domingo, 21 de setembro de 2014

Ronnie Von - Ousadia Reconhecida (Antes Tarde do que Nunca) - Por Fernando Lucchesi



Para grande maioria das pessoas, quando se fala em Ronnie Von, a primeira lembrança que vem é o cantor de músicas românticas como “Tranquei a Vida” ou “Pra Ser Só Minha Mulher” ou ainda como o cantor, erroneamente vinculado à jovem guarda, que cantava versões dos Beatles e intérprete do gigantesco hit dos anos 1960 “A Praça”, que segundo o próprio Ronnie Von vendeu mais discos que o número de aparelhos de som que havia nos lares brasileiros.

O que pouca gente sabe é que entre 1968 e 1970 ele gravou três discos da hoje chamada “fase psicodélica”. Os três discos (“Ronnie Von” - 1968, “A Misteriosa Luta do Reino do Parassempre [sic] Contra o Império do Nunca Mais” - 1969 e “Máquina Voadora” - 1970) foram produzidos em uma época em que o cantor tinha contrato com a Phillips, mas a gravadora ficou por um período de tempo sem um executivo principal no Brasil. Como ele tinha obrigações com a gravadora em entregar discos, resolveu fazer o que realmente o interessava musicalmente. Aqui é importante fazer um parêntese: Ronnie Von sempre manifestou que gravou “A Praça” por pura insistência de Carlos Imperial, pois a música em nada lhe agradava. Quando surgiu a oportunidade de gravar um disco sem interferência da gravadora, ele cercou-se de três profissionais que entenderam a vaga ideia do que ele queria fazer e a concretizaram: o compositor Arnaldo Saccomani, o maestro Damiano Cozzela e o produtor Manoel Barenbeim. Além deles deve-se crédito também a Zé Guilherme e ao grupo B-612, que acompanhou Ronnie Von durante a gravação do disco de 1968.

Os três discos foram um fracasso retumbante de vendas na época e Ronnie Von sequer conseguia fazer shows dos discos, pois o estranhamento com o novo som era tanto do público como dos produtores de shows que não viam possibilidade de lucro com um produto musical tão incompreendido. Esse, portanto, era um período fadado ao esquecimento musical que vez por outra acomete artistas importantes da música brasileira. E continuaria assim se uma revista austríaca, no começo dos anos 2000, não tivesse colocado o disco de 1968 entre os cem mais importantes da música psicodélica mundial. Houve então o revival por parte de algumas bandas brasileiras e por parte do próprio público que passou a ter conhecimento desse período.

Em 2013 o canal BIS, do Multishow, resolveu fazer um documentário sobre esse período da carreira do cantor e chamou a banda Haxixins para acompanhá-lo, a princípio, em 15 faixas. O documentário não se restringe apenas ao período psicodélico. A parte inicial é um breve resumo do começo da carreira de Ronnie Von, suas influências (marcadamente os Beatles) e como ele conseguiu reunir e dar oportunidade às primeiras bandas de rock surgidas no Brasil influenciadas pela sonoridade dos Beatles pós-Revolver. Sem dúvida, a mais conhecida foi “Os Mutantes” (que teve seu nome sugerido por Ronnie Von, que à época lia um romance chamado “O Império dos Mutantes”). 

Mas, o que realmente torna especial o documentário são as cenas da gravação em estúdio de Ronnie Von com o Haxixins. A versão deles para “Máquina Voadora” é brilhante. Bom, para aqueles que não conhecem esta é uma excelente oportunidade de se familiarizar com o som e para aqueles que já conhecem é uma chance rara de ver Ronnie Von reinterpretando as músicas de um período que trouxe para o rock/pop brasileiro o que havia de mais moderno na época.


Já a biografia “Ronnie Von - O Príncipe que Podia Ser Rei” dos jornalistas Antônio Guerreiro e Luiz Cesar Pimentel não é mais que mediana. É claro que o livro não deve ser ignorado, pois preenche uma falha do mercado editorial brasileiro e corrige uma injustiça histórica, mas não há nada de novo em suas 158 páginas que já não se saiba sobre o biografado. Sobram questionamentos. Por exemplo, entre 1973 e 1977 Ronnie Von não lançou discos, à exceção de alguns compactos. O livro resume esse período assim: “Entre 1974 e 1977, lançou três compactos e se dedicou aos shows”. Durante esse três anos, nada de relevante aconteceu artisticamente? É verdade que ele só lançou alguns compactos, mas os shows eram calcados em que repertório? Ele conseguiu fazer shows em todo Brasil ou ficava restrito a alguns poucos lugares? Que banda acompanhava-o nesse período? Outro questionamento é se durante toda sua carreira nunca houve intervenção da censura, principalmente no período psicodélico, já que os censores notadamente franziam a testa pra algo que não compreendiam.

A vida pessoal e todos os problemas de relacionamentos são bem detalhados e nesse caso, os autores não douraram a pílula. Não omitiram nada. O que decepciona mesmo é a oportunidade de ir mais a fundo no período psicodélico além dos dois discos posteriores “Cavaleiro de Aruanda”, cuja faixa título é um rock Hendrixiano, e “Ronnie Von” de 1973. Não se pode duvidar da seriedade da pesquisa, mas a biografia de Ronnie Von tem muitas lacunas para serem preenchidas.

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