Segundo os siberianos, o significado
da palavra Xamã (ou Shaman) é – “aquele que enxerga no escuro.”
Malcom John Robbenack tem 71 anos, e destes, mais de 50 dedicados a música. Notadamente, ao jazz e ao blues. No entanto, depois de
tanto tempo na ativa, é normal uma certa acomodação. Aquela velha história de
ficar na zona de conforto. Foi aí que entrou a pessoa de Dan Auerbach,
guitarrista e vocalista da aclamada banda The Black Keys. Fã confesso do
trabalho do “Doc”, o músico teve certo trabalho até convencê-lo a topar um
trabalho novo em parceria. O mais interessante nesta história, é que foi
necessário uma das netas de Malcolm falar bem do trabalho do The Black Keys e ainda colocar um
CD dos mesmos para que fossem aceitos.
O grande mérito do "black key" para esta excelente produção foi o modo
utilizado para que a mente do Xamã fosse aberta novamente. Numa destas "sessions",
o mestre ouviu um disco de um craque africano chamado Mulatu Astatke,
saxofonista etíope que levou um balanço diferenciado para dentro do jazz. Sem
falar de todo misticismo envolvido no experimentalismo musical que se propunha.
Temos que ressaltar também, a liberdade artística e a verba necessária para que
o projeto saísse.
Mulatu Astatke - The Way to Nice:
A bolacha foi totalmente produzida no Estúdio - Easy Eye Sound, em
Nashville, mas teve seu início na mítica New Orleans, cidade que jamais foi
abandonada pelo Xamã. Durante mais de dez dias, todos os membros em estúdio se
entupiram de comida etíope e ouviram toda a obra do saxofonista africano.
Obviamente que a idéia não era fazer uma cópia do que já foi feito, mas sim,
utilizar um caminho diferenciado para as criações musicais que viriam a surgir.
De imediato, as bases começaram a ser compostas e não demoraram muito a sair.
No DNA de Dr. John já corre um mar de traços africanos e isto facilitou
bastante o processo. Outro ponto a ser ressaltado, foi a troca do tradicional
piano que sempre o acompanhou por um órgão Farfisa (especialmente utilizado
para criações "funky-psicodélicas").
As letras tornaram-se um capítulo a parte neste disco. Como é de
conhecimento da maioria, mesmo sendo umas das figuras mais importantes da
música estado-unidense dos últimos 40 anos, o "Doc" não é um "frontman". O Xamã gravou com inúmeros mestres de New Orleans tais como:
Professor Longhair, The Meters e Alain Touissant, além de outros nomes como -
The Rolling Stones, The Band, Eric Clapton, passando até por Cristina Aguillera.
Memórias intermináveis e amargas foram trazidas à tona novamente. Tal como uma
tentativa de exorcizar os próprios demônios que tantas vezes nós mesmos
criamos. Lendo uma entrevista do mestre atentei para uma frase que explica
claramente isto:
"Vivi
muito tempo na estrada, cometi muitos erros, me envolvi com pessoas e entidades
estranhas e, acima de tudo, deixei minha família de lado várias vezes —
reconhece ele, que escreveu para 'Locked down' músicas como 'My
children my angels' (...Tell me about your desires right now. Don´t
trip on this wire, I´ll show you how. My baby wish I never, made you loose. My
children, my angels, talking to you.) e dedicou o disco a sua família. —
Arrependimento é uma palavra forte porque ela nem sempre conserta algo. Vivi o
que tinha que viver. Mas hoje tento recompensar isso dando todo o amor aos meus
netos e a quem de fato me ama."
Dr. John - My Children My Angels:
Voltando a falar do disco, é
inevitável perceber sua ligação total a cidade do “Doc”. New Orleans sobra no
disco. “Aos
ambientes burlescos do Mardi Gras, aos famosos 'medicine shows' teatrais que
mais pareciam um circo disfarçado de concerto rock e à aos mistérios do 'Voodoo',
ou Hoodoo como é apelidado nos estados do Luisiana.” Talvez
por isto, a crítica americana considere “Locked Down” o retorno à forma. Muito
embora os trabalhos de Dr. John nunca tenham sido considerados abaixo de uma
linha no mínimo mediana (escutem também o “Tribals” de 2010).
Locked Down é indiscutivelmente o melhor
disco que ouvi em 2012. Rico em arranjos, com uma grande performance de
guitarra, com a pimenta natural de um nativo de New Orleans e com uma “classe
gangsta” que cabelos e barbas brancas ajudam a imortalizar no tempo e fazem com que enxerguemos que ainda há
esperança para a música.
Quem se aventura na revolução?
Quem se aventura na revolução?
Dr. John - Revolution: