Pernambuco perdeu hoje um
de seus filhos mais ilustres: o percussionista Naná Vasconcelos. Embora
ultimamente fosse conhecido quase exclusivamente como o responsável pela
abertura do carnaval do Recife, Naná tem uma vasta e importantíssima atuação na
música brasileira e no cenário jazzístico internacional. Forjou-se
artisticamente nos férteis terrenos da música folclórica pernambucana, tocando
percussão nos bailes do Batutas de São José e participando das gravações dos
discos de frevo de Nelson Ferreira nos áureos tempos da Rozenblit. Depois,
mudando-se para o Rio de Janeiro na virada dos anos 1960/70, estabeleceu
parceria com Milton Nascimento e outros artistas nacionais num dos momentos
mais criativos que a música popular brasileira já teve.
Por esta época, foi
descoberto pelo saxofonista argentino Gato Barbieri, figura aclamada e respeitada
no mundo do jazz, e passou a integrar o grupo do instrumentista. Foi através do
disco “El Pampero” de Barbieri, gravado ao vivo no Montreux Jazz Festival de
1971, que Naná apresentou ao mundo uma imaginação rítmica sem fim e uma
capacidade absurda de estabelecer fortes vínculos emocionais no perigoso ato da
improvisação. Daí para frente, se inseriria na música improvisada com mais
vigor em parcerias com Jan Garbarek, Ralph Towner, Arild Andersen, Pat Metheny,
Don Cherry (no seminal trio CODONA) e Egberto Gismonti, seu grande alter ego
musical, com quem gravou o obrigatório “Dança das Cabeças” pelo selo alemão ECM
Records. Influenciado por Jimi Hendrix, compreendeu que as possibilidades dos
instrumentos são infinitas e, especializando-se no berimbau, ampliou as
fronteiras estéticas dos sets percussivos,
fazendo das células rítmicas a matéria prima de sua poesia sonora.
Em 2007, num tempo em que
o Festival MIMO ainda se chamava “Mostra Internacional de Música de Olinda” e
se realizava na Cidade Alta, tive a oportunidade de ver o duo
Vasconcelos/Gismonti em ação tocando na íntegra o repertório do clássico “Dança
das Cabeças”. E não foi mais um desses muitos reencontros burocráticos e
revisionistas que tantos artistas outrora criativos apresentam. Ao contrário! Foi
a celebração da liberdade criativa compartilhada, da forte sinergia
proporcionada por uma total entrega às composições, do risco inerente ao
desconhecido da improvisação e dos eventos musicais espontâneos, da maestria artística
depurada numa longa jornada musical. Tenho muito firme na memória a densa
experiência estética e o poder transformador do concerto, o quanto ele
reverberou em mim e me fez pensar sobre o que eu queria da música enquanto
instrumentista e compositor.
Ao acordar hoje, fiquei
sabendo de sua partida. Uma lástima. O mundo perde bastante com seu retorno ao
Éter e o vazio artístico que vivenciamos hoje travestido de Cultura se alastra
um pouco mais.
Obrigado por sua música,
Naná! Sua Memória permanecerá viva para aqueles ainda vêem na música um portal
para a comunhão espiritual da humanidade.
R.I.P.
Corretíssima homenagem, a um mestre virtuosi da percussão, que depois de Naná Vasconcelos, tornou-a um elemento imprescindível para o Free Jazz e toda música instrumental urbana, para riqueza da experiência musical de autores e ouvintes
ResponderExcluirO pior é ter certeza de que será o homenageado do Carnaval 2017. E só...
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