Nesta edição de nossa coluna mensal, os
editores comentam a mistura cada vez mais hedionda de violência urbana e o
futebol no país sede da Copa do Mundo.
- Fernando Lucchesi:
Quando
o tema foi proposto por um dos integrantes do blog achei altamente pertinente.
A sugestão veio ainda sob o impacto da morte do torcedor nas imediações do
estádio do Arruda, atingido por um vaso sanitário. Não foi a primeira vez que
um vaso sanitário foi arremessado do estádio, diga-se. Será a última? Não vou
aqui tecer um comentário esperançoso, pois já discuti MUITO com parentes,
amigos e cheguei à temida conclusão: não há esperança no horizonte para a
resolução desse problema. O maior problema, penso, é a nossa legislação. Não há
nada, mas absolutamente nada, que impeça o sujeito de digladiar-se com
torcedores adversários, danificar patrimônio público e particular e estar solto
algumas horas depois. Pois adivinhe onde estará esse sujeito no fim de semana
seguinte? Fazendo o que de novo? Pois é! Não precisei colocar resposta para ser
entendido.
O
argumento que mais escuto é: “mas na Inglaterra resolveram isso!”. Calma!
Resolveram em parte. Não vemos aquelas cenas absurdas dignas de uma rinha
humana, mas elas (as organizadas) ainda existem e são extremamente perigosas.
Duvida? Assista “The Real Football Factories” e entenda o que estou falando. De
toda forma, a Inglaterra amenizou o problema com um ENDURECIMENTO da legislação
e reforço da força policial, inclusive com uma polícia especializada para esse
tipo de situação. O aparato policial é eficiente a ponto de conseguir monitorar
aqueles que não podem ir aos estádios. Em dias de jogos do time do infrator,
ele deve estar ou na delegacia ou prestando serviço comunitário.
O
que quero dizer, queridos leitores, é: junte um aparato policial despreparado,
uma legislação permissiva e em decorrência dessa a falta de punição,
autoridades que não tem conhecimento quase básico do problema (que aliás,
gastam dinheiro público para fazer uma “visitinha” à Inglaterra para ver o
problema e as soluções de perto, mas nada aprenderam, aparentemente) e
interesses dos clubes em financiar essas “coisinhas” chamadas de organizadas e
temos praticamente um coquetel molotov social/futebolístico.
Lembro
que em meados dos anos 90 surgiram aqui em Recife as famigeradas “galeras”, que
tinham ligações com as mesmas organizadas que aterrorizam hoje. Elas se
dissolveram? Não. Passaram um tempo hibernando e agora recrudesceram de forma
incontrolável. Disse recentemente num comentário de um amigo no Facebook: “Isso
só irá acabar quando esses delinquentes acharem que matar, roubar, furtar e
quebrar perdeu a graça, pois o Estado não sabe nem por onde começar”.
INFELIZMENTE!
- Giba Carvalho:
“Nós abandonamos o trabalho, a família, mulher, filhos. Abandonamos tudo
para defender o nosso clube. O clube é a nossa vida e por ele nós estamos
prontos para lutar sempre, seja para matar ou pra morrer!”
É
com esta frase que vi do presidente de uma das torcidas organizadas de um dos
maiores clubes do Estado de São Paulo que inicio meu texto. Você acha que
ele é diferente dos elementos que chocaram o país ao arremessar duas privadas e
matar um membro de uma torcida rival, infiltrado numa co-irmã de outro estado
aqui em Recife? Não! Eles não são diferentes. O “hooliganismo” brasileiro, no
meu ponto de vista, está muito mais ligado ao extravaso de frustrações
pessoais, supostamente movimentadas por sentimentos (parte pelo clube e parte
por revoltas sociais) e onde os membros sabem que as punições são mais brandas, do
que a outra coisa. E o nosso futebol atual vive à mercê do humor destes
elementos. O esporte em si, está em segundo plano há muito tempo. Como consequência,
vemos todas estas barbáries acontecer embaixo do nosso nariz e nos
sentimos cada vez mais impotentes. Não existem leis específicas para crimes
praticados para estes “cidadãos” (enquanto torcedores) e que utilizam a imagem
do clube para praticar todo tipo de bandidagem que se possa imaginar. Torcidas
organizadas são sinônimo de tudo de pior que possamos imaginar para o sistema
penal brasileiro: tráfico de drogas, assassinatos, porte ilegal de armas,
vandalismo contra o patrimônio público, violência sexual (existem casos de
estupros e abuso sexual nas sedes das mesmas) e etc.
Afirmo,
com plena certeza, de que o que falta para a resolução deste problema, em
âmbito nacional, é interesse por parte das autoridades, endurecimento das leis e, principalmente,
punição severa aos Clubes. Infelizmente (e triste de quem negar) estes
elementos estão totalmente mancomunados com as Diretorias dos Clubes. Tal
receio, por parte das várias Diretorias, é coisa de quem tem o rabo preso. Nada justifica acesso às dependências de qualquer clube se
você não paga mensalidades. Aqui no Brasil é o que mais encontramos: invasões,
agressões a atletas e até mesmo a funcionários que nada tem a ver com o
futebol. Coisas do país dos absurdos!
Voltando
a falar do caso ocorrido no Estádio do Arruda, tenho a certeza de que se não
fosse ano de Copa do Mundo, os envolvidos ainda estariam foragidos. O futebol
no Brasil ainda é visto como lazer e modo de vida, mesmo com todos estes atos
insanos por parte de vários elementos que deveriam estar com estadia garantida
em algum presídio do país. Não podemos continuar tapando o sol com a peneira!
Mudanças urgem acontecer para que o futebol volte a ser prazer e para que
nossos filhos não se tornem apenas expectadores de Náutico x Destilaria do
Cabo, Sport x Paulistano e Santa Cruz x Santo Amaro. Do contrário,
continuaremos afundando nesta “privadização” esportiva atual chamada futebol.
- Bruno Vitorino:
“Chamam de Pátria nossa miséria!” – Humberto
Effe
Costuma-se
dizer que o Brasil é o país dos absurdos. Vou um pouco mais além: o Brasil é o
país da naturalização dos absurdos. É como se o ultraje fosse parte
constituinte de nossa identidade cultural de tal forma que nos acostumamos à
banalidade e ao diário do nefasto em nossas vidas, nutrindo no íntimo - e compartilhando
com o Outro via Facebook - uma espécie de revolta letárgica ante o caos.
Achamos normal, corriqueiro, os políticos corruptos, os ônibus superlotados, os
assaltos à mão armada, a extorção institucionalizada em carga tributária e seu parco
retorno público, os atropelamentos de ciclistas, os concidadãos ensimesmados,
os infantes lavadores de vidro nos sinais... Não gostamos, mas nos resignamos à
apatia política e à hipocrisia moral e nos deixamos iludir por nossa contagiante
irreverência e a irrefreável capacidade de rir do que não tem graça. E assim
vamos vivendo.
No entanto,
o fato é que temos problemas históricos arraigados no âmago de nossa sociedade
que fornecem as bases para a rotinização do absurdo. Não cabe aqui neste breve
comentário elocubrar teses sociológicas sobre o Brasil, mas todos sabem que
educação, distribuição de renda, moradia, saúde pública - para ficar só no
básico - sempre foram um problema severo que nunca foi encarado como deveria
pelas elites políticas que governaram e governam este país e discutidos/reivindicados
com serenidade e contundência pela sociedade civil. Ao contrário, dentre
inúmeras desdobramentos, propiciou uma série de larápios “salvadores da pátria”
e um sem número de teorias rocambolescas sobre o caráter redentor da miséria
que tabula o pensamento de muito intelectualóide de rede social por seu suposto
caráter anti-burguês. O resultado disso é uma gangrena social que se espalha
pela tessitura de nossa sociedade. O futebol, infelizmente, não fica de fora
dessa dinâmica do abjeto.
Para o
torcedor comum, aquele que ama o futebol enquanto espetáculo, ir a campo hoje é
primeiramente enfrentar uma via crucis:
chegar ao estádio umas três horas antes do jogo; desdobrar-se para comprar o
ingresso (se for resgatar a entrada pelo “Todos com a Nota” então...), aguardar
em pé a abertura dos portões; adentrar aos empurrões num estádio desconfortável
para assistir a um jogo sofrível; depois da partida, ficar literalmente preso
sob o olhar intimidante do batalhão de choque da polícia que vê em todos potenciais
delinquentes; e, finalmente, sair às pressas para fugir da barbárie e do terror
promovidos pelas torcidas organizadas em brigas e em costumeiros arrastões
pós-jogo. A cidade se converte em praça de guerra num cenário digno dos mais
profundos círculos do Inferno de Dante. Passei por tudo isso quando fui ver a
primeira partida da final do pernambucano entre Sport e Náutico. Fazia tempo
que não ia à Ilha do Retiro e estava com saudades de casa e de ver meu time
jogar. Mas, minha euforia e paixão logo se convertem em frustação e tristeza. E
tenho certeza que muitos compartilham comigo esses sentimentos.
Penso que,
com o esvaziamento dos estádios do torcedor - o autêntico a que me refiro acima
- das famílias, dos amigos, e de todos aqueles que veem o futebol como um esporte
nobre, um instrumento agregador da comunidade e um mitigador das diferenças
sociais, já que somos todos um só nas arquibancadas, abre-se espaço para a
invasão do banditismo que corrói nossa sociedade. Coloque-se na equação a
ausência de um Estado que efetivamente garanta a segurança de sua população e a
real inclusão social, a ineficácia do códice jurídico para tratar dessas questões,
a relação promíscua que os clubes (e alguns jogadores) mantém com as
organizadas e chegaremos à tragédia que aconteceu no Arruda. E que, vale
ressaltar, poderia ter ocorrido em qualquer um dos estádios dos grandes times do
Recife. Esse episódio grotesco e vergonhoso, que alcançou contornos globais, afinal,
somos, querendo ou não, o país sede da Copa do Mundo, grita que estamos longe
do que se conhece por Civilização. Vivemos numa casa de espelhos onde a
realidade social é escamoteada em discursos, abobrinhas, falácias, delírios e incompetência. E não tenho esperança de que superaremos isso.
Olhando meu filho, constato que nunca poderei levá-lo para assistir a um jogo. Quem
em sã consciência não se sente arriscando a vida ao ir a campo? Eu me sinto e muito!
Ainda mais quando penso em meu rebento. Por isso, receio que o amor que ele
certamente desenvolverá pelo seu time terá de ser platônico, alimentado na
frieza da televisão e no distanciamento do sofá de casa.
- André Maranhão:
Eu não vejo
um problema isolado que explique a situação calamitosa do futebol num país como
o Brasil. Em minha opinião, é preciso identificar quais gatilhos disparam em
conjunto[1], tornando aquele
esporte um caso emblemático de problemas sociais. Muitos de nós nos deparamos
com várias notícias envolvendo violência, corrupção, impunidade, desigualdade
econômica e regional entre os clubes brasileiros, como também entre os seus
torcedores. Creio que uma copa do mundo como a de 2014, a ser realizada no
Brasil, não trará mudanças consideráveis no painel do nosso futebol. No máximo
teremos estádios novos / reformados e uns elefantes brancos fincados em
rodovias escuras e precárias, cuja solução em prol de uma mobilidade urbana
mais eficaz parece ainda bem remota.
Além da
barbárie recaída sobre a violência, identifico a barbárie por parte de várias
autoridades irresponsáveis para com os cofres públicos. Sobre a primeira, um
dos alvos mais fáceis de retaliar é as torcidas organizadas. O Estado apenas
simula uma prestação de contas e tenta acalmar um clamor da opinião pública e
do senso comum, quando bane temporariamente as torcidas organizadas. Para mim,
isso é um grande erro. Responsabilizar todos os torcedores das organizadas pela
violência do futebol é apenas expiar o bode. É preciso identificar quais dos
seus membros agem violentamente, seja nos estádios, nos bairros e estações em
vez de proibir toda uma torcida de entrar nos estádios. Qualquer multidão é
muito mais que uma mera soma de indivíduos. A soma das partes é diferente do
todo; já o diziam Aristóteles e Émile Durkheim. Para mim, boa parte dos episódios violentos ocorre em
situações de multidão e invisibilidade – ainda mais incitada pela ausência de
câmeras, de uma polícia devidamente especializada para clássicos futebolísticos
e pela falta de monitoramento e identificação da delinquência através de
câmeras. Ora, uma receita como essa culminaria, mais cedo ou mais tarde, numa
bomba chiando; num coquetel molotov social.
Sobre a
barbárie com os cofres públicos, trarei dois exemplos. O primeiro é do clube
Mainz 05, atualmente na Fussball-Bundesliga – a Série A do campeonato alemão.
Em 2011, o time recebeu um novo local para sediar seus jogos: a Coface Arena.
Com capacidade para 34 mil torcedores (sendo 19 mil sentados e quase 14 mil em
pé) o estádio também conta com lugares para portadores de acessibilidade e
Imprensa. A obra foi construída com 65% de estrutura pré-moldada – o que contribuiu
na agilidade e custeio de sua construção. O resultado foi de R$ 135 milhões,
bancados majoritariamente por verba privada, incluindo não só a arena, mas o
seu entorno no orçamento. Em contrapartida, você sabe quanto custou a reforma
do Maracanã em 2013? R$ 1,192 bilhões de muita verba pública! É isso mesmo;
apenas para reformar o Maracanã...
Por fim,
façamos um balanço com o segundo exemplo: qual foi a sede da última Copa do
Mundo? África do Sul. A edição do mundial deste ano será no Brasil, e o torneio
em 2018 será na Rússia e Catar, que dividirão a condição de sede. No final de
2013, a organização Transparência Mundial divulgou um ranking de corrupção
internacional. Um dos pontos principais baseados na pesquisa foi o gasto com o
dinheiro público. Quão mais próximo do escore 100, menos corrupto seria
considerado um país. No topo da pesquisa ficaram Dinamarca e Nova Zelândia,
empatadas com 91 pontos. O Brasil ficou empatado com a África do Sul na posição
72 com 42 pontos. Embora o Catar ficasse em 28º (à frente de países como
Portugal, Espanha e Israel) vale salientar a que a grande mãe Rússia
(responsável em Sochi 2013 pelos Jogos Olímpicos mais caros da história,
incluindo os de verão e os de inverno) ficou em 128º. Talvez a FIFA, uma
entidade constantemente denunciada por práticas tão corruptas queira justamente
isso: outro país corrupto para colaborar nos seus esquemas de procedência
duvidosa. Alguém disse por aí que o Japão se reconstruiria do tsunami sofrido
em 2011 antes do Brasil terminar seus estádios da Copa de 2014. Não há nenhum
absurdo em acreditar nisso!
[1] Faço aqui uma alusão a Jon Elster
com o termo trigger.
Demasiado humano, insano, barbárie! Como sempre muito pertinente todas as variações! !!!
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ResponderExcluirNão há muito o que comentar sobre o que disseram esses quatro excelentes excelentes articulistas.. Cada qual enfocando um aspecto do problema, cada qual trazendo sua luz para esclarecer essa instituição que, com o decorrer do tempo, se tornou tão cruel: as torcidas organizadas. Teoricamente, um meio encontrado pelos amantes do futebol para externar - dramaticamente, na maior parte das vezes- o amor pelo seu clube. Transformaram-se, pela ação criminosa de grupos ali infiltrados, em mais um problema dos inúmeros com que temos de lidar, nesse país em eterna busca de afirmação no concerto das nações. Um país que ainda não encontrou o seu destino, quiçá glorioso. E que segue tateando, por falta de foco, competência e direção, num labirinto sem fim. O Brasil, também neste particular, vai continuar sendo o "país do futuro", o adolescente irresponsável, eternamente acarinhado pelas vovós e mamães inconsequentes que tudo justificam, quando se trata dos seus amados "filhinhos". Faz muitos anos que penso que o futebol é apenas o que é: um jogo de interesses, de política suja (perdoem a redundância), de acobertamento de grandes, imensas, insuperáveis ladroagens, sempre a favor da "cartolagem", com a conivência de "jogadores", torcidas, patrocinadores e toda a gama de pessoas, entidades e situações que envolvem esse "esporte". Que de esporte, aliás, não tem mais quase nada. Estoicismo, preparo atlético, amor à camisa, são coisas que estacionaram no tempo. Muito tempo, dia-se de passagem. A última vez (a penúltima aconteceu no estádio do Sport, Campeonato nacional, o Sport jogando contra o Grêmio, coisa de 1973 ou 74, nenhum dos comentaristas era sequer nascido, suponho...) que compareci a um estádio foi para ver o América jogar contra o Porto, no campeonato passado, em meio a uma platéia de pouco mais de mil torcedores. Por que? Somente para fixar na retina aquela beleza vã, etérea, de ver meu time entrar em campo, da forma como o via -bem pequenino ainda, aos 5 anos de idade- quando meu pai me levava à Ilha do Retiro para assistir partidas de um futebol bem diferente desse de hoje. Uma tentativa inútil, mesmo,apagada nos dias seguintes, por fatos idênticos a esse aqui discutido, que se tornaram rotina semanal, tanto quanto a ação dos "black blocs" em protestos ditos "pacíficos" por locutores e locutoras globais imbecilizados ou adestrados. Resumindo a ópera,e pedindo desculpas pelas letras garrafais, eu grito: O FUTEBOL BRASILEIRO ASSEMELHA-SE, HOJE, AO CONTEÚDO DAS PRIVADAS ATIRADAS SOBRE A MASSA ADORMECIDA.
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