O compositor brasileiro Gilberto Mendes. Fonte: Google Imagens, |
É impressionante
como num período de menos de um mês sofremos perdas irreparáveis no mundo da Cultura.
Em 19 de dezembro, perdemos uma das maiores referências no período Romântico da
música erudita, o maestro Kurt Masur aos 88 anos. Dez dias depois (29/12), no
apagar das luzes de 2015, morre um dos últimos representantes da era jurássica
do rock, o baixista da banda Motörhead Lemmy Kilmister aos 70 anos. A esperança
que marca todo réveillon ainda reverberava em nossos corações, quando, no dia
1º, veio a notícia de que o mestre da música erudita contemporânea do Brasil, o
compositor Gilberto Mendes, havia falecido aos 93 anos. E não parou por aí: ontem
(05/01) perdemos um dos nomes mais importantes da música do século XX e a maior
referência do Serialismo Integrado, o compositor e regente Pierre Boulez aos 90
anos. E quando eu achava que já havíamos tido baixas suficientes para lamentar por
um século, eis que, ao acaso, descubro que o pianista Paul Bley faleceu em sua
casa na Flórida no domingo passado (03/01) aos 83 anos. Que obituário desolador...
O pianista Paul Bley. Fonte: Google Imagens. |
Como fica
evidente pela idade desses artistas, assistimos ao ocaso de todo um ciclo cultural
que se iniciou no século passado, deixando um legado inestimável para
humanidade, mas que chegou ao fim por descontinuidade criativa e desinteresse estético.
A mudança de paradigma nos preceitos da arte tornou a comunicação com esse manancial
artístico de outrora apenas referencial, contemplativa e saudosista, promovendo, por conseguinte, um estranho
vácuo que nos desvincula artisticamente dessa produção. E quando falo em “mudança
de paradigma”, faço referência ao modelo que até então vigorava baseado na música
como uma forma de elevação do espírito humano, de expressão de uma visão de
mundo ou como o veículo das inquietações de uma geração – o que seria o rock
senão isto?! No entanto, tal modelo foi superado pela lógica efêmera da
hibridização de arte e mercadoria, experiência estética e consumo, moda e ativismo
político-social, estilização da vida e cool,
Cultura e fun. Mais ainda: esta alteração
de perspectiva, que vem se consolidando nos últimos 30 anos, promoveu – focando
na produção musical – essa ruptura cultural com o passado e nos deixou órfãos
de referências artísticas em nossos dias e com aquela incômoda sensação de
vácuo criativo reinante.
Daí que não há
mais espaço para “ícones de aço”, artistas-farol cujas obras são dotadas de
profundidade estética e sócio-cultural a ponto de se inserirem no continuum da História de forma perene e
se consolidarem enquanto memória, marcando gerações – como fizeram estes que se
foram. Com a diluição das estruturas de pensamento unificadoras da coletividade
em infinitos nichos de apreensão do mundo e o triunfo apoteótico da sociedade do
consumo de massa, testemunhamos a destradicionalização dos bens culturais promovida
pela sistemática do fluxo contínuo de novidades, do consumo-tendência estetizado
e de um presentismo de superfície que vive no ritmo alucinado de postagens no
Twitter. Assim, exemplificando, não há mais lugar em nosso tempo para o
surgimento de um novo Paul McCartney – e me refiro não em termos de cópia
musical, mas de estatura artística. Há, isto sim, espaço, palco, holofotes e
aplausos para uma multidão de ídolos de ocasião que se sucedem infindavelmente,
desprovidos de conteúdo artístico relevante, deificados pela mídia propagadora
do hype (afinal, julgamentos
qualitativos de uma obra é hoje considerado elitista, esnobe e demodê), os
quais se diferenciam e se impõem por razões extra-arte que os capitalizam
enquanto produtos culturais rentáveis – um discurso, uma extravagância, um padrão
de comportamento, um exotismo, etc...
Por tudo isso, é
de se lamentar bastante o retorno destes ícones para o Éter e daqueles que,
ainda por aqui, em breve os seguirão no caminho irreversível da morte, pois são
eles os últimos de sua espécie, seres em extinção, representantes de um tempo
não tão distante em que a Arte se propunha fornecedora de sentido, encantamento
e transcendência ante a crueza do mundo material e as contingências sensíveis
da condição humana.
R.I.P.
Caro Bruno,
ResponderExcluirPena que o post foi antes da morte do incrível Pierre Boulez.
Grande Ângelo,
ResponderExcluirBom vê-lo por aqui. Na verdade, neste texto eu considero o falecimento do grande Boulez. Segue o trecho:
"E não parou por aí: ontem (05/01) perdemos um dos nomes mais importantes da música do século XX e a maior referência do Serialismo Integrado, o compositor e regente Pierre Boulez aos 90 anos."
Um abraço.