domingo, 28 de dezembro de 2014

Variações em 5/4: Sonic Highways

Arte de capa de Sonic Highways, novo álbum da banda Foo Fighters.

A última postagem do ano marca, além do retorno da coluna Variações em 5/4, a primeira colaboração de nosso novo integrante, o senhor Rógeres Bessoni. Nesta edição da coluna, os editores do blog lançam um olhar coletivo sobre Sonic Highways, o mais recente disco da banda Foo Fighters.
 
Aproveitando o ensejo, desejamos a todos os que nos acompanham um 2015 excepcional, repleto de saúde, alegrias e conquistas, pautado sempre na plenitude humana que dá sentido a essa breve marcha ante ao desconhecido que chamamos de vida.

Boa leitura!

- Giba Carvalho:

Expectativa. Sem sombra de dúvidas, esta foi a palavra que mais permeou a minha mente com relação a Sonic Highways, novo trabalho do Foo Fighters. E isto é completamente compreensível visto que, ele é o sucessor de Wasting Light, melhor disco de rock n´roll da década até o momento.

Grohl e seus companheiros caíram na estrada num mergulho em busca de influências históricas para a concepção do novo trabalho. De fato uma ideia interessantíssima! Aproveitaram a oportunidade e, além do disco, gravaram um documentário de oito capítulos para o canal HBO, que mostra toda a criação do novo álbum e as passagens por – Chicago, Washington DC, Nashville, Austin, Seattle, Los Angeles, Nova Iorque e Nova Orleans. Este é um ponto específico que pode tornar-se negativo no novo trabalho. Caso as pessoas não venham a assistir ao documentário, não saberão ao certo sobre a passagem por estes estados e todo processo de gravação desenvolvido e executado. E tem explicação. Mesmo flertando com o hard-rock, punk, grunge e algumas pitadas de progressivo, Sonic Highways soa como “apenas” mais um trabalho do Foo Fighters. É a velha “armadilha” inerente às bandas de grande identificação e eficácia com um estilo de fazer sua música. Ousaram, mas não mudaram a fórmula (talvez não precisem fazer) e isto é uma faca de dois gumes. Tudo vai depender das expectativas pessoais de cada um.

Para mim, Sonic Highways é um disco bom e tem seus pontos fortes na sequência. – Congregation – que é uma homenagem aos artistas e raízes da música country, embora soe como o mais tradicional do grupo, What did I Go? / God as My Witness – que é a canção onde percebemos com maior facilidade o ambiente (tão aclamado por Grohl) que foi gravado e Outside – um grunge cheio de contratempos e agressividade peculiar. E, mais para frente, encontramos a excelente In The Clear (melhor música do disco) – melódica, com refrão consistente e com a presença da Preservation Hall Jazz Band de Nova Orleans.

No mais, o Foo Fighters é a mesma banda coerente de sempre.

- Fernando Lucchesi:
   
Quando uma banda como o Foo Fighters, lança um algo do nível de Wasting Light, sucesso comercial incontestável e elogiado pela maioria da crítica, ela chega a uma encruzilhada em relação ao disco seguinte (acredito já ter falado algo a respeito no blog anteriormente): repetir a fórmula de sucesso, mesclar algo novo com toques do sucesso anterior ou mudar radicalmente em relação à “fórmula do sucesso” previamente utilizada e conhecida.

O Foo Fighters, ao que parece, optou pela mescla entre coisas novas (entenda-se: fora da fórmula anterior) e resquícios do bem sucedido disco anterior. O resultado foi um dos discos mais entediantes do ano. A despeito de o álbum conter algumas faixas bem interessantes com Something for Nothing (inicia com um andamento lento para depois explodir nos gritos insanos de Grohl) e de Congregation (pop/rock da melhor qualidade, com AQUELE riff pegajoso), a impressão é de que a maior parte das outras faixas está lá esperando entrar na trilha sonora de um novo filme da franquia American Pie. Músicas datadas, com um apelo pop sem nenhuma inspiração e uma sensação de preguiça inacreditável.

Para a chatice ficar completa nada mais apropriado do que encerrar o disco com a longa e chatíssima I Am a River. Um chororô que dura infindáveis sete minutos, com direito a arranjos de cordas para dar uma falsa impressão de magnitude da música. Como diria um dos componentes do blog: esse disco é mais fraco do que choque de lanterna!

- André Maranhão:

O fato de todas as faixas do álbum Sonic Highways terem sido gravadas em locações diferentes chamou a minha atenção, embora confesse não saber até que ponto esta postura dos Foo Fighters seria fruto de uma exigência técnica em vez de uma jogada de marketing.

Em se tratando das canções, achei interessante a presença da guitarra barítono de Rick Nielsen em Something From Nothing já que tal instrumento não é tão popular no pop rock ou no rock alternativo, mas tem sido de suma importância em outros gêneros musicais como o surf music, country e jazz. The Feast and the Famine segue uma linha mais próxima de um rock de verão, embora não rivalize com uma canção aos moldes de Breakout – lançada pelos próprios Foo Fighters ao final dos anos noventa.

A faixa que eu mais gostei foi Congregation, pois nela a banda parece perfeitamente entrosada: há uma ótima cobertura de guitarras-base e o solista Chris Shiflett se coloca muito bem, juntamente com o baixo de Nate Mendel. Por fim, vale destacar a performance de Taylor Hawkins à frente da bateria. A segunda melhor faixa sob o meu crivo é I Am a River; uma balada que cresce aos poucos e fica boa no refrão.

Subterranean, a única canção com a presença marcante do violão de aço, cairia muito bem numa trilha de 007... What Did I Do, God as My Witness, em certos momentos me soou longa demais, e só se tornou interessante a partir de sua metade. Em Outside, a introdução e as pausas para os solos de guitarra imprimem um tom mais dinâmico, mas nada em especial. Também não vejo (e ouço) nada de novo em In the Clear.

Eu li que em algumas páginas anglo-americanas, Sonic Highways recebeu avaliações em torno de “regular”. Desta vez, me aproximarei dos conceitos de Metacritic, The Guardian, Entertainment Weekly, dentre outros, e darei um “C”, para o mais novo trabalho dos Foo Fighters. Acho que eles já produziram hits melhores...

- Rógeres Bessoni:

É com todo o respeito que paro para ouvir um novo trabalho de uma banda como o Foo Fighters, levando em consideração a trajetória de uma das poucas bandas que, nas últimas duas décadas, têm significativamente ajudado a manter de alguma forma pulsante o tão maltratado – e, atualmente estéril – rock and roll. Talvez isso me leve mesmo a aumentar minhas exigências e expectativas quando me deparo com um trabalho que sei que é sério. Mas o Budismo nos alerta que as expectativas elevadas acarretam decepções consideráveis, e foi justamente o caso. Ouvindo o Sonic Highways, só me convenço mais veementemente de que esse senhor de idade, o rock, precisa urgentemente passar por uma nova demolição/revolução, como a que os próprios integrantes do Foo Fighters ajudaram a realizar no começo dos anos 90. No entanto, de lá para cá, as placas tectônicas do rock têm se mantido numa imobilidade soporífera. E aqui chegamos ao desapontamento com o Sonic Highways.

Em primeiro lugar, quero frisar uma coisa: o disco NÃO É RUIM, mas também não instiga. É bom, sólido, bem tocado, mas só isso. “Só isso”?  É. Porque é a repetição de padrões sonoros que já estão ecoando há mais de 20 anos e, para mim, não acrescentam mais nada. Neste sentido, o disco ficou morno, alternando entre alguns momentos bons e outros realmente chatos, sem ter apresentado nenhuma faixa impactante ou poderosa – com exceção, para mim, de Something From Nothing, que começa com uma melodia também morna, com uma linha de guitarra mais que repisada, mas que cresce para uma explosão vigorosa, ficando realmente muito boa. Uma das músicas que mais me agradaram recentemente e que, na verdade, me pareceu mais Audioslave que qualquer outra coisa. Tive a impressão de ouvir Tom Morello no trecho mais pesado. Mas o resto do disco, infelizmente, não se manteve nesse nível.

Em vários, vários momentos, tive aquela sensação: “já ouvi isso”. São os mesmos vocais, indo do “grunhido” ao mais “meloso”, com alguns momentos de explosão na medida certa. As guitarras fortes, em bases barulhentas, eventualmente com notas esticadas ou ponteadas com notas soltas, mas sem nenhum riff marcante, de pegada e, para mim, o que é pior e incompreensível: a continuação de uma escola de guitarra praticamente sem solos. Da mesma forma, a cozinha, com baixo e bateria precisos, firmes, não traz nenhuma levada inovadora, nenhuma quebradeira surpreendente. Talvez por serem sons da saída da minha adolescência, isso sempre me passa a impressão de que, mesmo com músicos maduros, a banda se manteve de certa forma adolescente. Estamos falando da personalidade de uma banda consagrada, eu sei disso. Sei que a manutenção de algumas estruturas também tem sua importância, principalmente para os cultores de um estilo, e o Foo Fighters não é de maneira alguma formado por integrantes amadores ou imaturos. Entretanto, o grande perigo é o criador ficar escravo da criatura. No caso da concepção musical, arriscado é os autores de um dado nicho não saberem mais inovar dentro dos padrões que estabeleceram, ou reconhecer que pode ser a hora de romper com tais padrões, que podem ter sido bons e necessários parâmetros no começo, mas que depois se converteram, em maior ou menor escala, em uma zona de conforto - a simples aplicação de uma fórmula, que não desafia mais nem a banda, nem o público. Sei também que o ponto deste comentário é o Foo Fighters e não seria tão adequado terminar com comparações explícitas, e minha intenção não é comparar A com B e decidir sobre que é “melhor”. Não é nada disso, mas acontece que só reforço cada vez mais uma percepção que já tenho há alguns anos e venho repetindo: de fato, pouquíssimas bandas “envelhecem” como o Pearl Jam.

- Bruno Vitorino:

Eu não gosto do Foo Fighters. Na verdade, nunca gostei. Por mais que tenha tentado reverter esse quadro em ocasiões passadas, acabava sempre a cada empreitada por não me identificar com a sonoridade da banda. E, para agravar ainda mais minha repulsa, irritava-me profundamente as malfadadas tentativas de Dave Grohl e companhia em serem engraçadinhos, debochados, fingindo-se comediantes em seus clipes – Breakout, Learn to Fly, Long Road to Ruin, Low, The One -, vinculando, dessa forma, o rock a uma espécie de oligofrenia juvenil coletiva, que se espalhava com uma virulência gigantesca via MTV, e não mais à urgência expressiva e ao caráter subversivo com os quais o estilo sempre dialogou. Assiste a esses vídeos que menciono e me diz nos comentários se estou enganado.

No quesito “a nova salvação do rock”, devo confessar que prefiro muito mais a pegada crua do Queens of the Stone Age, suas melodias instigantes, o cuidado na montagem das estruturas sonoras, a ironia fina de suas letras e, o mais importante, o fato de sua música trazer sempre algo de inesperado, rico, contrariando os detratores do gênero que vêm nele apenas uma forma primitiva de articular os sons, abrindo-lhe, com isso, infinitas possibilidades estéticas – ouve atentamente A Song for the Dead e na sequência Mosquito Song; tenho certeza que pensarás estar ouvindo duas bandas distintas. A razão disso tudo se deve à consciência criativa de Josh Homme e seu profundo conhecimento do que é o rock and roll, dos timbres que manipula e dos inesgotáveis recursos que um estúdio de gravação pode prover a mentes criativas. Qualidades que, por exemplo, o senhor Dave Grohl não tem; ou se as tem, não desenvolve. “Ah, mas em Songs for the Deaf, Dave Grohl participa tocando bateria. Esqueceu, foi?!”, alfineta meu querido leitor. Certamente. Tens razão. Mas, o êxito de sua participação se deve muito mais ao encaminhamento dado ao projeto por Homme, e, verdade seja dita, em alguma parte a Nick Olivieri, do que ao baterista, que não passou de um convidado ilustre. Não esqueça o senhor que o disco musicalmente mais bem sucedido do Foo Fighters, Wasting Light, carrega escancarada influência de Josh Homme, como já denuncia as guitarras na introdução da faixa de abertura Bridge Burning. Também não me parece fruto do acaso que quando a ideia desse ótimo disco nascera em seu peito, Grohl estivesse em turnê com o Them Crooked Vultures, ou seja, trabalhando com a entidade John Paul Jones, mas inteiramente submerso no universo estilístico de Homme. Não há que se negar os fatos, e os fatos são tudo.

Não obstante a digressão acima, particularmente guardo solene respeito a Dave Grohl pelo que fora outrora com o Nirvana, e pela sua integridade enquanto band leader da maior banda de rock de sua geração – e que só não é a maior do mundo hoje, porque o U2 e os Stones ainda estão em atividade. Pode-se falar o que quiser dele, mas ao menos ele tenta novas possibilidades sonoras e não se deixa cooptar pelo doce mel da glória midiática. Ao contrário, usa-a a seu favor, propondo, em certa medida, um remodelamento interno dessa estrutura que foca no efêmero das estrelas de ocasião. Não se pode desprezar, só a título de ilustração, o colossal trabalho de pesquisa encabeçado pelo músico que originou o disco Sonic Highways e resultou num seriado homônimo, produzido em parceria com a HBO (que no Brasil está sendo transmitido pelo Canal Bis aos domingos às 19:30, horário local), no qual Grohl, percorrendo os grandes centros urbanos de seu país, procurou de uma só vez: redescobrir as raízes da música popular norte-americana; traçar um mapa da cena underground dos Estados Unidos; buscar as origens do rock; ensinar às novas gerações um pouco da história da cultura do século XX; e, de lambuja, ainda se inspirar para um novo trabalho com sua banda. Por isso tudo, escutei o mais novo trabalho do Foo Fighters cheio de esperança e com muita cerimônia. E o começo do álbum me pareceu muito promissor. Aquela guitarra de timbres brilhantes abrindo Something From Nothing, tocada de modo simples, enfatizando as suas três primeiras cordas (mi, si e sol), estabelecendo assim a estrutura básica do acorde de mi menor, e delegando ao movimento cromático descendente do baixo (sou wagneriano, quedas de meio tom me agradam) o sentido harmônico, deu-me a falsa impressão de que eu iria gostar do disco. Na metade da música, já estava entediado.

O grande drama deste trabalho reside justamente na contradição entre o imenso projeto de pesquisa que o precedeu, o qual estudou diversos matizes sonoros e culturais, e a contundente monocromia do álbum. Pois, Sonic Highways é carregado de lugares-comuns do rock enfadado: mão pesada nas guitarras, vocais rasgados e letras adolescentes (ouça What Did I Do). Muita atitude, alguma pretensão intelectual, e pouco - ou quase nenhum – conteúdo. A impressão que se tem ao final da audição é que se trata de um disco com apenas uma faixa de pouco mais de quarenta minutos, não fossem os espaços propositais separando um tema do outro a nos dizer o contrário. Apenas Subterranean quebra a mesmice do disco, mudando os timbres das cordas (os violões de corda de aço fulguram aqui); brincando com a métrica ao intercalar sessões rítmicas em 6/8 a outras em 4/4; trazendo, de início, um singular encadeamento harmônico não funcional, em estrutura constante (F#m/Am/Em/Gm), costurado por uma bela linha de fundo, que depois descamba num enigmático lá maior o qual incorpora em si um bocado de seu modo paralelo, o menor natural – há nesse momento um acorde “Em” tão sublime e inesperado que confere a essa parte da composição toda sua beleza melancólica. Música realmente tocante e a tenho escutado repetidamente. Contudo, é o único exemplo de brilhantismo que existe no trabalho, o que por si só não é capaz de salvar o disco.

Imagino que a experiência do “ao vivo” em estádios grandes, com um público eufórico que urra de delírio até para roadie em passagem de som, Sonic Highways funcione. Mas, enquanto disco, soa enfadonho. No entanto, meu caro leitor - e espero sinceramente que não me ojerizes pelo que escrevi até então -, tudo não passa de uma questão pessoal, pois a música reverbera no interior de cada um das mais infinitas maneiras. Escuta e vede o que diz teu espírito.

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