quinta-feira, 26 de abril de 2012

Olha Aí, O Meu Guri e Macca! - Por André Maranhão

Na semana passada pude conferir apresentações de Chico Buarque e Paul McCartney. Considero ambos significativos não apenas para a música, como também para a canção, já que assim como Luiz Tatit (2007) considero a canção algo diferente da música; um exercício bem peculiar, de combinar sons e palavras e prepará-los para o uso da voz. Esse métier é muito diferente de qualquer construção instrumental ou de algum poema, glosa, conto e epigrama. Por isso, acho que quaisquer análises prestadas sobre Chico Buarque e Paul McCartney devem transcender aspectos meramente instrumentais ou literários. Chico Buarque e Paul McCartney levaram a canção para direções muito significativas ao longo de suas carreiras. Mesmo com esse mérito, os dois divergem em vários aspectos, não apenas estéticos, mas comportamentais. E isso pra mim ficou ainda mais evidente após as apresentações da semana passada. Na sexta-feira percebi um Chico Buarque lacônico, quase “joãogilbertiano”, sem estabelecer muita interação com o seu público. Pouquíssimos momentos de maior proximidade ou descontração, como na sua despedida do show (quando ele se dirigiu à frente do palco e apertou uma série mãos sortidas da plateia) e no momento em que pôs o chapéu de Wilson das Neves para cantar um pouco. Chico parecia ali prestar um serviço taciturno, um serviço dos mais cotidianos; com tanta seriedade que apenas sorria com um sorriso pontual; daqueles que ele mesmo escreveu em Cotidiano! Diante de tanta Buarque formalidade, o Teatro Guararapes ainda assentava a histeria de mulheres e de homens que clamavam: “Chico, mostre a cabeça da Medusa!”, ou “Chico, onde está o veneno da Hidra de Lerna?”. Enfim, uma tietagem para qualquer semideus não botar defeito. Chico é um artista que aposta na segurança da forma. Em sua nova turnê ele apresentou as canções do seu novo álbum Chico (2011), mantendo o lirismo e a suavidade como a tônica, apenas com tímidas variações, melhor percebidas em Tipo Um Baião e Sinhá (esta última uma parceria com João Bosco). Chico veio escudado por muita gente competente: Luiz Cláudio Ramos (o seu arranjador), Wilson das Neves e Chico Batera são alguns nomes de quilate. Além das novas canções, Chico interpretou outras pérolas já consolidadas na MPB: Bastidores; Geni e o Zepelim; Futuros Amantes; O Meu Amor; Anos Dourados e Desalento. Finalmente, executou Cálice, mesclando essa canção com alguns versos de Criolo: um gesto no mínimo interessante. E o que falar de Paul? Que ele é o cara! Junto com John Lennon, constituiu uma das parcerias mais férteis da canção no século XX. Compôs não só hits, mas trabalhos de mudança estética para o panorama do Rock, como Helter Skelter (tocada no sábado passado no Estádio do Arruda). É certo que o repertório de Paul é profundamente nostálgico. Aliás, vários críticos associam a nossa época a uma cultura do Pós-Modernismo, marcada pelo forte retorno às nostalgias. Arjun Appadurai (2010) considera as turnês de Paul McCartney e de The Rolling Stones como exemplos marcantes do que ele chama de “nostalgia oblíqua”. No caso de Paul, haveria a reprodução de uma nostalgia pelos Beatles, transmitida não só para os fãs antigos, mas para novas gerações e novos grupos culturais: o que implica em pessoas jovens também cultuarem um ícone como Paul. Mas não deixemos que a nostalgia se converta em um fatalismo, tampouco em um tom de condenação, seja para Chico, seja para Paul. O repertório de Paul foi mesclado entre The Beatles, Wings e sua carreira solo. E mesmo após tantos anos, Paul interpretar sucessos como Yesterday, Band on The Run e Maybe I’m Amazed é algo muito significativo, pois nem sempre tocar o antigo é uma atitude artística condenável. Pelo contrário; pode se traduzir em uma postura relevante e pedagógica na formação de uma cultura. Paul já alcançou graus altíssimos de reconhecimento e legitimação, foi (e ainda é) um Beatle, cavaleiro da Rainha Elizabeth II e milionário. Não precisa mais provar nada no quesito fama! Atualmente, eu diria que ele optou por evangelizar seus clássicos como um peregrino da canção, e Recife foi um dos seus “Santiagos de Compostela” mais recentes. Penso que a peregrinação de Paul é uma atitude válida e não menos importante para a história da música. Afinal, essa coisa de nostalgia não é tão nova assim, tampouco exclusiva ao Rock de Paul ou à MPB de Chico. Tia DeNora (1995), demonstra que o próprio Beethoven por muito tempo da sua vida se apresentou com uma “trindade” de composições: as suas músicas, as de Mozart e as de Haydn (esses dois mais antigos do que ele) e nem por isso foi desconsiderado ou preterido como alguém genial na história da música. Sem falar no jazz, que aí daria pano pra manga no quesito standard e nostalgia... O que eu cá com meus botões pensei? Que Paul, um cavaleiro e Beatle milonário, passava de carro pela Avenida Beberibe de janela abaixada, acenando pra Deus e o Mundo, enquanto nos dias de hoje qualquer “restartzinho” mal olha pra cara dos seus fãs e dá “piti” se alguém encostar no seu carro! Enquanto eu vejo artistas que mal têm uma carta na manga, Paul McCartney tem um Royal Straight Flush é dá lições de cordialidade e gentileza, ao cumprimentar e tirar fotos com soldados da Polícia Militar de Pernambuco e ao abraçar crianças. Paul se esforçou deveras pra falar quase a metade do seu discurso em português, apelando até para certos regionalismos, como “Salve a terra de Luiz Gonzaga”; “Povo arretado” e pra voltar ao palco empunhando a bandeira de Pernambuco. Pierre Bourdieu (2005) dizia que não existe ato desinteressado. É evidente que a cortesia de Paul e o seu show multimídia lhe convertem grandes dividendos e aumento de prestígio entre seus fãs, mas Paul bem poderia não fazer nada disso que continuaria Paul com toda a sua áurea artística! E vamos conjecturar sobre o fato: e o fato é que Paul fez tudo isso! Entre Chico e Paul é difícil tecer muitas comparações. Mas saí com uma impressão de que o Show de Paul valeu mais o ingresso. Não necessariamente por questões de repertório, ou pelo fato de Paul se colocar como um multi-instrumentista ou como um cara mais descolado, mas por sua produção, pelo seu show de valor multimidiático forte (telões, pirotecnia, fotos, clipes) que deixam até os momentos antes de sua subida ao palco mais animados e interessantes. Enfim, sobre esse aspecto Paul dá um “Sir / Senhor” show pra cima do biscoito fino de Chico. Com relação ao Recife, acredito que o fato dessa cidade receber Paul McCartney e Chico Buarque num mesmo fim de semana não é um acaso qualquer: é, de fato, um indicador de mudança, de um passo importante no cenário da música mundial.

Referências APPADURAI, A. Modernity at large: cultural dimensions of globalization. Mineápolis: University of Minnesota Press, 2010. BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. [São Paulo]: Papirus, 2005. DENORA, T. Beethoven et l’invention du génie. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, Paris, v. 110, p. 36-45, 1995. TATIT, L. Todos entoam: ensaios, conversas e canções. São Paulo: Publifolha, 2007.

8 comentários:

  1. André, belo texto! Contudo, a meu ver, a nostalgia que vivenciamos hoje é fatalista! Numa contemporaneidade artística destituída de paradigmas e baseada na banalidade do imagem e no aparelho midiático, fica evidente um retorno ao paraíso perdido do passado por parte de um segmento supostamente intelectualizado da sociedade num culto alienado (como diz Marx) de ícones pretéritos. A busca por novos caminhos estéticos e a experiência artística perde completamente o valor. E, como você deixou claro em seu ótimo texto, foi exatamente isso o que aconteceu nas apresentações de McCartney e Buarque. Indústria cultural + marketing + massificação + não senso crítico = LUCRO para produtores e "artistas". Com essa equação, a arte perde o propósito.

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  2. Honestamente, eu não estou nem aí em falar e principalmente, ouvir coisas “nostálgicas”. Pela visão de muitos que escreveram por aqui, deve ser proibido envelhecer. Qual o problema em tocar coisas antigas? Se analisarmos deste modo, a música erudita deveria estar extinta com seus compositores que se perpetuam por séculos. Nem por isto os eventos das grandes orquestras ficam vazios. Um jazzista, um blueseiro só tocam coisas novas? Claro que não! Ou melhor, muitos até fazem versões horripilantes para músicas pops (já antigas). E quem não as faz? Penso que a discussão é bastante válida, mas, para mim, sempre irá terminar com opiniões diferenciadas e passionais e daquilo que pensamos sobre música. E garanto que muitos ficariam chateados se um Monk, Miles, Coltrane, Wellington (e tantos outros), não tocassem pelo menos alguns dos seus clássicos que sempre viveram as margens da mídia. É uma pena? Sim! Em muitos dos casos, em outros, nem tanto...assim como tantas coisas de Chico e Paul não são boas.

    Excelente texto André!

    Gilberto da Costa Carvalho.

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  3. Giba não me parece adequada a comparação por uma razão simples: todos os que você citou morreram (fisicamente). De Bach a Thelonious. É bem verdade que as obras deles foram imortalizadas e devem ser mais conhecidas. Mas, o grande problema seria se, em vida, eles abrissem mão de compor, criar e arriscar para se aconchegarem no conforto da mesmice e da fama. O que é o caso de Paul e Chico. Outra coisa, o que levantei aqui e discuti em meu último texto foram justamente a indústria cultural e o processo de enlatar a arte, deificando indivíduos e aniquilando a experiência artística e o olhar crítico. Muitos não entenderam... Porém, sigamos em frente, porque, caso contrário, não sairemos do lugar e para isso já basta a existência de McCartney e Chico Buarque.

    André, outra aspecto que me chamou a atenção. Pareceu-me perigoso comparar Beethoven a Paul e Chico. E digo isso não do ponto de vista musical (até porque não se compara mesmo!), mas do ponto de vista histórico. Sinto cheiro de anacronismo! Beethoven foi o responsável pela emancipação do compositor e da música em si do poder do soberano (rei, conde, imperador, etc). Antes dele, a música representava senão o poder real; após ele passou a representar a verossimilhança interna (Walter Benjamin) do artista. Porém, em muitos momentos ele teve de ceder à pressão do soberano e inserir em seu repertório obras mais "populares" de outros compositores. Daí que apareceram Mozart e Haydn. O que acontece hoje com Chico e Paul, além de estar inserido em um contexto histórico diferente, mais tem a ver com o comodismo artístico do que com o clamor popular.

    Um abraço!

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    1. Bruno,

      E por que não? Um dia todos estes foram vivos e devem ter composto coisas de pouca (ou menor) qualidade. Continuo achando muito passional e é o normal!
      Beethoven fez coisas ruins, Monk fez coisas ruins, Miles fez coisas ruins, assim como Paul e Chico também fizeram coisas ruins e coisas muito boas.
      E todos, eu disse todos, são conhecidos por seus clássicos. Suas composições imortais! Aquelas que nunca puderam deixar de tocar. Ou deixarão de tocar...

      Um abraço.

      Gilberto da Costa Carvalho.

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  4. Giba, obrigado pelas opiniões e pelo espaço que você, Bruno, Ângelo e Fernando me deram pra contribuir neste blog. Sinto muita satisfação também em participar desse debate.

    Bruno, obrigado pelas críticas e pelo depoimento. A sua argumentação me deu a impressão de uma abordagem bem marxista/culturalista da arte. Em alguns momentos, seus escritos me lembraram a tese de Peter Bürger em "A Teoria da Vanguarda", quando ele sustenta que a vanguarda (como qualquer projeto de emancipação moderno - e isso ecoa com Theodor W. Adorno e Walter Benjamin) é um projeto fracassado da nossa sociedade. Isso faz coro à sua posição fatalista e com certeza faz sentido - inclusive se deslocarmos essa observação pra as relações de mercado, produção, artistas, etc. Enfim, o que você já colocou acima.

    Por exemplo, a relação entre forma e conteúdo da obra artística e a captura de uma estética pelo mercado) são também evidentes em vários cenários da arte. Nas artes plásticas, depois de Marcel Duchamp (com o mictório, os espelhos e os porta-garrafas) qualquer busca que um artista almeje ou se valha pela arte de Duchamp não apenas se aplica apenas na estética do seu trabalho, mas na vontade em que o seu trabalho de "vanguarda", ou "ruptura" figure em um museu, ou algum espaço senão de grana também de prestígio e legitimação em toda essa história. Em suma: nos dias de hoje qual dos inúmeros artistas atuais não quer ou ao menos não precisa passar por um edital, contrato e ter o disco, a peça, a instalação patrocinadas por um bom pano de fundo? Se não pelo Governo, por bancos, multinacionais, etc? Aí vem o lance da institucionalização da arte que eu acho cada vez mais difícil de escapar, por mais vanguardista que alguém pretenda ser. E É inegável que esse processo institucional está em nomes como Chico Buarque e Paul McCartney, processo altamente capitalista. Mas a minha análise acima, preferiu se concentrar na produção do show. Se a gente pensar em algum artista que tenha se desvinculado de um mercado, buscando não apenas autonomia, mas a conscientização política a partir dos seus trabalhos; só encontraríamos casos raríssimos na história da arte. Talvez Bertolt Brecht seja um deles! Nem Mozart, que abandona a corte de Salzburgo e toma uma posição política muito relevante, ao decidir tocar na França e ganhar sua própria grana, nem esse Mozart, fugiu plenamente de uma captura do capitalismo! Capitalismo embrionário, diga-se de passagem, mas que figura quando Mozart abre mão do financiamento da Nobreza Austríaca pra cair no colo da Burguesia Francesa. Uma coisa parecida com a Arte pela Arte na Literatura do século XIX: a grana continua correndo solta no meio da arte e o artista nesse fogo cruzado!

    O exemplo de Beethoven que coloquei no texto não pretende se traduzir num anacronismo. Afinal, tecer quaisquer comparações estéticas entre um músico erudito, Chico Buarque e Paul McCartney não cola. Até porque Beethoven não escreveu canções Mpebistas e nem de Rock. Sua praia residia em outras possibilidades da forma e do conteúdo. Mas o exemplo de Beethoven é crucial (mesmo que em um momento histórico muito diferente do vivido por nós, por Chico e por Paul), porque nos mostra que a nostalgia não é uma variável exclusiva aos dias atuais, mas um efeito do campo artístico, do cenário artísitico de várias épocas e de várias materialidades também: seja da fotografia, música, teatro, literatura, etc, todas elas possuem relação com a nostalgia e vez ou outra recorrem para o nostálgico. Isso é um dado cultural e não uma heresia; penso eu. Até alguém como Beethoven não é apenas um cânone da arte: mas um cânone que se apoiou em outros cânones (Mozart,Haydn) em sua vida musical e pra fazer e viver a arte. Paro por aqui!

    Grande Abraço!

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  5. Giba, como disse, chegamos à encruzilhada de nossa discordância, por isso me parece que estamos andando em círculos retóricos. Talvez estejamos enxergando o mesmo fato, mas de pontos de vista diferentes.

    André, primeiramente gostaria de dizer que é uma honra tê-lo como parceiro de blog. Bem-vindo! Tens muita razão. Tenho muito apreço pela Escola de Frankfurt (apesar de ter sérias ressalvas quanto a Marx). Você traz várias questões em seu argumento. Concordo com vários apontamentos seus e percebi sua ênfase na produção dos eventos. Mas continuo discordando quanto a Beethoven. Hehehehehehe! Mas, enfim, fundamental é trocar idéias e ventilar a pluralidade de perspectivas. Como diz Paul Veyne, "entre o observador e o fato, há um vácuo que é preenchido por quem vê". É por aí!

    Um abraço!

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    1. Talvez bêbados cheguemos a um ponto aceitável! hahahahahaha.

      Um abraço e Cadu mais tarde André! Tomarmos "aquela filosofal!"

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