Na coluna deste mês, os editores do
blog lançam um olhar coletivo sobre o recém-lançado disco “Ao Vivo” da cantora
paulista Céu.
Boa leitura!
- Giba Carvalho:
Quando
Bruno Vitorino sugeriu o trabalho novo de Céu como pauta para coluna deste mês,
confesso ter sentido um frio na espinha. A dúvida permeou meus ouvidos e minha
cabeça de modo intrigante: “o que falar de uma cantora que acho excelente em estúdio
e que não rende o esperado ao vivo?”. Pois bem. A cantora paulista fez uma
síntese dos três primeiros álbuns para comemorar os dez anos de sua carreira
que continua bastante promissora. Deixou de lado os aspectos dub-ragga de “Vagarosa” (2009) e
priorizou o lado mais “pop-sedução” de “Caravana Sereia Bloom” (2012). Escolheu
o aconchego do Centro Cultural Rio Verde e sua capacidade de 400 pessoas para
fazer uma gravação mais intimista, do que o delírio frenético das grandes
plateias. Este foi o primeiro grande acerto do trabalho. O segundo ponto
positivo foram as versões escolhidas por Céu. Como principais destaques do
trabalho, a excelente versão de “Mil e Uma Noites de Amor” (Baby do Brasil,
Pepeu Gomes e Fausto Nilo) e conhecida do público oitentista na trilha da
novela “Roque Santeiro” e a espetacular versão de “Visgo de Jaca” (Rildo Hora e
Sérgio Cabral) que já conhecemos desde Vagarosa. No mais, conforme citado
acima, um compilado de seus maiores sucessos executados de modo bastante
peculiar e competente.
Reconheço
que da geração pós-Los Hermanos, Céu seja o nome de maior destaque do cenário
pop nacional. Particularmente, gosto muito de sua ousadia nas composições e gravações
dos seus trabalhos, mas dois pontos específicos me incomodaram sobremaneira.
Primeiramente, a queda para elementos extremamente bregas nos arranjos. A
versão de “Cangote” (uma das minhas preferidas do Vagarosa – 2009) é de revirar
morto no caixão. Do balanço cadenciado de um reggae de categoria, para uma
guitarrada sem pé nem cabeça, fruto da mentalidade “cafuçú” que permeia como
“CUltura” na mentes “privadizadas” da turminha descolada. Aqueles que fingem
ser alegres às custas da desgraça alheia. E segundo, as vinhetas patéticas que
existem nos hiatos e introduções das músicas.
No
mais, as pessoas precisam entender que mesmo sendo uma gravação de show, o
trabalho foi mixado, as falhas usuais e constantes da cantora “na febre do ao
vivo” foram maquiadas, e assim o CD e DVD serão um sucesso absoluto.
- André Maranhão:
Quando
conheci o trabalho de Céu, a partir do seu disco de estreia em 2005, me pareceu
que sua arte se encaixava muito bem numa estética glocal (uma mediação entre
traços do global e local da cultura). A cantora quase sempre cruzou ritmos,
artistas e idiomas diversos nos seus álbuns. Em seu novo disco (Ao Vivo)
acredito que o glocal ainda persiste. Porém, em alguns momentos, Céu e os seus
bons músicos (Dustan Gallás; Lucas Martins; Bruno Buarque e o DJ Marco)
perderam (ou não procuraram) a possibilidade de se conectarem com a
inventividade do Jazz ou da improvisação – coisa que seria bastante pertinente
ao longo do disco. Senti a falta de tudo isso em “Teju na Estrada”
(instrumental) e “Streets Bloom”: ambas são faixas caídas e que não me
empolgaram, talvez justamente por não se improvisar mais. Em “Rainha”, um
Afrobeat que por vezes Céu dedica a Fela Kuti, também seriam bem-vindas mais
improvisações dos músicos, frases cheias – além, é claro, do vocalise menos tímido
por parte da cantora.
Ao
longo de sua carreira, Céu migrou paulatinamente dos backing vocals para o lead.
Quiçá por dispor de uma voz bem favorável ao estilo de cantora crooner, que Céu consegue interpretar um
estilo como o Brega com tanta finesse. Isso ocorre em “Retrovisor”; “Amor
Antigo”; “Baile da Ilusão”. Mais além, a faixa “Cangote”, junta o canto de Céu
com traços da música paraense, de uma linhagem Brega Cult e que se assemelha
bastante aos trabalhos de Felipe Cordeiro.
“Lenda”
permanece bem fiel às apresentações de Céu antes de lançar o álbum Ao Vivo. “Contra
Vento” e “Comadi” conectam a música nordestina com o Indie, e “Em Piel Canela”
(um clássico escrito por Bobby Capó, e gravado por outros nomes consagrados,
tais como o trio Los Panchos e Nat King Cole), Céu mantém a suavidade e a
leveza da sua interpretação. Em “Mil e uma Noites de Amor”, seu tom é bem
próximo ao de Pepeu Gomes, e a versão é boa (ainda que eu considere a versão de
Pepeu mais marcante).
Às
vezes, acelerar a batida de uma canção não é garantia de que ela melhorará;
principalmente em um ritmo como o Reggae. É o que acontece em “Concrete Jungle”.
A versão do álbum Céu (2005), além de conter uma harmonização mais rica, com
oitavadas, mais acordes e uma cadencia desacelerada, funciona bem melhor do que
a do álbum Ao Vivo.
Ultimamente,
alguns artistas que pretendem se aproximar de uma forma / fórmula emepebista da
canção, têm cometido o seguinte equívoco: enxugar demais ou até excluir os
instrumentos acústicos de suas interpretações, assim como tornar excessivo o
uso de recursos eletrônicos. Bom, no disco “Ao Vivo” de Céu, isto ocorre em 10
Contados (uma vez que as versões do álbum de estreia da cantora e o dueto com
Paulinho Moska no programa Zoombido, do canal Multishow são bem melhores); Malemolência
(que apesar da novidade de Céu citar Mora na Filosofia, de Monsueto e Arnaldo
Passos, a versão original do álbum de 2005 traz consigo a frase do cavaquinho –
tão legal, porém esquecida nas posteriores apresentações da cantora). Em "Visgo
de Jaca" (de Rildo Hora e Sergio Cabral), pode-se conferir na versão de estúdio
anterior ao disco Ao Vivo, a diferença que fazem o pandeiro e as congas em
certas canções.
- Fernando Lucchesi:
Dentre
as várias cantoras surgidas no final dos anos 2000, sem sobra de dúvida, Céu é
a que mais se destaca. O CD/DVD “Céu Ao Vivo” faz um apanhado da consistente
carreira da cantora, iniciada com o disco homônimo “Céu” (2005). O disco, especificamente, tem uma mistura bem
interessante das canções dos três discos lançados por ela. O início é de tirar
o fôlego com três belíssimas canções. “Falta de ar” inicia com uma pegada
roqueira setentista, desacelera e se enche de solos de guitarra. “Amor de Antigo”
com sua levada meio brega e aquele famoso teclado de churrascaria, embalam uma
linda melodia e “Contravento” parece uma cúmbia desacelerada, com inserções de
guitarras psicodélicas.
Céu
também não se contenta em ficar em sua zona de conforto e transforma um dos
seus maiores sucessos, a balada “Cangote”, em um carimbó/guitarrada paraense.
Funciona muito bem. A influência paraense/caribenha também está presente em
“Baile de Ilusão”. O que não funciona bem no disco é a cover de “Mil e Uma Noites
de Amor” de Pepeu Gomes. Muito similar ao original, sem nenhum toque de
ousadia, algo que se espera de uma cover,
principalmente ao vivo. O que falta de ousadia em “Mil e Uma Noites de Amor” é
compensado na interpretação e arranjos de trip
hop para lindíssima “Visgo da Jaca” de Martinho da Vila, que infelizmente
está apenas no DVD.
Na
segunda metade do álbum a cantora deixa um pouco de lado a influência caribenha
nos arranjos das músicas abre um espaço maior para outros gêneros muito
presentes na carreira de dela. Há espaço para o Hip Hop (“Malemolência” e
“Lenda”), Reggae (“Concrete Jungle”, cover
de Bob Marley) e até uma pouco de soul, nos arranjos de “Rainha”. A julgar pelo
apanhado das músicas do CD e DVD “Ao vivo”, Céu está no caminho certo com seu
caldeirão de influências musicais.
- Bruno Vitorino:
O
disco “Ao Vivo” da paulista Céu chega para marcar a exitosa trajetória de dez
anos de uma cantora que soube ao longo de sua carreira articular suas influências
de música internacional às raízes de sua cultura numa produção autoral do seu
tempo, sem saudosismos caricatos e mercadológicos, e que se materializa num formato
pop urbano, mas que – eis aqui o mais importante e raro - ainda se preocupa com
o conteúdo. Por essa razão, vejo a cantora com o nome mais interessante do mainstream nacional dos últimos tempos. Seu
talento para a composição, suas angulosas melodias que serpenteiam por uma
harmonia intuitiva, sua voz falha, roufenha - não pasteurizada pelo tecnicismo
lírico ou pela artificialidade da impostação exagerada à Ana Carolina –, mas educada
e de belo timbre, e sua sensível qualidade de intérprete resultam numa música que
tem identidade própria e méritos estéticos, como atestam seus discos “Céu”
(2005), sua obra-prima “Vagarosa” (2009) e o dançante “Caravana Sereia Bloom”
(2012).
Tive
a oportunidade de assistir à cantora em ação no festival Rec Beat no ano de
2013, mas creio que a dispersão do palco grande combinado à euforia de um
grande público a dominaram. Sem falar que a banda no palco era bastante
reduzida em relação àquela que se ouvia nos discos, sempre repleto de
convidados em cada faixa. Assim, em poucas palavras, o que vi foi uma Céu desconcentrada
amparada por uma banda que não conseguia preencher os espaços e atingir o nível
de execução que se ouvia nos discos em estúdio. Saí antes de o show terminar. Daí
meu medo que o fenômeno “brilhante em estúdio, terrível ao vivo”, algo tão
comum em tempos de músicos que não sabem o que fazem e focam no hype, se repetisse com esse novo projeto
da cantora. No entanto, não é o que acontece. Imagino que o ambiente controlado,
com uma produção disponível e vasto background
ao alcance, a responsabilidade de uma gravação de um DVD/CD, que não deixa
de ser sinônimo de prestígio na carreira de qualquer artista, o caráter
intimista do Centro Cultural Rio Verde, local escolhido para a gravação de sua
apresentação, e, por fim, um público empolgado ma non troppo criam as condições ideais para que Céu se mostrasse focada
e confiante, e sua banda, mais audível e comprometida com a execução. E o
repertório é simplesmente matador! Destaque para o clima tropicalista de “Contra
Vento” e samba-dub de “Malemolência”.
Recomendo!
- Rógeres Bessoni:
Por razões de cunho pessoal, o sr. Bessoni não
conseguiu escutar e escrever na coluna de março. No próximo mês, o colunista
está de volta com suas observações perspicazes.