Foi com um misto de
surpresa e desalento que recebi a notícia, por meio do parceiro de blog Giba
Carvalho, de que a edição deste ano do Festival MIMO seria cancelada em Olinda.
A justificativa encontrada pelos organizadores do evento, num comunicado
publicado em sua página no facebook, aponta para a falta de patrocínio para bancar
todas as despesas de realização da etapa pernambucana do festival. Realmente. Imagino
que em tempos de crise econômica (e isto é um fato), com a Administração
Pública de modo geral na pindaíba e a iniciativa privada – que nunca teve muito
interesse em apoiar a ações culturais mesmo no tempo das vacas gordas, diga-se –
atuando no vermelho, fica no mínimo difícil para uma mostra “internacional” de
música bancar o cachê de artistas que na maioria dos casos recebem em dólar ou
em euro. E qualquer pessoa minimamente informada sabe o quanto a cotação dessas
moedas tem operado na estratosfera das bolsas de valores ultimamente. Mas,
mesmo diante desse cenário, a pergunta que não consigo tirar da cabeça é: por
que só cancelaram a etapa Olinda do festival?
O fato é que a
MIMO, que nasceu em 2004 “Mostra Internacional de Música em Olinda”, cresceu
muito além de seu escopo original. Aclamado ano após ano por público e mídias,
o evento se consolidou enquanto negócio, expandiu sua área de atuação para além
dos concertos, conquistou outras cidades, deixando com isso de ser um conceito
de festival para se tornar uma trademark que
comercializa não somente shows, mas toda uma experiência de consumo de bens
culturais de maneira massiva e gratuita. Assim, amparada pela irresistível
pauta da democratização do acesso à cultura a qual fala em “tornar acessíveis ao grande público
atividades de cultura e de artes no formato de espetáculos para a fruição”[1], a MIMO
(e não mais “Mostra Internacional de Música em Olinda”) tornou-se uma franquia
potencialmente interessante tanto para empresas, que atrelam sua marca a um
projeto cultural renomado, quanto para o Poder Público por todos os dividendos
políticos que um evento desta natureza lhe traz. Por isso que mesmo diante de um
cenário de crise e escassez de verbas para empreendimentos culturais houve
patrocinadores, se não para bancar a realização da mostra em todas as cidades
originalmente pensadas pela produção, ao menos, na maioria delas. Desta forma,
ao que parece, acabou sendo apenas uma questão de cortar aquela cidade cujo
estado tivesse menos recursos a oferecer, como numa espécie de leilão em que se
descarta o pior lance. Do contrário, teriam cancelado, por exemplo, Paraty ao
invés da “cidade-mãe” e “berço da inspiração” da MIMO, não é mesmo? Mas, não
foi o que aconteceu, e deu no que deu.
Fonte: Facebook da MIMO. |
Obviamente que eu entendo
a estratégia dos produtores sob a ótica do negócio: a MIMO é uma empresa que
vende um produto na forma de evento cultural. Simples assim. O que não aceito é
essa conversa mole, com ares de tragédia quixotesca, de heróis da resistência da
arte pela arte sucumbindo à realidade intransponível dos fatos econômicos; esse
papo furado de “Desculpem, mas lutamos até o fim por vocês, público amado.”,
quando na verdade a decisão parece ter sido bastante racional e prática do
ponto de vista empresarial. Leio nas entrelinhas disso tudo algo como:
“Pessoal, Olinda tornou-se inviável financeiramente. O estado está quebrado e a
prefeitura não chega junto. Além disso, Rio e Minas estão oferecendo condições
bem mais interessantes. Vamos focar lá. Cancelem Olinda. Se der, ano que vem retornamos.
Se não der, paciência.”
E como explicar
Pernambuco e Olinda terem grana para encher os bolsos das celebridades decadentes
da música nacional e dos arautos da pernambucanidade em eventos como carnaval,
Festival de Inverno de Garanhuns e editais de fomento, e deixarem escorrer
pelos dedos a realização em suas terras do maior festival de música
instrumental do país? E o Governo Federal, que também fomenta a mostra, não
liberou mais recursos de modo a garantir a realização da etapa Olinda da MIMO
por quê? Vai por a culpa na crise pela qual jura de pés juntos não ser
responsável? Onde fica toda aquela conversa de que cabe ao Estado garantir por
meio de políticas culturais a manutenção de programas e ações de interesse
público? Meu coração teria ficado mais tranquilo se eu visse um pouco mais de
franqueza e menos pirotecnia retórica por parte de todos os atores envolvidos
nesta história, e meu juízo certamente não estaria lançando sobre mim perguntas
tão incômodas.
Diante de tudo
isso, resta-me apenas lamentar que Pernambuco acabe perdendo um dos mais
importantes eventos culturais do estado - dentre os poucos que ainda possui.
Evento este que colocava, de certa forma, este pequeno vilarejo com febres de
megalópole cultural do Brasil (quiçá da galáxia!) que é o Grande Recife na rota
mundial da cultura; desmistificava a música instrumental para um vasto público
pouco familiarizado com ela; trazia para cá grandes nomes da atualidade que
antes só passavam, quando muito, por São Paulo e Rio; promovia o intercâmbio de
culturas e materialidades do sensível por meio dos concertos e etapas
educativas; proporcionava novas formas de interação e ocupação do patrimônio
histórico, tornando-o vivo e integrado com o tecido urbano; e, de quebra, ainda
enchia de vida as ladeiras de Olinda, mostrando todo o potencial da cidade que
fica ocultado pela inércia da municipalidade.
Cabe
agora aos daqui se contentar com os mega-espetáculos de pagode romântico, axé music e forró estilizado; com as
festinhas de brega cult que
proliferam por todos os redutos descolados desta província; com as figurinhas
repetidas que se acostumou a ver periodicamente nos eventos promovidos pelo
Poder Público (especialmente no carnaval); e com os festivais indie de música cujas bandas trazem como
único mérito artístico serem absolutamente desconhecidas do público geral e
cultuadas tão somente por sociedades secretas de hipsters. Mas, não faz mal. Desde que nossa classe artística tenha
um FUNCULTURA para chamar de seu e o recifense descolado encontre seus falsos ícones
locais para reverenciar - o do momento se chama Johnny Hooker - acreditando-se
no centro do universo das Artes, tudo correrá bem. E assim, de delírio em delírio,
vamos negando a desertificação cultural que nos assola com cada vez mais
contundência.
[1] MIRANDA, Danilo
Santos de, “Apresentação” in WU,
CHIN-TAO; “Privatização da Cultura: A Intervenção Corporativa nas Artes desde
Os Anos 80”, Boitempo Editorial, São Paulo, 2006, pág. 21.
Bruno, mais um excepcional texto de sua autoria. Gostaria de comentar uma coisa que ouvi de uma amiga que leu o texto e que vale a pena ser ressaltado. Palavras dela - "Creio que a única coisa que ele esqueceu de citar foi que o pagode mela-cueca, o forró estilizado, o sertanejo universitário possui MUITO público e o mesmo PAGA (mesmo que dividindo em 5 x no cartão) para ir assistir. Diferentemente, da turminha cabeça-incrível que paga de inteligente, mas não quer PAGAR de fato R$20 num ingresso para qualquer coisa relativa a arte.
ResponderExcluirAchei interessante e válidas as palavras.
Forte abraço e, mais uma vez, parabéns pelo excelente texto.
Giba Carvalho.
Ótimo texto, Bruno. Fiquei sem acreditar quando uma amiga me contou. Li no facebook a notícia e também pensei a mesma coisa que você: "Pq cancelaram só aqui em Olinda?". Acho sim que vem rolando uma desertificação artística cultural, em se tratando de apoio institucional a mostras e festivais de música em PE de maneira geral. Escutei de uma pessoa que vem trabalhando na produção da MIMO que o problema foi de não ter tido apoio financeiro da prefeitura e do estado, que só foi recebido grana de empresas privadas e que não era suficiente para fazer a mostra. E que a ideia é quardar essa grana e só usar no ano que vem com o apoio dessas empresas pra completar a grana total que seria necessária e aí poder realizar a MIMO, mesmo que novamente não se tenha o apoio financeiro da prefeitura e estado. Vê que coisa doida! Enfim... Mas acho que surgiu (vem surgindo) uma movimentação artística interessante de uma galera (artistas, produtores, jornalistas, donos de alguns bares de Olinda e voluntários) que ta querendo realizar uma MIMO diferente, com mais artistas locais, com mais linguagens, de maneira totalmente independente. É um movimento de protesto que quer fazer com as próprias mãos, à sua maneira apresentações artísticas de variadas áreas, oficinas e debates sobre políticas públicas de cultura. Tem um grupo no facebook se organizando, teve uma reunião presencial nessa última terça e na próxima terça terá outra reunião presencial. Bom, claro que não será uma MIMO com renomados artistas internacionais e tal, mas pelo que venho entendendo desse movimento, o que se quer é mobilização em prol da arte. Não deixar passar batido. Acho uma iniciativa massa e super válida. Não sei se vai dar certo, mas estou torcendo bastante. O nome desse movimento é "Mimodifique". Pode surgir daí alguma coisa muito bacana. Um jeito de não esperar pra fazer, fazer apenas. Com a força e as pernas que se tem. Tô confiante que será interessante, no mínimo enquanto mobilização artística cultural.
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