domingo, 3 de março de 2013

Variações em 5/4: Django Livre


Nesta segunda edição da coluna “Variações em 5/4”, os editores comentam “Django Livre”, o mais recente filme de Quentin Tarantino.


- Dom Ângelo:

Dando continuidade a uma filmografia de sucesso como diretor e roteirista, Quentin Tarantino sem dúvida já entrou no time dos monstros sagrados da história do cinema mundial. Seguindo uma linha de trabalho que preza qualidade e não quantidade, a exemplo de Kubrick, Fellini e Scorsese para citar alguns nomes, podemos dizer que Tarantino mantém um padrão altíssimo de talento em sua obra. Fã inveterado de filmes Spaguetti Western[1], Wuxia[2], Noir[3] e de filmes Blaxploitation[4], sua arte é uma brincadeira de recortes e colagens de várias influências estéticas do mundo das artes visuais.

Vejo Tarantino mais como um artista que consegue cruzar, misturar e ao mesmo tempo harmonizar influências completamente distintas umas das outras, beirando de fato uma certa genialidade por causa disso. Porém sua característica marcante é a de trazer mais a tona sua natureza como apreciador da arte do que propriamente como criador, celebrando e homenageando padrões estéticos de sua infância (Tarantino nasceu em 1963). A prova dessas homenagens estão inclusive nos títulos de dois de seus filmes. Um seria do filme noir britânico de 1972 estrelado por Michael Caine chamado Pulp. O outro agora, Django, remete a um dos spaguetti westerns que teve muitas sequências, sendo o original estrelado pelo ator Franco Nero em 1966.

Em seu novo filme intitulado Django Unchained, Tarantino coloca o poder mais uma vez na mão dos fracos e oprimidos. Já teve mulher violentada que virou heroína (Kill Bill), negro de classe baixa que ficou rico (Jackie Brown), Judeus metralhando nazistas (Bastardos Inglórios) e agora escravo explodindo casa de aristocrata rico do sul dos Estados Unidos. Apesar de tudo, é sensacional a forma em que são usados esses clichês intencionais e metafóricos. Na verdade, Tarantino realiza pela tela do cinema os mais profundos desejos de revolta e vingança entranhados no inconsciente da raça humana, causando uma sensação de alívio e dever cumprido, apesar de toda violência visual. Por outro lado, achei importante o diretor ter se redimido do simbólico de ter colocado um bando de alemães nazista dentro de uma sala, metralhando e incêndiando a mesma (Bastardos Inglórios). Pois dessa vez um dos heróis do filme e talvez o mais importante é um alemão. Diga-se de passagem mais uma vez uma excelente atuação do ator Christoph Waltz.

Django é um filme relativamente longo (2h e 45min), mas não cansa. Pode ser considerado sim um filme de faroeste, mas com uma nova linguagem visual, novos heróis, outras trilhas sonoras (apesar da participação de Enio Morricone) e um novo tipo de violência. A dita violência explícito-cômica (relativamente parecida com as utilizadas nos Wuxia). No mais, é um bom filme (mas, não ganhou o Oscar). Me diverti muito assistindo-o. Indico a todos. Escravatura foi uma das coisas mais absurdas que aconteceram na história. Racismo é uma das maiores estupidez da mente humana.

- Fernando Lucchesi:         

Um dos cineastas mais cultuados da atualidade, Quentin Tarantino estabeleceu um novo padrão para contar estórias repletas de violência gráfica, digna dos filmes de Peckinpah, entremeadas com diálogos afiadíssimos sobre cultura pop. Seu mais novo filme “Django Livre” retoma algo próximo do seu último, “Bastardos Inglórios”, uma estória em que a vingança é o tema principal, dentro de um determinado período histórico, nesse caso a época da escravidão americana.

Mais uma vez, Tarantino acerta em cheio e produz uma galeria de personagens memoráveis, com destaque para o caçador de recompensas, King Schultz, vivido brilhantemente por Christopher Waltz. Assim como no seu filme anterior (e como há muito ele explora nos seus filmes), o tema da vingança se sobrepõe tornando os vilões cada vez mais odiosos. Junte-se isso a um tema explosivo como a escravidão, e você terá personagens únicos como Calvin Candie (Leonardo di Caprio) e seu fiel ajudante Stephen (Samuel L. Jackson). Este merecia facilmente uma indicação ao Oscar.

Muito se falou da violência do filme como o tiroteio dentro da casa grande ou a cena dos cachorros que devoram um escravo vivo. Quem conhece a obra de Tarantino, sabe que ele nunca foi adepto de sutilezas na hora de filmar violência. A intenção de Tarantino é inundar a tela de vermelho. A violência gráfica nos seus filmes, muitas vezes, ao invés de chocar, provoca risos, uma vez que o exagero é tão evidente que não tem como o espectador não colocar um sorriso (ainda que de leve) no rosto. Outra característica, o humor negro, está presente na hilariante cena em que membros da KLU-KLUX-KAN resolvem discutir se as túnicas que eles usam são apropriadas ou não.

Tarantino, como todo grande cineasta, parece ter encontrado sua fórmula de desenvolver personagens e estórias. E não hesito em dizer: cada novo filme dele, é uma experiência única, goste você do filme ou não.

- André Maranhão:

Uma das coisas mais notáveis confirmadas em Django Livre é o fato de Quentin Tarantino mostrar-se um crítico a opressões como o racismo e a escravidão sem precisar cair no drama para fazê-lo. Como disse o próprio Tarantino: “Quem não quer ver um escravo vingando-se do senhor malvado ou do capataz?”. O filme parece não superar outros êxitos do cineasta (como Pulp Fiction e Bastardos Inglórios) e sua trama às vezes aparenta ser muito longa se pensarmos que Tarantino buscou um diálogo com o gênero Spaghetti Western. É notório em Django Livre, o seu elenco, desde outra grande atuação de Christoph Waltz, como também a boa impressão causada por Jamie Foxx como um protagonista de Western e a interpretação de Leonardo di Caprio em um de seus raros momentos como vilão na história do cinema.

- Bruno Vitorino:

Um escravo alforriado por um alemão caçador de recompensas busca resgatar sua esposa de um latifúndio algodoeiro no sul dos Estados Unidos numa epopéia de sangue, violência e morte. O que poderia ser, a princípio, um leitmotiv absurdo vira uma obra-prima sob o prisma insano (no melhor dos sentidos) de Quantin Tarantino. Misturando faroeste, escravidão e mitologia nórdica; Django Livre mergulha na atmosfera tensa do Mississipi do século XIX para subverter a História e se vingar das insanidades cometidas pelos opressores de então: os coronéis das plantations.

No geral, o filme é marcado pela sanguinolência exagerada e cômica dos revólveres de balas infinitas e mocinhos de pontaria sempre certeira. Contudo, o longa perturba o espectador nas cenas de violência contra os escravos, pois a agressão ultrapassa crueldade física para alcançar os mais hediondos contornos morais. Com este artifício, Tarantino coloca o público no lugar do escravo para que ele sinta na pele os tormentos infligidos a esse Homem pela nefasta instituição – o comércio de escravos - que o esvazia de seu caráter humano e o “coisifica” como um objeto qualquer.  

Em resumo: as atuações são impecáveis, o enredo é muito bem construído, o filme é tecnicamente perfeito. Altamente recomendado!

- Giba Carvalho:

Django Livre é um filme de atuações impecáveis. Tarantino mete novamente o dedo na ferida, remoendo temas que deviam ser esquecidos na memória estadunidense. Fotografia e cenários belíssimos, excelente elenco e roteiro. “Um divertido espetáculo de violência.”



[1] Filmes italianos de tématica sobre velho-oeste norte americano, famosos na década de 60, tendo seus principais nomes o diretor Sergio Leone e o ator Clint Eastwood.
[2] Filmes orientais de artes marciais, influenciados pela milenar arte do manga.
[3] Filmes hollywoodianos de crime e gângsters, com estética fotográfica inspirada do expressionismo alemão.
[4] Filmes surgidos na década de 70 nos EUA com diretores e atores negros, tendo seu público alvo a comunidade afro-descendente.

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