quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Giulio Carlo Argan e o Iluminismo Inglês - Por André Maranhão

O historiador Giulio Carlo Argan

A Itália é um estado-nacional com várias personalidades comunistas; e se algumas cidades italianas são politicamente orientadas à direita, outras são declaradamente esquerdistas. Não é à toa que em seu livro Democracia e Segredo, lançado há poucos anos, Norberto Bobbio considera a Esquerda italiana (La Sinistra) a mais expressiva da Europa. Em 1976, o Partido Comunista Italiano elegeu Giulio Carlo Argan para o cargo de prefeito da influente cidade de Roma. Porém, de modo curioso, o novo prefeito não era um político oriundo das bases sindicais ou da burocracia, mas era um dos acadêmicos e historiadores da arte mais influentes da Europa. Ao longo de sua vida, Argan colecionou aulas e textos que situaram pesquisadores durante os séculos XX / XXI, além de estudos que tratam de temas importantes para a Estética.

Dentre os escritos de Argan, suas análises sobre o Iluminismo inglês articulam habilmente as formas da arte com os conteúdos e argumentos defendidos pelos próprios artistas daquele período. Durante os séculos XVI-XVII, a Inglaterra teve uma escola filosófica e literária mais expressiva do que sua pintura. Se comparadas às da Holanda, França e Itália, as telas inglesas não preenchiam os espaços artísticos com tanto impacto; e além de importar as suas pinturas, os ingleses não prestigiavam tanto o ofício do pintor quanto os holandeses, franceses e italianos. Aliás, mais nobre e digno para uma inglês era consumir ou comprar, em vez de criar, uma pintura. Segundo Argan, tal realidade só começou a mudar no século XVIII, quando o norte da cultura artística passou das mãos da aristocracia para a burguesia. Em outros termos, pode-se dizer que os burgueses não tinham receio de “sujar as mãos” para fazer arte, como também não tiveram cerimônias em valorizar o estudo da arte em vez de apenas comprá-la. Portanto, a pintura iluminista também abriu as portas para a figura do “conhecedor” em vez de apenas prestigiar um mero “comprador” de um quadro.

O Iluminismo inglês reconheceu a importância dos cânones italianos para a composição da arte, ao mesmo tempo em que destacou os mestres holandeses e os seus temas burgueses / não religiosos na composição de seus quadros. Neste ponto, era importante imitar os mestres, mas imitar não era necessariamente copiar:


  
À esquerda temos a estátua em mármore de Apolo Belvedere, finalizada em 1511, e pertencente ao Museu do Vaticano – enquanto à direita, encontramos o Honorável Capitão Augustus Keppel; pintado por Joshua Reynolds, em 1753. Vários artistas ingleses começaram a escrever tratados sobre a arte influenciados por temas filosóficos. Reynolds argumentava que a criação artística não resultaria de uma inspiração sobrenatural, como também sustentava que o próprio exercício da crítica de arte levaria o ser humano à ação artística. Segundo esta perspectiva, embora a figura do gênio ainda existisse, as suas condições de existência pareciam bem diferentes, pois a arte se tornou um espaço tanto para gênios quanto para diletantes formados pelo gosto:

“A arte é e permanece invenção; mas, se ela não nasce do nada, é inútil tentar inventar sem antes ter recolhido uma grande quantidade de material. É verdade que a arte é produto do gênio; mas o gênio não é distinto do gosto senão por ser relacionado ao fazer, e não ao julgar; e se o gosto não tem origem sobrenatural, mas é formado pela educação, o gênio também se forma e amadurece na experiência (...). O gênio-gosto não pertence apenas ao artista, mas a todos que receberam uma determinada educação: se essa faculdade, quando assume o nome de gênio, estimula a fazer arte, não se entende por que essa permaneceria inerte quando assume o nome de gosto” (ARGAN, 2010, p. 24-34).

Muito antes do conceito de sublime, tão caro ao Romantismo e Idealismo alemão, a pintura iluminista da Inglaterra já se valera da noção de pictórico, combinada com a definição de argúcia (wit). E mesmo antes que artistas como William Hogarth e William Blake movessem esses termos em seus discursos, a ideia de argúcia já surgira na própria filosofia britânica, quando Thomas Hobbes, John Locke, George Berkeley e David Hume já a definiam como a “velocidade da imaginação”; e a “sequência rápida de uma ideia à outra”. O que a poética inglesa fez foi reconhecer a beleza dispersa na Natureza, nas paisagens, nos cenários da vida social. E neste sentido, a tarefa do artista seria a de organizar essas belezas em sua tela, mais uma vez as imitando, e não as copiando.



A tela de William Hogarth, O Pintor e Seu Pug (1745) obviamente imita algo da Natureza, mas o traço do pintor é intencionalmente embaçado, pois a pintura não significaria mais o antigo esforço em ser fidedigna aos objetos contemplados pelo artista. Analogamente, o cão está borrado na tela. A paleta do pintor contém a inscrição The Line of Beauty; mas de maneira irônica, a Linha da Beleza é uma curva. O pintor se pinta diante do espelho, e traz consigo seu traje, tão composto de curvas quanto a Linha da Beleza. Tão curioso quanto isso, é saber que as criações de Hogarth foram lançadas muito antes dos quadros impressionistas da França!

Argan demonstrou que no século XIX, a pintura iluminista da Inglaterra começou a declinar, na medida em que os Pré-Rafaelitas surgiam, advogando um retorno à pureza da vida e temas religiosos. Mesmo assim, vários artistas importantíssimos e posteriores beberiam de fontes dos iluministas ingleses: Goya teve contato com a pintura de Gainsborough; Delacroix conheceu os trabalhos de Bonington. Não menos importante, os ingleses contribuíram bastante para a renovação da estética francesa, até então bastante marcada pela influência das formas e temas de Grécia e Roma Antigas, além do Neoclássico. Um grande poeta francês como Charles Baudelaire, formou boa parte de seu repertório artístico sob a influência da pintura iluminista inglesa. Se a noção de pitoresco na Inglaterra foi capaz de aliar a beleza natural com a argúcia do pintor e o seu entorno; posteriormente a tudo isso, Baudelaire definiria a Modernidade como “o transitório, o efêmero, o contingente” (2007) – e onde o artista moderno deveria ser capaz de pintar e captar essa transitoriedade, efemeridade, contingência; imprimindo sobre ela o seu ar de eternidade.

REFERÊNCIAS

ARGAN, G. C. A arte moderna na Europa: de Hogarth a Picasso. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade: o pintor da vida moderna. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

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