quinta-feira, 3 de maio de 2012

A TV Aberta e Os Ditames da Canção Brasileira - por André Maranhão


     Acabei de ler um texto que o meu amigo Bruno Vitorino me enviou. O teor desse texto se mostrava bem crítico quanto ao suposto “sucesso” de alguns artistas vistos como uma saída da Nova MPB. Seriam nomes como Romulo Fróes, Márcia Castro, Naná Rizinni, Marcelo Jeneci e Emicida, cujo autor dizia que apenas “jornalistas, publicitários e similares” conheciam esse pessoal. E isso faz sentido mesmo!

     Creio que no cenário atual da canção brasileira, há um ponto cada vez mais crucial: a relação entre os artistas e os programas de auditório. O texto que eu li tocava inteligentemente nesse ponto. Por mais recursos multimidiáticos que tenhamos, penso que o artista ainda necessita da boa e velha TV aberta, caso almeje cair na graça de um público mais amplo. E se ele não conquistar grandes emissoras e programas como Faustão, Gugu, Raul Gil não terá lá tanta chance de sucesso massivo. Mesmo que alguém procure uma fresta ou um filão num youtube da vida, ainda não podemos comparar, absolutamente, com o poder de fogo que tem a TV aberta. Confrontemos, por exemplo, Mallu Magalhães (youtubesca par excellence) com Paula Fernandes. Quem emplacou mais? Não tem nem graça, né? Ligue a TV ou até acesse o Youtube qualquer dia desses e você saberá...

     Por mais TV por assinatura que haja atualmente (cuja adesão realmente tem crescido) muita gente ainda passa o dia pendurada nas grandes emissoras. E é lógico que o sucesso convertido a partir da TV aberta é canalizado para outras mídias. Vide Padre Marcelo Rossi. Cantor catapultado pela Rede Globo e Escritor publicado pela Editora... Globo!

     Enquanto isso, a turma nova de uma MPB mais alterna, quando participa da TV, figura mais na rede fechada - em canais como GNT, Multishow ou Canal Brasil... Quando vai dar o ar da graça numa Rede Globo, aparece no Altas Horas ou no Som Brasil (ou seja, programas veiculados bem tarde). Mas aí, não vamos pensar que a "culpa" é necessariamente dessa turma (Romulo Fróes, Márcia Castro, Naná Rizinni, Marcelo Jeneci e Emicida), que faz uma arte com determinada estética e que uma parcela dos críticos julga como uma forma bem acomodada, quiçá confortável desses trabalhos. Lembremos também que há um monte de produtores dessas TV's pensando basicamente em dinheiro no bolso. E aí, não há muito rodeio pra eleger o que vende mais. Em todo esse encaixe, responsabilizar unicamente o artista por certa impopularidade, desconhecimento e ostracismo é de uma cegueira crassa, daquelas dos personagens de Henrik Ibsen, que vertem quaisquer fatos goela abaixo pra eleger um inimigo do povo - nesse caso, injustamente o artista. Vou citar um exemplo. Só não darei nome aos bois... Um cara que trabalha numa grande emissora foi escrever uma matéria com a palavra "Odisseia". Por causa disso, o “diretorzão” mandou trocar a palavra porque falou: "Como é que Dona Maria, lá na casa dela, vai entender a palavra Odisseia?" - Bom, isso até faz sentido, mas continuo a crer que é uma forma de subestimar a cognição do espectador e achar que todo mundo que assiste a TV aberta não tem acesso a um google ou a um dicionário pra buscar a palavra “Odisseia” e até pra perguntar ao parente, amante, vizinho, etc. No frigir dos ovos, um exemplo pontual e interacionista como esse nos mostra uma das formas mais simplistas de conservadorismo em uma cultura. E por decisão do Alto-Comando de uma emissora hein?

     Pra mim, a questão se torna mais complexa do que pensar se é o OVO (a culpa do artista, confortável na sua forma) ou A GALINHA (os grandes blocos midiáticos que optam pelo pastiche - em produtos como o verso: "Eu quero ser pra você a lua iluminando o sol" - cantado por Paula Fernandes. Um verso mais clichê do que esse não há, até porque o Sol, a Lua, o Verde e o Mar já me parecem meio esgotados após a Bossa Nova, O Clube da Esquina e Wando).
  
     Vamos fechar aqui com outra pergunta-resposta: Vocês sabem quem disputava o Globo de Ouro em 1976 na própria Rede Globo? Cito aqui alguns nomes: João Bosco e Aldir Blanc (Incompatibilidade de Gênios); Belchior (Apenas Um Rapaz Latinoamericano); Raul Seixas (Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás); Paulinho da Viola (Pecado Capital), etc. Detalhe, esse programa era exibido nas quartas-feiras, sextas-feiras e no domingo. Por falar em domingo: vocês sabem qual foi a “Música do Ano” em 2011 no Domingão do Faustão? Ai, Se Eu te Pego (de Michel Teló). Tem alguma coisa diferente aí, não acha?

3 comentários:

  1. Muito diferente André, afinal a mídia aberta antes existia sozinha e aglutinava todas as classes sociais, atualmente as classes mais altas consomem a TV fechada. E os grandes canais abertos querem estar com um ponto a mais no ibope e induzem que as classes C e D, só consomem "ai se eu te pego". Esse contraponto é observado quando se promovem os shows ao ar livre com os artistas que hoje quase só circulam nos canais fechados, o povo todo vai as ruas e assistem e participam. Ou seja, os grandes canais abertos ainda vivem da filosofia imposta de que o povo não necessita e nem gosta de qualidade, qq coisa serve. E sabemos que não é assim, outro dia no Parque Dona Lindu houve a apresentação de uma opereta clássica italiana e o povo estava lá assistindo. As apresentações da Orquestra Sinfônica, alternando o classico e as composições brasileiras tb enche os teatros e parques da cidade.
    Assim, podemos deduzir que os grandes canais abertos ainda tratam parte da sociedade como alienados, incultos e pornográficos. Por isso elegem Michel Telô com a música do ano.
    É uma pena!!!

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  2. Boa, André! Texto arretado! Concordo contigo e acho que isso cai naquilo que conversávamos quarta-feira: indústria cultural x produção artística. O fato é que o advento desse segmento da indústria no geral transformou a arte em produto e estratificou o público de acordo com suas conveniências mercadológicas. Ou seja, Michel Teló, "João Lucas e Marcelo" e Paula Fernandes é para o povão; Chico Buarque é para os intelectualizados de plantão; Criolo é para os hipsters (termo novaiorquino dos anos 1950 que volta) e assim por diante. "Cada um no seu quadrado", como já diz o poeta.

    Acontece que os artistas incorporaram esse discurso. Da Banda Calypso, passando por Chico Buarque, indo a Paul McCartney. O motivo é simples: grana aos montes. Daí que a arte - dentro desse mainstream cultural - enquanto processo subjetivo comprometido com a verossimilhança interna que conduz o ouvinte/leitor/espectador a um estado de graça é assassinada. É apenas um artefato de entretenimento sem caráter reflexivo. O que Audous Huxley chama de "soma" no Admirável Mundo Novo.

    Tempos sombrios...

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  3. Grande André! Primordialmente, parabéns pelo texto.

    E acho bom os músicos ganharem dinheiro. Desde que a música seja honesta!

    Um abraço.

    Gilberto da Costa Carvalho

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