De fato, a relação entre pai e filho me parece o ponto mais crucial em Gonzaga. Em boa parte da cultura ocidental, a relação entre pai e filho representa um dos temas de maior relevo e pano de fundo. Numa teologia judaico-cristã, por exemplo, aparecem alguns aspectos dessa relação. O Pai é Deus, e ele incide sobre todos e está em todos. Mesmo que alguém não professe o Deus Pai, é ele quem constitui um lugar de reparação de nossos erros ao longo da vida. Em outros termos, é Deus quem restitui alguma identidade para o Homem. Essas relações ecoariam numa Psicanálise (primeiro em Freud e depois em Lacan) no caso alegórico do Cristo assassinado na Terra. O assassínio de Cristo não necessariamente (ou exclusivamente) culminaria em nossa salvação, mas na salvação do próprio Pai, do nosso temor e procura por algo no Pai. Cristo morreria para salvar o Pai e para reavivar a sua identidade. Isso descamba numa discussão sobre a identidade.
Se no Cristianismo, o Filho procura a sua identidade no próprio Pai, no filme Gonzaga – De Pai pra Filho, o Filho (Gonzaguinha) vai até o Sertão em Exu à procura de uma identidade através de um diálogo com o seu Pai, o Gonzagão. Para isso, Gonzaguinha leva um gravador para registrar algumas conversas com Gonzagão, mas a procura por uma identidade no Pai é tortuosa. Elas revelam traumas, recalques e contradições entre o Gonzaga Pai e o Gonzaga Filho.
Acredito que a aderência entre
as identidades do Pai e do Filho não são necessariamente viagens ou sandices
filosóficas, psicanalíticas e históricas impertinentes para esta discussão. Basta
vermos o Superman. Lá já está posto este ponto. Clark Kent nasce em Kryptonia e
o verbo ecoa na fala do seu pai Jor-El: The
son becames the father, and the father becames the son. O filho se torna o
pai e o pai se torna o filho. Fiat Lux!
O Gonzaga – De Pai pra Filho comoverá e já comoveu muita gente. Comoções
à parte, lembremos que o filme possui algumas limitações e problemas. Um deles
está no desafio de elaborar um roteiro que destaque o conflito entre pai e
filho ao mesmo tempo em que tenta uma abordagem das biografias de Gonzaga Pai e
Gonzaga Filho em apenas duas horas de produção. O resultado é uma dispersão no
próprio roteiro e algumas dificuldades para retomar os cenários anteriores.
Os fortes elementos do pastiche
em Gonzaga se
assemelham demais a 2 Filhos de Francisco (2005)
e Lula, o Filho do Brasil (2009) em alguns momentos, ou
ao estilo Novela da Oito da Rede
Globo de não mergulhar suficientemente nos personagens principais. Gonzaguinha,
por exemplo, é representado por quatro atores diferentes, mas nenhum deles me
parece aprofundado de maneira satisfatória na trama.
A melhor interpretação do filme
é a de Júlio Andrade (que vive o Gonzaguinha mais velho e já famoso). Mesmo assim,
o personagem de Júlio lastreia levemente a história. O Gonzaguinha vivido por
Júlio Andrade pode remontar à Margareth Thatcher de Meryl Streep; ao Ray
Charles de Jamie Foxx; ao Cazuza de Daniel de Oliveira e ao General Patton de
George C. Scott no seguinte aspecto: “Poesia é imitação”. Esta máxima foi propagada
por Platão e por Aristóteles, os quais consideravam a arte como uma mímesis (μίμησις). Mas este conceito pode
ir além, pois a mímesis
não é apenas imitação, mas a denotação
das coisas na arte. Isso vale para todas as mídias. Eu também diria que a arte
pode ser convenção cultural, estruturação, inconsciente e inatismo – de tal maneira que nenhuma
dessas condições excluiria necessariamente as outras.
Caro André,
ResponderExcluirNovamente um texto brilhante! É sempre um prazer poder ler e analisar suas opiniões sobre os temas propostos.
Concordo com o abordas sobre o mímesis. E aqui no Brasil, parece que tudo tem que ser cópia para que o povo se debulhe em lágrimas. Até a emoção perde a real essência.
Um abraço.
Giba Carvalho.
Grande análise, André! Trazer o conceito clássico de "mímeses" nesse contexto pós-modernos do não-paradigma foi de uma ousadia contundente.
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