita, Caetano
mostra-se de peito aberto aos seus impulsos criativos, vivendo no presente,
atento ao agora e se desfazendo de muitas vaidades alimentadas pelo ego.
Vaidades essas que travaram a mente de artistas em épocas do passado. Ele, ao
contrário de muitos, vive o hoje.
Apesar de ficar claro pra mim
certas limitações técnicas e de vocabulário musical dos integrantes da Banda
Cê, prefiro me prender ao ótimo trabalho de arranjos minimalistas que esses
músicos criaram, conseguindo eles surpreender os conservadores que acham que
músico bom é músico tecnicista. Rock alternativo é bom assim.
Enfim, vou utilizar a expressão
mais cansada, porém a mais eficiente para a determinada frase: - Caetano Veloso
é genial!
Ah...mas não é só a Bossa-Nova
que é foda. Mas Caetano! - Giba Carvalho:
Caetano mostra que continua sendo
o mais ousado dos compositores de sua época. Isto não quer dizer absolutamente
que seu “Abraçaço” mereça uma atenção mais do que especial. É um disco
contemporâneo, principalmente daquilo que não só o próprio Caetano, mas todos
nós somos bombardeados diariamente. Notícias sensacionalistas, vazias e sem nem
“ter pra que” como inspiração. Ainda assim, é superior a grande parte das
produções autorais nacionais do momento. Gosto do flerte com o rock n´roll,
mais presente desde o “Cê”.
- Bruno Vitorino:
Caetano Veloso sempre foi para
mim sinônimo de não conformismo estético. Sua imensa discografia traz como
marca essa busca constante por veredas inexploradas numa fuga ao comodismo do
mito que consequentemente leva à repetição de si. Pode-se falar o que for a
respeito de Caetano, mas uma coisa é certa: ele assume riscos. E isso é muito
bom, a princípio. Contudo, suas investigações em prol do desconhecido por vezes
descambam na gratuidade do incipiente, e existe um abismo gigantesco que separa
o vigor do novo da novidade frívola.
Atualmente no cenário indie brasileiro proliferam grupos
formados por músicos desprovidos do mais elementar domínio técnico de seus
instrumentos, que esbanjam uma poesia (?) sem sentido algum, apresentam
cantores desafinados e constroem em torno de seus integrantes uma aura
milimetricamente deliberada de artistas sérios, criativos e inovadores. Cidadão Instigado, Karina Buhr, Do Amor, dentre outros nomes da cena alternativa são
exemplos dessa consagração do malfeito. Por isso, devo confessar que tenho
problemas em digerir o projeto que se iniciou com o álbum “Cê” (2006), passou
por “Zii e Zie” (2009) e foi concluído com “Abraçaço”. Digo problemas, porque
Caetano, ligado como é ao contemporâneo, ao se juntar com Pedro Sá (guitarra),
Marcelo Calado (bateria) e Ricardo Dias (baixo) acolheu justamente essa
estética do tosco em voga na música pop alternativa brasileira. “Abraçaço” é um disco simplório
(Minimalismo é outra coisa). Paradoxalmente, justamente por flertar com o
banal, o álbum requer do ouvinte um esforço considerável para que se revelem os
lampejos de inventividade no meio de sua paisagem monocromática. O que é, vale
ressaltar, muito pouco para redimir um trabalho de um artista da magnitude de
Caetano Veloso. Neste projeto, a atitude experimental do baiano se revela de
certa forma domesticada, forçosa e até constrangedora como na tenebrosa “Funk
Melódico”, na melancolia adolescente de “Estou Triste” ou no tédio amoroso de
“Gayana”. Os bons momentos ficam por conta da crua e direta “A Bossa Nova é
Foda”, da balançada “Abraçaço” e do bluesy
“Vinco”. Em resumo: um disco sem graça que consolida Caetano como ícone pop
cult e, infelizmente, evidencia seu
desgaste criativo.
- André Maranhão:
Eu julgaria que Abraçaço é um
álbum importante para sustentar um fôlego na carreira de Caetano Veloso. O
“risco” que Caetano corre ao buscar conexões com ritmos e temas dos mais
diversificados me parece bem salutar. A começar por A Bossa Nova É Foda, onde
Caetano declara mais uma vez a sua admiração por João Gilberto, a quem ele se
refere como “o bruxo de Juazeiro”. Para Caetano, a voz e o violão de João
Gilberto parecem ultrapassar a própria bossa nova e em seu livro Verdade
Tropical ele fala da interpretação de João Gilberto: “É uma aula de como o
samba pode estar inteiro mesmo nas suas formas aparentemente
descaracterizadas”. Não é para menos: Caetano atribui a João Gilberto um
caráter transformador, fazendo da bossa nova algo tão forte, como um Anderson
Silva, um Minotauro ou um Júnior Cigano (referências também presentes na canção). A canção Vinco é para mim uma das
mais marcantes do álbum – tanto por sua construção literária quanto por sua
melodia blues e estrutura semiótica que me fez lembrar outros êxitos de Caetano
como Lindeza e Luz do Sol. Eu também destacaria outras faixas como Um Abraçaço;
Quero Ser Justo e Quando o Galo Cantou. Já O Império da Lei e Parabéns são
canções que devemos destacar pela tentativa de Caetano de flertar com alguns
ritmos do Norte do Brasil e que me parece bem sucedida. Minhas ressalvas maiores vão para
Estou Triste; Um Comunista; Funk Melódico e Gayana. A primeira é longa,
monótona e de pouco apelo literário. A segunda é uma importante homenagem a
Carlos Marighella e acho de uma literalidade fantástica, mas a melodia não
empolga e o compasso sobe e desce de modo redundante. A terceira me deu a
impressão que o Funk ainda permanece um ritmo de difícil adaptação para uma
forma mais rebuscada na música brasileira – e isso vale, sobretudo, para a
literatura da canção – afinal, eu não trocaria uma paródia de Marcelo Adnet
pelo refrão de Caetano: “O tijolo é gritar você me exasperou / Que você me
exasperou / Você me exasperou / Você me exasperou / Você me exasperou”. Por
fim, Gayana é uma canção lugar comum na letra e de uma modulação de pouco
sucesso na melodia.
- Fernando Lucchesi:
Desde
2006, quando lançou o impressionante “Cê”, que Caetano Veloso deu uma guinada
na sua carreira. O terceiro disco com a banda Cê, “Abraçaço”, busca seguir as
diretrizes do primeiro disco, mas apenas as diretrizes! Enquanto “Cê” era um
disco carregado de referências ao fim de relacionamento experimentado por
Caetano, as referências usadas em “Abraçaço” são as mais variadas possíveis.
Vão do filme “Eu receberias as piores notícias dos teus lábios” até homenagens
à lutadores de MMA, João Gilberto (o bruxo de juazeiro), Tom Jobim e Bob Dylan
(o bardo judeu romântico de Minessota). A guitarra de Pedro Sá ainda é o
principal foco na sonoridade da banda - vide o excelente riff de “A bossa nova
é foda” e o instigante solo na faixa de nome ao disco. “Abraçaço” se ressente
do sexismo bem humorado (“Homem”) e da desolação de um fim de relacionamento
(“Não me arrependo”) contidos em “Cê”, mas é um disco que mantém a intenção de
revitalizar e dar mais peso ao som de um dos mais irrequietos compositores da
música brasileira. Qual o próximo passo de Caetano? Para mim, a indicação está
na faixa “Funk Melódico”. Um disco de Funk Pancadão em parceria com Mr. Catra.
Você duvida? Eu não!