Personagem
pouco lembrado pela imensa maioria daqueles que acompanham futebol hoje, João Saldanha foi um dos maiores
comentaristas de futebol e um técnico vitorioso, artífice da genial seleção de
1970 (frequentemente eleita por jornalistas do mundo todo como a melhor de
todos os tempos). Recentemente terminei “Vida
que segue- João Saldanha e as copas
de 1966 e 1970” livro que traz crônicas de Saldanha para diversos jornais,
mas principalmente para “O globo”. Alguns podem preferir o tom quase épico que
Nelson Rodrigues emprestava aos seus textos ou o lirismo, por vezes exacerbado,
de Armando Nogueira, como escritores de futebol. Prefiro a objetividade e o
pragmatismo dos textos de Saldanha.
Muito
antes de PVC, Saldanha já fazia análises táticas de times em suas colunas e era
um profundo conhecedor do desenvolvimento da história dos esquemas táticos.
Prova disso é um texto de Saldanha chamado “Leis
do impedimento e história do
futebol” em que ele demonstra que os esquemas táticos mudaram ao longo dos
anos principalmente em virtude da lei do impedimento. (Uma coisa me chamou
muita atenção com relação à lei do impedimento: Quando foi criada, em 1896, a lei
previa que um jogador para receber a bola deveria ter pela frente pelo menos
TRÊS adversário e não dois como funciona hoje).
Outra
característica marcante de Saldanha era a franqueza aos ser confrontado sobre
diversos temas, inclusive sua posição ideológica, o que lhe valeu o apelido de
“João sem-medo”. Saldanha era declaradamente comunista (inclusive havia sido
membro do partido comunista, que à época era proscrito) numa época em que ser
comunista era equivalente a ser chamado de criminoso no Brasil. Isso torna
compreensível sua saída do comando da seleção brasileira, justificado e
explicado por ele no excelente artigo “ Por que eu saí” escrito em 24/03/1970 que começa de forma
bastante simples e objetiva: “ Por que eu saí é muito fácil de explicar. O que
eu tenho dificuldade de explicar é porque eu entrei.” Não era possível ao
governo militar tolerar um “subversivo” como Saldanha obtendo resultados
animadores com a seleção brasileira. É bom frisar que antes de Saldanha
comandar a seleção, a mesma passava por uma crise grave em razão dos resultados
obtidos. A pífia campanha na Copa de 1966 aumentava ainda mais a pressão para
um bom desempenho nas eliminatórias para a Copa de 1970. Após classificar a
seleção para o mundial do México, os militares, receosos de que a seleção fosse
campeã com um comunista no comando, utilizaram-se de uma declaração dada por
Saldanha. Ao ser interpelado por um
repórter sobre a possibilidade de escalar Dario (o hoje folclórico Dadá Maravilha)
para a seleção pois o presidente da época Emílio Garrastazu Médici “teria dito”
que gostaria de vê-lo na seleção ( mas verdade seja dita, na entrevista dada a
Armando Nogueira, ele revelou ser fã de Dario, entre diversas outras análises
que fizera como fã de futebol) Segundo João Máximo, autor do também excelente “João Saldanha”, a declaração tomou outra dimensão a ponto de chegar a se
afirmar que : ”O presidente quer Dario no lugar de Tostão”. Saldanha, ao
receber essa informação de um repórter e sem saber da veracidade da mesma
respondeu: “O presidente escala o
ministério dele que eu escalo meu time”. Era somente com um deslize desses que
os militares estavam contando para pedir a cabeça de Saldanha, mesmo com os
resultados obtidos nas eliminatórias. Após deixar o comando da seleção,
Saldanha foi cobrir a Copa do México como comentarista de “O Globo” e foi
crítico quando tinha que ser, mas também reconhecia os méritos de Zagallo como
treinador do escrete.
Outra
faceta bastante conhecida de Saldanha era a de grande frasista. Algumas das
frases de Saldanha:
“ Quatro homens, um ao lado
do outro,é linha burra de 4 zagueiros. Só dá certo em parada militar, no
futebol é brejo certo”;
“Campo de futebol não é
loteamento. Ninguém pode ter posição fixa”;
“Na verdade, o futebol é uma
grande zona do agrião”;
“ Em 469 anos de história,
matamos menos gente do que vocês em dez minutos de campo de concentração”. ( em
resposta a uma pergunta de quantos índios foram mortos no Brasil desde o
descobrimento, feita por um jornalista alemão) ;
“Quando alguém acerta a
loteria três visitas são certas: a do corretor de ações, a do vendedor de
enceradeira e a do padre da paróquia”.
“ É preciso desafrescalhar
essa estória de canarinho. Meu time é formado por 11 feras. ( Ficou famosa a
expressão “ as feras do Saldanha).
Assim era o João sem medo: um homem de fortes convicções
e que as externava independentemente das pessoas que fosse desagradar. Por uma
grande coincidência, morreu em 12/07/1990 cobrindo a Copa do Mundo de 1990 pela
extinta rede manchete onde era comentarista. Foi-se o homem; ficaram as ideias
e as lições.
Obs: Além dos dois livros
citados acima, indico também “ O trauma da bola”, uma coletânea das colunas
assinadas por Saldanha que vão da preparação da seleção de 1982 até depois da
Copa do Mundo daquele ano.
Texto excelente, Fernando. Meus parabéns, sobretudo pelo comparativo com Nelson Rodrigues e Armando Nogueira. Depois deste texto, dá ainda mais vontade de ler João Saldanha. Ah, sobre a lei do impedimento, tem um professor meu da UFPE, Jorge Ventura que faz algumas pesquisas. Daí fica a dica. Abraço, cara!
ResponderExcluirPois é..Fiquei muuuito curiosa pra ler os livros. Adorei o texto. Esse blog tá bom demais: música e futebol. Falta agora falar do Nascimento da Tragédia e as festas dionisíacas ;)
ResponderExcluirMenino, eu era uma menina pequenininha lá pelo o agreste de PE, nem sabia o que era futebol. Meu pai assistia pelo velho e bom rádio, daqueles de 6 pilhas, bem grandão. E eu como sempre muito curiosa com as coisas, querendo sempre descobri mais, ficava junto do meu pai escutando quando os comentaristas falavam em João Saldanha. Lendo o texto agora me veio a lembrança dos meus idos 2 ou 3 anos, sentada no colo do meu pai. Isso é massa!
ResponderExcluirSensacional, Fernando. João Saldanha é um ídolo. Sempre gostei dele e vou procurar esse livro.
ResponderExcluirQuanto às obras literárias dele, recomendo "Subterrâneos do Futebol". É muito velho e dificílimo de achar. Li quando aluguei na biblioteca da faculdade, uma edição desgastadíssima.
Nele são contadas as histórias de Saldanha quando assumiu o Botafogo e os 'causos' de bastidores. As melhores são, sem dúvida, as encrencas nas quais Garrincha se metia. Impagável.
legal
ResponderExcluire muito chato
besta demais odiei é uma porcaria dupla
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