Na coluna deste mês, os editores do
blog comentam o disco de estreia da banda Dônica, “Continuidade dos Parques”.
Boa leitura!
- Giba Carvalho:
Calma, senhores! Muita calma! É exatamente
isto que peço aos leitores e futuros ouvintes de “Continuidade dos Parques”, o
primeiro trabalho da Dônica. A banda é formada por Zé Ibarra (vocal e teclados),
Lucas Nunes (guitarra), André Almeida (bateria), Miguel Guimarães (baixo) e Tom
Veloso (violão). É justamente por este último nome que já podemos abrir um
pouco o leque sobre a fama repentina dos garotos. Tom Veloso é filho de Caetano
Veloso e principal compositor da banda (assina 9 das 11 músicas do disco). No
entanto, não participa das apresentações ao vivo do grupo, tornando-se um mero
espectador. Estranho? Confesso que sim.
Apadrinhada por Milton Nascimento (que
participa na canção – Pintor no Álbum)
a Dônica surge no mercado nacional como salvação e está muito longe disso. O
apadrinhamento por parte de grandes artistas é muito mais normal do que se possa
imaginar. Notadamente, a partir dos anos 70, tais atitudes tornaram-se mais
corriqueiras. Nada que se compare ao efetuado por Caetano e Chico Buarque na
década de 80, quando levaram várias bandas do dito rock nacional a diversos
programas de televisão da época e, principalmente, a Gilberto Gil quando
“afirmou categoricamente” ter descoberto Chico Science & Nação Zumbi nos
anos 90. Basta um pouco de curiosidade para sabermos que a verdadeira história
foi bastante diferente disto e afirmação do compositor baiano não passou de
mais uma grande jogada oportunista ao perceber o potencial dos pernambucanos.
E, não poderia esquecer, do próprio Milton Nascimento e sua parceria pífia com
o RPM nos anos 80 de onde surgiram essas “duas belezuras”:
É óbvio que seria injusto de minha parte comentar o trabalho dos rapazes do Dônica unicamente pelo apadrinhamento. Mas, que isto é um imenso diferencial, é fato. Por exemplo – pouco antes do lançamento do álbum, já saiu na imprensa que os rapazes estavam num “retiro” para composição do primeiro álbum (???) e que dariam entrevistas por email para não atrapalhar o processo. Questiono: “Qual outra banda iniciante teria tanto espaço na mídia se este fato não fosse tão relevante? ” E depois de ouvir o produto final afirmo – “Muita frescura para pouco resultado. ” É bem verdade que os rapazes tocam bem. Mas de que adianta tocar bem se suas letras não dizem absolutamente NADA? Os arranjos são um emaranhado de inúmeras vertentes e, de tão misturados, não formam a personalidade própria para o grupo. Soma-se a isto o que já havia comentado num texto anterior sobre Mallu Magalhães: atualmente os artefatos tecnológicos fazem com que qualquer Zé Mané possa gravar um disco. No caso específico da Dônica me parece que uma banda jovem (como inúmeras outras), que faz um som café com leite (ainda) e que vem recebendo atenção (que não merece) pelos laços sanguíneos.
Torço, honestamente, para que
futuramente não tenha que ler declarações pretensiosas como esta: “Ser rock
progressivo é ser tanta coisa diferente ao mesmo tempo. Ele junta as aventuras
psicodélicas à harmonia do jazz, aos timbres da música eletrônica, ao metal, ao
folk e a inumeráveis mais estilos''. Até porque, trata-se apenas de uma
banda iniciante, em busca de sua personalidade (espero honestamente que
estejam), que não diz quase nada no primeiro trabalho (fora o fato de tocarem
bem seus instrumentos) e que visivelmente pulou etapas na
sua formação.
Por outro lado, é um prato cheio para
os cabeçóides que afirmam ser fãs do Clube da Esquina e na verdade não sabem
nem o que de fato foi “O Clube”. E o que ele representa para a música mineira e
brasileira.
- Rógeres Bessoni:
Ouvir o trabalho de uma banda estreante
sempre produz uma indagação, para mim, instigante: será a banda efetivamente
nova, ou trata-se de uma banda apenas recente, mas que não conseguirá transpor
os territórios já conhecidos? Ouvir o primeiro trabalho de Dônica me deixou com
uma sensação dúbia, misto de muito prazer e gratidão pela nossa herança musical
recente, do Brasil e de fora, com o incômodo de estar tendo um prolongado déjà vu. Trata-se de um trabalho
indiscutivelmente bem tocado (embora os vocais não convençam nem empolguem
tanto) - talvez seja a melhor banda brasileira que ouvi nos últimos anos em
matéria de qualidade instrumental. Significa muita bagagem o fato de os caras,
todos muito jovens, entrarem de cabeça com um som tão bem construído. Mas uma
angústia me acompanhou ao longo de todo o disco. Uma agonia por, de fato,
parecer que não vamos nunca conseguir sair dos anos 70. Não me restaram dúvidas
de que os integrantes gostam de muitas das músicas e bandas que eu também
gosto. São inúmeras referências vindas do progressivo – aliás, é muito bom
ouvir um trabalho de tão bom progressivo saindo da uma galera tão nova -,
muitos elementos dos melhores músicos e dos melhores cantores brasileiros dos
anos 60 e 70. Mas em diversos momentos o som é “tão” Clube da Esquina (por
exemplo) que pra mim vai muito além da referência e mesmo da releitura: soa
como uma repetição, mesmo, repetição de padrões que já foram
extraordinariamente bem realizados pelos seus criadores.
Eu sei muito bem como é difícil
conservar a essência mas se livrar do formato de todas as suas influências logo
nos primeiros voos. A vontade de “ter feito aquela canção” pode facilmente se
converter na armadilha de fazer uma canção que é praticamente “aquela”. No afã
de tocar tudo o que se gosta, corre-se o risco de aplicar grande talento na
repetição dos modelos cunhados pelos mestres. Se é possível ouvir em Praga (disparado a melhor do álbum)
elementos que me lembraram Lô Borges, Jethro Tull (Thick as a Brick, mais especificamente) e Genesis, vejo a banda,
por enquanto, com muito potencial para o novo, mas ainda precisando atravessar
alguns ritos de passagem, talvez. Ou, quem sabe, precisem simplesmente ter
vontade, se precipitar na fúria criativa, assumir a coragem de “não ter nada a
ver com a linha evolutiva da música popular brasileira”, com fez Raul, abrir
mão da zona de conforto e dos elogios fáceis dos saudosos. A matéria prima é da
melhor qualidade, mas por enquanto só demonstram o que aprenderam (e foi bem
aprendido). Seria muito bom que a banda se mantivesse agregada e amadurecesse
na estrada, que ganhasse peso (não necessariamente no som, mas isso também
seria bem-vindo), que aprimorasse as letras e os vocais e se dispusesse a
traumatizar as expectativas. Sobretudo, faço votos de que os caras envelheçam
tocando, que ganhem peso existencial, porque esse talento, associado a
densidade e ousadia revolucionária, pode render coisas realmente preciosas para
nossa música sul-americana.
- Bruno Vitorino:
Dônica. Nunca tinha ouvido falar dessa
banda, jamais tinha escutado o que quer que seja que tocassem, mas já não
gostava dela. E não era um não gostar superficial, que se esquece facilmente numa
primeira distração. Porra nenhuma! Era uma antipatia contundente e irracional que
se materializava diante de mim como uma obrigação moral imposta pela
Providência, canalizando toda a rabugice de minha alma precocemente senil e ranzinza.
Mas, a culpa era só minha, inteiramente minha. Os meninos nada tinham a ver com
minhas escolhas. No caso, uma má. O fato é que tomei conhecimento da existência
da banda, de bobeira, ao ler uma matéria terrível do Jornal do Commércio
entitulada “Banda do filho caçula de Caetano Veloso, Dônica cria um novo Clube da Esquina”. “Puta que pariu!”, lembro de ter mentalmente exclamado. Mais uma
banda de “filhos de” que se vale do capital social da linhagem célebre para se promover
no mercado e se lançar como a mais nova sensação redentora do momento. Paciência,
como você pode perceber, leitor, não é uma de minhas virtudes. Enfim, li o
texto, prometi a mim mesmo, de joelhos no milho, que jamais voltaria a ler qualquer
caderno de cultura dos jornais recifenses, e deixei que o tempo apagasse de
minha memória a contrariedade que tive.
Meses depois, chego em casa cansado do
trabalho, querendo apenas me jogar no sofá e não pensar em nada. Ligo a TV. Primeiro
dia do Rock In Rio. Banda de abertura: Dônica. “Taí uma boa oportunidade de
conferir”, pensei. E que surpresa! Vi uns pirralhos de, no máximo, 20 anos de
idade apresentando canções com uma riqueza tão inesperada que não consegui
desviar minha atenção. Havia melodias de desenhos interessantes, progressões de
acordes que denunciavam um conhecimento de harmonia funcional além do básico
(IIm7 – V7 – Imaj7) e muita pesquisa, letras que buscavam se reconectar ao que existe
de melhor no cancioneiro popular do país e uma curiosa mistura de empolgação
adolescente, domínio de palco e medo ante a responsabilidade de dar o pontapé
inicial numa megafranquia da indústria do espetáculo - o Rock in Rio é mais do
que um festival, é uma marca, beleza?. Ri alto. Lembrei da matéria que tinha
lido e pensei, sem qualquer espanto, como os críticos daqui têm a capacidade de
enaltecer o irrelevante e de negligenciar o fundamental. Talvez porque muitos
deles – dizer “todos” seria uma crueldade incompatível com a modéstia que rege
meus modos –, não sabendo a diferença entre nota e acorde, jogam suas
impressões superficiais baseadas em achismos sobre os textos pré-formatados que
as assessorias de comunicação dos artistas mandam, a preço de ouro, para as
redações dos periódicos. Ao invés de análises estéticas, problematizações e
apontamentos interessantes sobre o trabalho artístico, recebemos dos jornais um
guia de consumo que mistura informação, entretenimento e tendências. Mas,
voltado à apresentação da Dônica, fiquei ainda mais pasmado com a qualidade
dos meninos enquanto músicos, a destreza que demonstravam ter no manuseio de seus
instrumentos e a capacidade que tinham de se comunicar no mundo objetivo da
forma musical. Era de botar muito marmanjo com anos de estrada no bolso. O
jovem Miguel Guimarães tocando um Fender Jazz Bass Jaco Pastorius, fretless, com desenvoltura e segurança,
construindo belas linhas, deu-me mais do que alegria: esperança. Tudo bem que
eu acabei dormindo no meio de Pintor...
Mas vamos por a culpa no cansaço acumulado da semana.
“Continuidade dos Parques”, disco de
estreia da Dônica, traz um bocado do que vi ao vivo pela tevê, contudo a suposta vantagem do ambiente controlado do estúdio fez com que aquela espontaneidade
do palco se perdesse em lufadas de “egolombra” e intelectualidade nonsense. Talvez por causa do afã em se
mostrarem artisticamente maduros, por conta da ímpeto em registrar, sem filtro,
todas as idéias que tinham para uma canção ou até devido à necessidade de
aderirem à lógica do “cabeça não convencional”, o disco termina por cair numa
redoma jovem-cult meio irritante. E
quando Milton Nascimento, o amigo de papai, aparece justamente em Pintor consigo até mesmo ouvir os suspiros
mais enternecidos, ver as faces mais lânguidas de poesia e encantamento. De qualquer forma, é um disco de estreia promissor. E se considerarmos que são apenas
crianças, podemos ainda torcer para que a Dônica não se deixe levar pelo oba-oba
delirante de mídia e público e revele todo o potencial que demonstrou ter de
cara. É apenas uma questão de ter calma, focar na música e superar seu esforço
um tanto quanto forçado em parecer setentista.
Avante, gurizada!
- André Maranhão:
O
primeiro álbum da banda Dônica, “Continuidade dos Parques”, emerge como um
trabalho feito por jovens entre 18 e 20 anos que estudaram juntos na Escola
Parque do Rio de Janeiro. A pouca idade (em termos cronológicos) de seus
integrantes, de modo algum diminui a importância de suas musicalidades. Por
sinal, os rapazes conseguem imprimir um som tecnicamente seguro, demonstrando
uma excelente consciência harmônica e uma boa capacidade de nos conduzir para
bons percursos melódicos, referendados por suas ligações com o rock progressivo
e matizes emepebistas, muito patentes no disco.
Algumas
vezes o som de Dônica pode parecer incomunicável e por demais intelectualista;
condição que levou o próprio Caetano Veloso (pai de um dos integrantes do grupo)
afirmar que a música deles tinha “muitos acordes” e era “complicada”. Por outro
lado, creio que essa complexidade no disco não é algo ruim no trabalho, mas um
ponto válido a ser lapidado, sobretudo se lembrarmos do quão a nova safra da
MPB e da música alternativa brasileira tem sido protagonizada por uma legião de
artistas ingênuos e superficiais. Não bastasse, ninguém menos do que Milton
Nascimento apadrinhou a banda!
Para
cumprir a ordem do disco, meus primeiros destaques vão para É Oficial e Casa 180, cujos timbres estão centrados na interessante habilidade
pianística de José Ibarra (também presente na instrumental Inverno) e em cores que podem sugerir um contato profícuo com a
música mineira do Clube da Esquina. A última faixa do disco, Assuntos Bons, além de sutil, parece
acenar para a influência de Caetano, onde Tom Veloso importa o aspecto do
violão de náilon e o som eletroacústico, fundido por guitarras distorcidas e
percussões, em uma sonoridade muito bem encaixada. “Continuidade dos Parques” é
um disco bom e que marca acento para uma turma bastante promissora.
- Fernando Lucchesi:
É
fato que a banda ganhou notoriedade em virtude da presença do filho mais novo
de Caetano Veloso (assim mesmo, apenas como compositor, pois ele raramente
participa das apresentações ao vivo). O fato é que não encontrar influência de
Caetano Veloso nas atuais bandas de pop/rock é difícil. Há uma clara influência
do compositor baiano. Influências à parte a que mais se sobressai no som da
banda é a do Clube da Esquina. Além disso, há muita referência e reverência ao
rock progressivo setentista.
O
disco abre com a interessante Casa 180,
uma mistura de Morais Moreira cantando com harmonias do Clube da Esquina e um
refrão bem pegajoso. Bicho Burro
segue a mesma linha. O maior problema do disco é que as músicas, em sua
maioria, são muito parecidas. Dá a impressão de que se você ouvir duas ou três
músicas ouviu o disco todo. Outro ponto negativo são as músicas longas demais
com solos que trazem o pior do rock progressivo e tornam maçante o som (Retorno para Cotegipe, Praga e Inverno estão nessa classificação). Carrosel parece ser a faixa que melhor exprime a ideia do grupo,
com sua melodia envolvente e muito bem estruturada.
Trata-se de um disco de estreia muito bem executado tecnicamente, mas com ideias musicais ainda confusas.
Trata-se de um disco de estreia muito bem executado tecnicamente, mas com ideias musicais ainda confusas.
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