Para mim, agosto foi um instante. Fugaz. Passou por mim esquivo como um lampejo, irrefreável como uma rajada de vento que não vê nada além de seu curso. Dele ficou apenas uma palavra: correria. Mas, no meio da tormenta que nasce da peleja entre o tempo e as obrigações inerentes a cada um, dediquei meus (poucos) momentos de calmaria e paz de espírito a ouvir alguns discos que foram lançados recentemente. Por isso, nesta primeira parte, busco aqui compartilhar com os que me leem, em comentários ligeiros (logo, denuncio, já insuficientes para abarcar a infinita grandeza da Música em seu esplendor inefável) alguns desses trabalhos que, de forma boa, chamaram-me a atenção.
Mônica
Salmaso – Corpo de Baile:
Em seu mais recente trabalho, a cantora paulista
resgata uma maneira quase esquecida do fazer artístico: o garimpo, o trabalho
minucioso de pesquisa poética, musical e estética de obras que clamam por serem
objetivadas na construção coletiva da interpretação. No caso em pauta, trata-se
de pérolas geradas pela parceria entre Guinga e Paulo César Pinheiro que em sua
maioria não haviam sido gravadas, e outras as quais pairavam esquecidas num
passado longínquo. Gravado à moda antiga com os instrumentistas juntos no
estúdio, o álbum traz 14 canções esmerilhadas pelos arranjos primorosos de
Nailor Proveta, Nelson Ayres e Teco Cardoso, para citar só alguns, com
instrumentação variada que nos remete a uma sonoridade camerística; base mais que
adequada para acolher a voz precisa da cantora. Nos tempos em que a Música
Popular Brasileira (se é que esse termo ainda faz algum sentido) nos brinda com
falsas divas do sucesso comercial que de hit
em hit vão se consagrando diante
de um público cada vez mais inerte e homogeneizado, “Corpo de Baile” se impõe
como um trabalho de resistência verdadeiramente artístico que, por teimosia e
coragem, insiste em percorrer o contra fluxo do establishment. Um dos discos mais interessantes do ano até o
momento. Nos vídeos abaixo, é possível ver o processo de gravação das músicas "Corpo de Baile" e "Rancho das Sete Cores", além de ouvir os comentários de Salmaso sobre elas:
- Corpo de Baile:
- Rancho das Sete Cores:
Rua
– Limbo:
Na sequência do ótimo “Do Absurdo” (2011), os
recifenses da Rua apresentam seu mais novo álbum – “Limbo” – e se estabelecem
como um dos projetos mais interessantes da cidade. Subvertendo a lógica
ocidental estabelecida para a canção que submete ritmo e harmonia à melodia
enquanto elemento propulsor do desenvolvimento temático e suporte por
excelência da palavra, a Rua se vale de padrões rítmicos assimétricos, que se
sobrepõem, como forças norteadoras dos rumos da composição, gerando com isso um
conflito métrico que obscurece, por vezes, as articulações da forma e a noção
de pulso estável. Os acordes verticalizados são desconstruídos numa abordagem
polifônica que vai tramando em torno da estrutura dos temas algum
direcionamento harmônico de forte coloração modal. Não há aqui o canto das
sereias dos movimentos cadenciais e das resoluções harmônicas aos moldes
tradicionais que tanto seduzem nossos ouvidos viciados, e sim insinuações de
ambientes sonoros, campos harmônicos subentendidos, amplos e abertos. E permeando
toda essa densa estrutura está a melodia esculpida no ritmo a carregar uma
poesia irreal (no melhor dos sentidos), apartada das vicissitudes cotidianas da
experiência humana, que explora as margens da linguagem e o hermetismo dos
significados. Um disco esteticamente ousado e musicalmente bem construído, como
há muito não se via por estas bandas. Indispensável!
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