quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Gonzaga: De Pai pra Filho - Por André Maranhão Santos

Lá fui eu conferir Gonzaga De Pai pra Filho – filme lançado há menos de uma semana e que já ocupa o terceiro lugar nas bilheterias do Brasil. Quem encabeça a lista dos filmes mais assistidos no momento é 007 – Operação Skyfall. A história do agente britânico já arrecadou R$ 3,4 milhões e cerca de 500 mil espectadores em três dias nos solos brasileiros. Após esse balanço de valores “tão módicos” sobre 007, voltemos para o filme Gonzaga.


De fato, a relação entre pai e filho me parece o ponto mais crucial em Gonzaga. Em boa parte da cultura ocidental, a relação entre pai e filho representa um dos temas de maior relevo e pano de fundo. Numa teologia judaico-cristã, por exemplo, aparecem alguns aspectos dessa relação. O Pai é Deus, e ele incide sobre todos e está em todos. Mesmo que alguém não professe o Deus Pai, é ele quem constitui um lugar de reparação de nossos erros ao longo da vida. Em outros termos, é Deus quem restitui alguma identidade para o Homem. Essas relações ecoariam numa Psicanálise (primeiro em Freud e depois em Lacan) no caso alegórico do Cristo assassinado na Terra. O assassínio de Cristo não necessariamente (ou exclusivamente) culminaria em nossa salvação, mas na salvação do próprio Pai, do nosso temor e procura por algo no Pai. Cristo morreria para salvar o Pai e para reavivar a sua identidade. Isso descamba numa discussão sobre a identidade. 

Se no Cristianismo, o Filho procura a sua identidade no próprio Pai, no filme Gonzaga – De Pai pra Filho, o Filho (Gonzaguinha) vai até o Sertão em Exu à procura de uma  identidade através de um diálogo com o seu Pai, o  Gonzagão. Para isso, Gonzaguinha leva um gravador para registrar algumas conversas com Gonzagão, mas a procura por uma identidade no Pai é tortuosa. Elas revelam traumas, recalques e contradições entre o Gonzaga Pai e o Gonzaga Filho.
  
Acredito que a aderência entre as identidades do Pai e do Filho não são necessariamente viagens ou sandices filosóficas, psicanalíticas e históricas impertinentes para esta discussão. Basta vermos o Superman. Lá já está posto este ponto. Clark Kent nasce em Kryptonia e o verbo ecoa na fala do seu pai Jor-El: The son becames the father, and the father becames the son. O filho se torna o pai e o pai se torna o filho. Fiat Lux!

O Gonzaga – De Pai pra Filho comoverá e já comoveu muita gente. Comoções à parte, lembremos que o filme possui algumas limitações e problemas. Um deles está no desafio de elaborar um roteiro que destaque o conflito entre pai e filho ao mesmo tempo em que tenta uma abordagem das biografias de Gonzaga Pai e Gonzaga Filho em apenas duas horas de produção. O resultado é uma dispersão no próprio roteiro e algumas dificuldades para retomar os cenários anteriores. 

Os fortes elementos do pastiche em Gonzaga se assemelham demais a 2 Filhos de Francisco (2005) e Lula, o Filho do Brasil (2009) em alguns momentos, ou ao estilo Novela da Oito da Rede Globo de não mergulhar suficientemente nos personagens principais. Gonzaguinha, por exemplo, é representado por quatro atores diferentes, mas nenhum deles me parece aprofundado de maneira satisfatória na trama. 

A melhor interpretação do filme é a de Júlio Andrade (que vive o Gonzaguinha mais velho e já famoso). Mesmo assim, o personagem de Júlio lastreia levemente a história. O Gonzaguinha vivido por Júlio Andrade pode remontar à Margareth Thatcher de Meryl Streep; ao Ray Charles de Jamie Foxx; ao Cazuza de Daniel de Oliveira e ao General Patton de George C. Scott no seguinte aspecto: “Poesia é imitação”. Esta máxima foi propagada por Platão e por Aristóteles, os quais consideravam a arte como uma mímesis (μίμησις). Mas este conceito pode ir além, pois a mímesis não é apenas imitação, mas a denotação das coisas na arte. Isso vale para todas as mídias. Eu também diria que a arte pode ser convenção cultural, estruturação, inconsciente e inatismo – de tal maneira que nenhuma dessas condições excluiria necessariamente as outras. 
  
Para mim, o Gonzaguinha interpretado por Júlio Andrade deixa claro que a arte como mímesis (ou seja, aquela arte voltada para a imitação, semelhança e ou denotação sobre a realidade do mundo), traduz um peso considerável para sentirmos algo e nos comovermos com esse algo. A partir disso, alguns argumentos - entre eles o de que o figurativo, a imitação e a denotação estariam em decadência e esvaziados na arte - é uma grande balela. Talvez o problema maior resida nas condições e contextos onde se imita e denota algo. O Gonzaguinha vivido por Júlio Andrade, as vegetações, as festas representando o sertão de Exu, os primeiros esboços do vira-e-mexe (ritmo que mesclou sanfona, zabumba e triângulo com o cavaquinho, bandolim e violão-sete-cordas) e o baião executado por Gonzagão, podem causar grande comoções – assim como os jogos entre as canções de Gonzagão e Gonzaguinha (que me parecem uns dos maiores trunfos do filme). Vale a pena senti-los até à maneira Álvaro de Campos (Fernando Pessoa) que diz: “Vale a pena sentir para ao menos deixar de sentir”!




2 comentários:

  1. Caro André,

    Novamente um texto brilhante! É sempre um prazer poder ler e analisar suas opiniões sobre os temas propostos.
    Concordo com o abordas sobre o mímesis. E aqui no Brasil, parece que tudo tem que ser cópia para que o povo se debulhe em lágrimas. Até a emoção perde a real essência.

    Um abraço.

    Giba Carvalho.

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  2. Grande análise, André! Trazer o conceito clássico de "mímeses" nesse contexto pós-modernos do não-paradigma foi de uma ousadia contundente.

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