Há quatro anos, fui convidado pelo site Clube de
Jazz para cobrir a apresentação de Eumir Deodato na 5ª edição da MIMO.
“Arretado!”, pensei. Nunca tinha visto o pianista em ação e, a julgar por sua
produção nos anos 1960 e 70, imaginava que o concerto seria, no mínimo,
intenso. Ledo engano... Fui recebido com uma apresentação morna e burocrática,
cujo evento mais interessante era Fafá de Belém dançando e sacolejando sua
protuberância mamária num sobe e desce que deixaria Isaac Newton perplexo. Foi
hipnótico!
Deodato se
despedia quando um rapaz da primeira fileira (aquela que você só consegue se
tiver um bom contato) gritou “Toca Zaratustra!”. O clima ficou tenso. O
semblante do instrumentista mudou radicalmente do simpático a contragosto para
o carrancudo com veemência. Olhando nos olhos do jovem, Eumir foi cortante: “E
quanta grana vai rolar?!” Eu quase aplaudi! Não pela atitude mordaz, muito
menos pelo concerto vazio, mas sim pela a sinceridade em deixar claro que só
estava lá pelo dinheiro. O Planet Hemp fará algo bem parecido neste sábado na
passagem da Tour 2012 pelo Recife. Só
que o grupo carioca substituirá a obscena franqueza do “E quanta grana vai
rolar?!” pela rebeldia vendável do “Advinha, doutor, quem tá de volta na
praça?!”.
Não entendeu, meu
querido? Então, permita-me desenvolver meu raciocínio.
O Planet Hemp
despontou na segunda metade dos anos 1990, quando o rock nacional vivia uma
efervescência produtiva que articulada à ainda estruturada indústria
fonográfica obteve resultados significativos. Em 1996, o Sepultura mergulhava
na cultura xavante e nas tradições percussivas da Bahia incorporando a sua
música interessantes matrizes rítmicas, para o espanto dos puristas do gênero,
no aclamado disco Roots. Neste mesmo
ano, o Raimundos lançava o excelente Lavô
Tá Novo que misturava com muita sagacidade guitarras distorcidas, forró
pé-de-serra e letras debochadas. Aqui em Pernambuco, o Hanagorik pré-produzia
seu ótimo álbum de estreia Uncivil
que projetaria o quinteto de Surubim inclusive no exterior.
Nesse panorama
favorável, o surgimento do Planet Hemp foi recebido com entusiasmo pela mídia e
pelo público por sua atitude provocadora ao abordar de maneira direta o consumo
da maconha. O disco de estreia – Usuário
– com músicas como “Dig Dig Dig”, “Mantenha o Respeito” e “Legalize, Já”
deu a tônica do discurso inflamado do grupo carioca e causou tanto estardalhaço
que logo consagrou a banda como o mais novo grito de protesto do rock
brasileiro. Os dois álbuns seguintes - Os
Cães Ladram Mas a Caravana Não Para e A
Invasão do Sagaz Homem Fumaça - deram continuidade às letras panfletárias e
à sonoridade agressiva, mas tanto a pobreza musical quanto a escassez
argumentativa do grupo fizeram com que seu tênue caráter contestador se
dissolvesse. Já não havia mais o que dizer e a carreira solo de Marcelo D2
começou a se mostrar mais promissora. A banda se desfez...
Inegavelmente o
Planet Hemp trouxe àquele cenário específico um sopro de ousadia política ao
pacato mundo pop, mas acreditar na suposta autenticidade revolucionária da
banda é sucumbir ao engodo da imagem. É bastante palpável o caráter efêmero e
datado da produção do grupo, bem como é latente a superficialidade de suas
críticas, as quais construíram ao seu redor uma aura subversiva, mas que na
verdade encobriam uma rentável estratégia de marketing que comercializa
atitudes e rótulos. Não se iluda, meu caro, pois o ideal modernista de
vanguarda que buscava novas possibilidades expressivas, a contestação dos valores
estabelecidos pela sociedade e a independência do artista da estrutura formal e
comercial da arte foi completamente esvaziado e substituído pela lógica
especulativa e mercadológica do mundo pautado pelo consumo massificado. O
Planet Hemp não ficou de fora.
O que mais seria
esse retorno triunfal da banda após um hiato de 10 anos afastada dos palcos senão
um anacronismo crasso e um oportunismo empresarial escancarado?! Na tentativa
de recriar a atmosfera que o grupo encontrou no auge de seu sucesso, o Planet
Hemp abraça a onda dos revivals que
torna desnecessário o processo criacional e promove lucrativos simulacros de revolução
por todo o país. Algo não muito diverso das festas temáticas “Anos 80” animadas
ao som de Silvinho Blau Blau e das Paquitas. Inclusive no que se refere à
espetacularização da arte e na redução da experiência artística a espasmos de
euforia compartilháveis em redes sociais destituídos, por conseguinte, de todo
e qualquer teor reflexivo. A indústria cultural passa a trocar e negociar
signos, e não mais obras, de modo que o Planet Hemp mercantiliza a lembrança do
que um dia representou para uma geração de adolescentes rebeldes.
Espero
sinceramente que você, meu querido leitor, não apele ao clichê de taxar minha
análise de “reação conservadora” ou de “estertor reacionário”, pois não se
trata disso. Você sabe ler, tenho certeza. Respeito e reconheço a liberdade que
a banda tem para tratar dos assuntos que lhe aprouver, mas, em contrapartida,
também sou completamente livre para apontar suas ranhuras ideológicas e desmontar
a ilusão subversiva criada pelo grupo. É fundamental ao menos ter noção dos
mecanismos que viabilizaram a construção do Planet Hemp, caso contrário,
“curtir o som” deles será um ato pautado pela mídia, pela indústria do
entretenimento ou pelo desejo de integrar o clube de seguidores que o valoriza
e o referenda.
Por tudo isso, se você atendeu ao chamado de Marcelo
D2 e BNegão no vídeo acima, desembolsou os R$ 100,00 do ingresso (ou os R$
200,00 da área VIP, se achar que é chique demais para se misturar com os outros)
e acredita piamente que está contribuindo com sua parcela de insubordinação à
ordem social estabelecida; só me resta lamentar por ti. Foste ludibriado, meu
caro. Simples assim.
Meu velho, o texto está ótimo! Vai muito ao encontro do que eu penso sobre esses revivals. Não tenho nada contra, desde que vc saiba o que está comprando, que é uma sensação de "Éramos todos jovens". Mas tenho que dizer: o trecho "Fafá de Belém dançando e sacolejando sua protuberância mamária num sobe e desce que deixaria Isaac Newton perplexo.", vai entrar para e história desse blog!Eu não definiria melhor!
ResponderExcluirBrunão, na minha opinião o seu melhor texto para o blog. De fato, tudo que falastes acima, é o que está acontecendo atualmente na música e, principalmente, o que ocorreu à época. Fazendo uma pequena ressalva. O “Lavô tá novo” foi quando o Raimundos iniciou sua fase mais pesada. A época do “forró-core” propriamente dito, ocorreu dois anos antes no primeiro disco da banda. O mais lamentável disto tudo, é que o Planet Hemp, tornou-se uma jogada de MKT pesada. Como tantos outros nos últimos tempos. Ainda assim, prefiro a música que a banda fazia do que a “sacal” carreira solo de Marcelo D2. Esta, eu tarjo como insuportável! E tenho sérias desconfianças que esta volta ocorreu somente porque os tostões investidos “a procura da batida perfeita” (todo disco solo dele, tem essa merda de frase) cansou...ou simplesmente não existe. Eram musiquinhas para “Pattys” requebrarem seus traseiros em festas alternativas. “Colé neguinho, colé?”
ResponderExcluirO mais engraçado nisto tudo, é que as ditas festas “80ths”, só vieram ocorrer na pós-metade dos anos 2000. O mais preocupante, é que a pobreza criativa que assombra há anos o “rock nacional” já é tão alarmante, que estes shows “revivals” começam cedo demais. Mesmo! Afirmei isto no meu último desafio ao debate aqui mesmo no blog. Quantos comentários foram feitos? Que nada! O que importa é diversão e o “calor-humano” da cenosidade.
Reafirmo: “quando os grupos acham suas fórmulas perfeitas, eles param de criar. Este, é o maior crime que se pode fazer com a música!”
Um abraço,
Giba Carvalho.
Brunão, aplaudi de pé aqui! Grande texto e uma bom tema pra escrever! Bela surpresa!
ResponderExcluirDiscordo pois continuo queimando tudo até a última ponta, procure se informar
ResponderExcluiruma erva natural não pode te prejudicar. Pense um pouco meu irmão. Você tem medo de quem? Vi você tentando dixavar seu papo cretino, mas eu escutei! Intriga, intriga, vocês tão querendo é briga. A gente não engole tudo que mastiga, olhe pra trás, veja quem fez e quem faz. Dig dig dig Planet Hemp! Acenda um e ouça o que eu tenho a lhe dizer: esse é o Planet Hemp e não tenho o que esconder. Adivinha doutor quem tá de volta na praça? Planet Hemp! Ex-quadrilha da fumaça! Triste é que esta jogando 12 por 18 e tentando se esquivar... Pra você tomar cuidado com os porcos fardados, não falo por falar eu procuro me informar, A vida é dura, eu sei, mas tudo bem. Eu sou capaz,olho nos olhos dos meus filhos e aí é que o mundo cai, caminhos tão diferentes pra que lado que a gente vai? Morpheus de Matrix me mostrou toda a verdade. Eu sei muito bem que a vida não é um conto de fada, eu uso minha cabeça e ela nunca pode tá parada, não caio em cilada, e ando sempre em frente. Não, não preciso da sua postura, me contem aonde eles se escondem, Mas se você quer brigar ponha a barba de molho,comigo é dente por dente,meu irmão, olho por olho, de você tem amor pelo que que tem no peito, Bruno mas mantenha o respeito.
Fred Lyra
O que foi isso gente?? não entendi "lhufas" do que esse Fred Lyra quis dizer, afinal, ele vai cantar ou comentar? é contra ou favor? tá sóbrio ou muito doido?. O texto de Bruno está ótimo, é exatamente isto!Bruno tá certo! e ele ainda foi bom que não falou dos "Los Hermanos!". Parabéns Bruno, excelente texto, continue assim!
ResponderExcluirAmanda
Bruno, meu querido.. foste fundo na ferida e realmente dissecaste não só a ridícula postura de bandas que pensando estar se reciclando estão apenas iludindo um público que fica entre o carente e o otário. Aliás, coisa muito comum no showbizz, não só aqui no Brasil, mas de resto em todo o mundo. Eu estou francamente decepcionado com o geral da música brasileira, seja ela "de raiz" (no caso desses babacas aí tá mais pra raiz e folha, com talo e tudo, o que eles querem afinal é queimar a erva e os restantes dois neurônios que ainda possuem, se é que algum dia possuíram dois ou mais...) Enfim.. música popular é sempre o mais do mesmo, inclusive a música que eu compus, arranjei, toquei, cantei e nem eu mesmo aguento mais. Putz.. não há muita coisa mais pra se ouvir neste mundo velho sem fronteiras, a não ser aquilo que a gente eternamente escolheu como música de qualidade. Mas qualidade mesmo, esteticamente, musicalmente, comprovadas. Porque música e estética não são coisas subjetivas, como parecem. Há regras. Como há porcarias sonoras que passam como um trator por cima de qualquer noção do que seja musical e estético, ou resumindo, musicalmente belo e emocionante. Acho que a idade contribui, pelo tanto de experiências musicais que a gente tem ao longo de quase sete décadas fazendo e ouvindo música. Parabéns pelos seus textos sempre inteligentes e oportunos. Este em especial. Bandas como esta e tantas mais não mereciam sequer serem comentadas com tanta perfeição e discernimento. Lixo nem sempre é reciclável. E, para mim, pelo menos, esses caras e milhões de seguidores e admiradores desse lixo musical só têm um destino comum: o esquecimento. Abração !
ResponderExcluirNão estou buscando comparações, tampouco estou bancando advogado de ninguém. Mas penso o seguinte: e se o Pink Floyd, Os Stones, Led Zeppelin, Ac-Dc, Bowie, entre outros, entrassem numa onda de revivals? Creio que o mundo agradeceria. No caso dos integrantes do Planet Hemp, acho que o retorno tem sim seus motivos financeiros. Mas cabe também a reflexão acerca daquilo que nos apraz, como bem pontuou Bruno. E indago a todos: será que sempre que se desembolsa um montante pra ver uma banda que retorna (sejam quais forem os motivos) se está sendo ludibriado simplesmente? Paguei 150 pra ver Paul, e houve quem pagou 300 (da inteira) ou 400 da área vip, e não se sentiu, em momento algum, ludibriado. O mesmo com chico Buarque, cujo show foi comentado de maneira irônica pelo mesmo Bruno. Reitero que não estou defendendo o Planet ou mesmo buscando comparações, mas apenas questionando se ser ludibriado é ir assistir o show dabanda favorita? Claro, acreditar que está contribuindo pra qqr tipo de diálogo sobre uso de drogas, ou para desconstrução da ordem social indo ao show dapresente banda, é estar sim sendo OTÁRIO. Mas sobre ir ao show: não vejo problema algum.
ResponderExcluirTomé, a grande diferença em questão é que tanto Paul McCartney, quanto Chico Buarque ainda lançam discos. Possuem suas carreiras ainda na ativa. Não sou totalmente contra o revival! Só que depende muito do porque é feito. Não acho nada demais uma banda tocar um album antigo na íntegra. O problema em questão é o modo que se faz. No caso do Planet Hemp, é patético! Chega a beirar o absurdo! Conseguiram superar inclusive o Los Hermanos, que é uma banda que tinha tudo pra estar na ativa e prefere continuar passeando de quando em vez sobre o passado.
ResponderExcluirObservação - creio que todos os que aqui comentaram gostariam de assistir a um show revival de um artista do seu gosto, ou de um disco especial. Isto é altamente comum na Europa e nos EUA. Bandas tocarem discos na íntegra em clubes menores. O problema é a "escancaração"! Voltei porque tô afim de dinheiro! Isto não é música, é covardia!
Um abraço,
Giba Carvalho