domingo, 6 de dezembro de 2015

Variações em 5/4: Continuidade dos Parques




Na coluna deste mês, os editores do blog comentam o disco de estreia da banda Dônica, “Continuidade dos Parques”.

Boa leitura!


- Giba Carvalho:

Calma, senhores! Muita calma! É exatamente isto que peço aos leitores e futuros ouvintes de “Continuidade dos Parques”, o primeiro trabalho da Dônica. A banda é formada por Zé Ibarra (vocal e teclados), Lucas Nunes (guitarra), André Almeida (bateria), Miguel Guimarães (baixo) e Tom Veloso (violão). É justamente por este último nome que já podemos abrir um pouco o leque sobre a fama repentina dos garotos. Tom Veloso é filho de Caetano Veloso e principal compositor da banda (assina 9 das 11 músicas do disco). No entanto, não participa das apresentações ao vivo do grupo, tornando-se um mero espectador. Estranho? Confesso que sim.    

Apadrinhada por Milton Nascimento (que participa na canção – Pintor no Álbum) a Dônica surge no mercado nacional como salvação e está muito longe disso. O apadrinhamento por parte de grandes artistas é muito mais normal do que se possa imaginar. Notadamente, a partir dos anos 70, tais atitudes tornaram-se mais corriqueiras. Nada que se compare ao efetuado por Caetano e Chico Buarque na década de 80, quando levaram várias bandas do dito rock nacional a diversos programas de televisão da época e, principalmente, a Gilberto Gil quando “afirmou categoricamente” ter descoberto Chico Science & Nação Zumbi nos anos 90. Basta um pouco de curiosidade para sabermos que a verdadeira história foi bastante diferente disto e afirmação do compositor baiano não passou de mais uma grande jogada oportunista ao perceber o potencial dos pernambucanos. E, não poderia esquecer, do próprio Milton Nascimento e sua parceria pífia com o RPM nos anos 80 de onde surgiram essas “duas belezuras”:






É óbvio que seria injusto de minha parte comentar o trabalho dos rapazes do Dônica unicamente pelo apadrinhamento. Mas, que isto é um imenso diferencial, é fato. Por exemplo – pouco antes do lançamento do álbum, já saiu na imprensa que os rapazes estavam num “retiro” para composição do primeiro álbum (???) e que dariam entrevistas por email para não atrapalhar o processo. Questiono: “Qual outra banda iniciante teria tanto espaço na mídia se este fato não fosse tão relevante? ” E depois de ouvir o produto final afirmo – “Muita frescura para pouco resultado. ” É bem verdade que os rapazes tocam bem. Mas de que adianta tocar bem se suas letras não dizem absolutamente NADA? Os arranjos são um emaranhado de inúmeras vertentes e, de tão misturados, não formam a personalidade própria para o grupo. Soma-se a isto o que já havia comentado num texto anterior sobre Mallu Magalhães: atualmente os artefatos tecnológicos fazem com que qualquer Zé Mané possa gravar um disco. No caso específico da Dônica me parece que uma banda jovem (como inúmeras outras), que faz um som café com leite (ainda) e que vem recebendo atenção (que não merece) pelos laços sanguíneos.

Torço, honestamente, para que futuramente não tenha que ler declarações pretensiosas como esta: “Ser rock progressivo é ser tanta coisa diferente ao mesmo tempo. Ele junta as aventuras psicodélicas à harmonia do jazz, aos timbres da música eletrônica, ao metal, ao folk e a inumeráveis mais estilos''. Até porque, trata-se apenas de uma banda iniciante, em busca de sua personalidade (espero honestamente que estejam), que não diz quase nada no primeiro trabalho (fora o fato de tocarem bem seus instrumentos) e que visivelmente pulou etapas na sua formação.

Por outro lado, é um prato cheio para os cabeçóides que afirmam ser fãs do Clube da Esquina e na verdade não sabem nem o que de fato foi “O Clube”. E o que ele representa para a música mineira e brasileira.


- Rógeres Bessoni:

Ouvir o trabalho de uma banda estreante sempre produz uma indagação, para mim, instigante: será a banda efetivamente nova, ou trata-se de uma banda apenas recente, mas que não conseguirá transpor os territórios já conhecidos? Ouvir o primeiro trabalho de Dônica me deixou com uma sensação dúbia, misto de muito prazer e gratidão pela nossa herança musical recente, do Brasil e de fora, com o incômodo de estar tendo um prolongado déjà vu. Trata-se de um trabalho indiscutivelmente bem tocado (embora os vocais não convençam nem empolguem tanto) - talvez seja a melhor banda brasileira que ouvi nos últimos anos em matéria de qualidade instrumental. Significa muita bagagem o fato de os caras, todos muito jovens, entrarem de cabeça com um som tão bem construído. Mas uma angústia me acompanhou ao longo de todo o disco. Uma agonia por, de fato, parecer que não vamos nunca conseguir sair dos anos 70. Não me restaram dúvidas de que os integrantes gostam de muitas das músicas e bandas que eu também gosto. São inúmeras referências vindas do progressivo – aliás, é muito bom ouvir um trabalho de tão bom progressivo saindo da uma galera tão nova -, muitos elementos dos melhores músicos e dos melhores cantores brasileiros dos anos 60 e 70. Mas em diversos momentos o som é “tão” Clube da Esquina (por exemplo) que pra mim vai muito além da referência e mesmo da releitura: soa como uma repetição, mesmo, repetição de padrões que já foram extraordinariamente bem realizados pelos seus criadores.

Eu sei muito bem como é difícil conservar a essência mas se livrar do formato de todas as suas influências logo nos primeiros voos. A vontade de “ter feito aquela canção” pode facilmente se converter na armadilha de fazer uma canção que é praticamente “aquela”. No afã de tocar tudo o que se gosta, corre-se o risco de aplicar grande talento na repetição dos modelos cunhados pelos mestres. Se é possível ouvir em Praga (disparado a melhor do álbum) elementos que me lembraram Lô Borges, Jethro Tull (Thick as a Brick, mais especificamente) e Genesis, vejo a banda, por enquanto, com muito potencial para o novo, mas ainda precisando atravessar alguns ritos de passagem, talvez. Ou, quem sabe, precisem simplesmente ter vontade, se precipitar na fúria criativa, assumir a coragem de “não ter nada a ver com a linha evolutiva da música popular brasileira”, com fez Raul, abrir mão da zona de conforto e dos elogios fáceis dos saudosos. A matéria prima é da melhor qualidade, mas por enquanto só demonstram o que aprenderam (e foi bem aprendido). Seria muito bom que a banda se mantivesse agregada e amadurecesse na estrada, que ganhasse peso (não necessariamente no som, mas isso também seria bem-vindo), que aprimorasse as letras e os vocais e se dispusesse a traumatizar as expectativas. Sobretudo, faço votos de que os caras envelheçam tocando, que ganhem peso existencial, porque esse talento, associado a densidade e ousadia revolucionária, pode render coisas realmente preciosas para nossa música sul-americana.


- Bruno Vitorino:

Dônica. Nunca tinha ouvido falar dessa banda, jamais tinha escutado o que quer que seja que tocassem, mas já não gostava dela. E não era um não gostar superficial, que se esquece facilmente numa primeira distração. Porra nenhuma! Era uma antipatia contundente e irracional que se materializava diante de mim como uma obrigação moral imposta pela Providência, canalizando toda a rabugice de minha alma precocemente senil e ranzinza. Mas, a culpa era só minha, inteiramente minha. Os meninos nada tinham a ver com minhas escolhas. No caso, uma má. O fato é que tomei conhecimento da existência da banda, de bobeira, ao ler uma matéria terrível do Jornal do Commércio entitulada “Banda do filho caçula de Caetano Veloso, Dônica cria um novo Clube da Esquina”. “Puta que pariu!”, lembro de ter mentalmente exclamado. Mais uma banda de “filhos de” que se vale do capital social da linhagem célebre para se promover no mercado e se lançar como a mais nova sensação redentora do momento. Paciência, como você pode perceber, leitor, não é uma de minhas virtudes. Enfim, li o texto, prometi a mim mesmo, de joelhos no milho, que jamais voltaria a ler qualquer caderno de cultura dos jornais recifenses, e deixei que o tempo apagasse de minha memória a contrariedade que tive.

Meses depois, chego em casa cansado do trabalho, querendo apenas me jogar no sofá e não pensar em nada. Ligo a TV. Primeiro dia do Rock In Rio. Banda de abertura: Dônica. “Taí uma boa oportunidade de conferir”, pensei. E que surpresa! Vi uns pirralhos de, no máximo, 20 anos de idade apresentando canções com uma riqueza tão inesperada que não consegui desviar minha atenção. Havia melodias de desenhos interessantes, progressões de acordes que denunciavam um conhecimento de harmonia funcional além do básico (IIm7 – V7 – Imaj7) e muita pesquisa, letras que buscavam se reconectar ao que existe de melhor no cancioneiro popular do país e uma curiosa mistura de empolgação adolescente, domínio de palco e medo ante a responsabilidade de dar o pontapé inicial numa megafranquia da indústria do espetáculo - o Rock in Rio é mais do que um festival, é uma marca, beleza?. Ri alto. Lembrei da matéria que tinha lido e pensei, sem qualquer espanto, como os críticos daqui têm a capacidade de enaltecer o irrelevante e de negligenciar o fundamental. Talvez porque muitos deles – dizer “todos” seria uma crueldade incompatível com a modéstia que rege meus modos –, não sabendo a diferença entre nota e acorde, jogam suas impressões superficiais baseadas em achismos sobre os textos pré-formatados que as assessorias de comunicação dos artistas mandam, a preço de ouro, para as redações dos periódicos. Ao invés de análises estéticas, problematizações e apontamentos interessantes sobre o trabalho artístico, recebemos dos jornais um guia de consumo que mistura informação, entretenimento e tendências. Mas, voltado à apresentação da Dônica, fiquei ainda mais pasmado com a qualidade dos meninos enquanto músicos, a destreza que demonstravam ter no manuseio de seus instrumentos e a capacidade que tinham de se comunicar no mundo objetivo da forma musical. Era de botar muito marmanjo com anos de estrada no bolso. O jovem Miguel Guimarães tocando um Fender Jazz Bass Jaco Pastorius, fretless, com desenvoltura e segurança, construindo belas linhas, deu-me mais do que alegria: esperança. Tudo bem que eu acabei dormindo no meio de Pintor... Mas vamos por a culpa no cansaço acumulado da semana.

“Continuidade dos Parques”, disco de estreia da Dônica, traz um bocado do que vi ao vivo pela tevê, contudo a suposta vantagem do ambiente controlado do estúdio fez com que aquela espontaneidade do palco se perdesse em lufadas de “egolombra” e intelectualidade nonsense. Talvez por causa do afã em se mostrarem artisticamente maduros, por conta da ímpeto em registrar, sem filtro, todas as idéias que tinham para uma canção ou até devido à necessidade de aderirem à lógica do “cabeça não convencional”, o disco termina por cair numa redoma jovem-cult meio irritante. E quando Milton Nascimento, o amigo de papai, aparece justamente em Pintor consigo até mesmo ouvir os suspiros mais enternecidos, ver as faces mais lânguidas de poesia e encantamento. De qualquer forma, é um disco de estreia promissor. E se considerarmos que são apenas crianças, podemos ainda torcer para que a Dônica não se deixe levar pelo oba-oba delirante de mídia e público e revele todo o potencial que demonstrou ter de cara. É apenas uma questão de ter calma, focar na música e superar seu esforço um tanto quanto forçado em parecer setentista.

Avante, gurizada!


- André Maranhão:

O primeiro álbum da banda Dônica, “Continuidade dos Parques”, emerge como um trabalho feito por jovens entre 18 e 20 anos que estudaram juntos na Escola Parque do Rio de Janeiro. A pouca idade (em termos cronológicos) de seus integrantes, de modo algum diminui a importância de suas musicalidades. Por sinal, os rapazes conseguem imprimir um som tecnicamente seguro, demonstrando uma excelente consciência harmônica e uma boa capacidade de nos conduzir para bons percursos melódicos, referendados por suas ligações com o rock progressivo e matizes emepebistas, muito patentes no disco.

Algumas vezes o som de Dônica pode parecer incomunicável e por demais intelectualista; condição que levou o próprio Caetano Veloso (pai de um dos integrantes do grupo) afirmar que a música deles tinha “muitos acordes” e era “complicada”. Por outro lado, creio que essa complexidade no disco não é algo ruim no trabalho, mas um ponto válido a ser lapidado, sobretudo se lembrarmos do quão a nova safra da MPB e da música alternativa brasileira tem sido protagonizada por uma legião de artistas ingênuos e superficiais. Não bastasse, ninguém menos do que Milton Nascimento apadrinhou a banda!

Para cumprir a ordem do disco, meus primeiros destaques vão para É Oficial e Casa 180, cujos timbres estão centrados na interessante habilidade pianística de José Ibarra (também presente na instrumental Inverno) e em cores que podem sugerir um contato profícuo com a música mineira do Clube da Esquina. A última faixa do disco, Assuntos Bons, além de sutil, parece acenar para a influência de Caetano, onde Tom Veloso importa o aspecto do violão de náilon e o som eletroacústico, fundido por guitarras distorcidas e percussões, em uma sonoridade muito bem encaixada. “Continuidade dos Parques” é um disco bom e que marca acento para uma turma bastante promissora.


- Fernando Lucchesi:         

É fato que a banda ganhou notoriedade em virtude da presença do filho mais novo de Caetano Veloso (assim mesmo, apenas como compositor, pois ele raramente participa das apresentações ao vivo). O fato é que não encontrar influência de Caetano Veloso nas atuais bandas de pop/rock é difícil. Há uma clara influência do compositor baiano. Influências à parte a que mais se sobressai no som da banda é a do Clube da Esquina. Além disso, há muita referência e reverência ao rock progressivo setentista.

O disco abre com a interessante Casa 180, uma mistura de Morais Moreira cantando com harmonias do Clube da Esquina e um refrão bem pegajoso. Bicho Burro segue a mesma linha. O maior problema do disco é que as músicas, em sua maioria, são muito parecidas. Dá a impressão de que se você ouvir duas ou três músicas ouviu o disco todo. Outro ponto negativo são as músicas longas demais com solos que trazem o pior do rock progressivo e tornam maçante o som (Retorno para Cotegipe, Praga e Inverno estão nessa classificação). Carrosel parece ser a faixa que melhor exprime a ideia do grupo, com sua melodia envolvente e muito bem estruturada.

Trata-se de um disco de estreia muito bem executado tecnicamente, mas com ideias musicais ainda confusas.


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