quarta-feira, 9 de março de 2016

A Última Lôa de Naná Vasconcelos – Por Bruno Vitorino


Pernambuco perdeu hoje um de seus filhos mais ilustres: o percussionista Naná Vasconcelos. Embora ultimamente fosse conhecido quase exclusivamente como o responsável pela abertura do carnaval do Recife, Naná tem uma vasta e importantíssima atuação na música brasileira e no cenário jazzístico internacional. Forjou-se artisticamente nos férteis terrenos da música folclórica pernambucana, tocando percussão nos bailes do Batutas de São José e participando das gravações dos discos de frevo de Nelson Ferreira nos áureos tempos da Rozenblit. Depois, mudando-se para o Rio de Janeiro na virada dos anos 1960/70, estabeleceu parceria com Milton Nascimento e outros artistas nacionais num dos momentos mais criativos que a música popular brasileira já teve.
Por esta época, foi descoberto pelo saxofonista argentino Gato Barbieri, figura aclamada e respeitada no mundo do jazz, e passou a integrar o grupo do instrumentista. Foi através do disco “El Pampero” de Barbieri, gravado ao vivo no Montreux Jazz Festival de 1971, que Naná apresentou ao mundo uma imaginação rítmica sem fim e uma capacidade absurda de estabelecer fortes vínculos emocionais no perigoso ato da improvisação. Daí para frente, se inseriria na música improvisada com mais vigor em parcerias com Jan Garbarek, Ralph Towner, Arild Andersen, Pat Metheny, Don Cherry (no seminal trio CODONA) e Egberto Gismonti, seu grande alter ego musical, com quem gravou o obrigatório “Dança das Cabeças” pelo selo alemão ECM Records. Influenciado por Jimi Hendrix, compreendeu que as possibilidades dos instrumentos são infinitas e, especializando-se no berimbau, ampliou as fronteiras estéticas dos sets percussivos, fazendo das células rítmicas a matéria prima de sua poesia sonora.
Em 2007, num tempo em que o Festival MIMO ainda se chamava “Mostra Internacional de Música de Olinda” e se realizava na Cidade Alta, tive a oportunidade de ver o duo Vasconcelos/Gismonti em ação tocando na íntegra o repertório do clássico “Dança das Cabeças”. E não foi mais um desses muitos reencontros burocráticos e revisionistas que tantos artistas outrora criativos apresentam. Ao contrário! Foi a celebração da liberdade criativa compartilhada, da forte sinergia proporcionada por uma total entrega às composições, do risco inerente ao desconhecido da improvisação e dos eventos musicais espontâneos, da maestria artística depurada numa longa jornada musical. Tenho muito firme na memória a densa experiência estética e o poder transformador do concerto, o quanto ele reverberou em mim e me fez pensar sobre o que eu queria da música enquanto instrumentista e compositor.
Ao acordar hoje, fiquei sabendo de sua partida. Uma lástima. O mundo perde bastante com seu retorno ao Éter e o vazio artístico que vivenciamos hoje travestido de Cultura se alastra um pouco mais.
Obrigado por sua música, Naná! Sua Memória permanecerá viva para aqueles ainda vêem na música um portal para a comunhão espiritual da humanidade.

R.I.P.

2 comentários:

  1. Corretíssima homenagem, a um mestre virtuosi da percussão, que depois de Naná Vasconcelos, tornou-a um elemento imprescindível para o Free Jazz e toda música instrumental urbana, para riqueza da experiência musical de autores e ouvintes

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  2. O pior é ter certeza de que será o homenageado do Carnaval 2017. E só...

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