Quando o Muse
lançou em junho a música “Survival” algo já me dizia que a vertente pop evidenciada
no último álbum da banda “The Resistance” iria prevalecer. Até aí tudo bem! Era
possível acreditar que apesar de deixarem de lado as influências hard rock/
heavy metal/música clássica dos primeiros discos que os consagraram. A
sonoridade mais pesada, de certa forma, seria preservada. Ledo engano!
A nova guinada
(para pior) do Muse se revelaria rapidamente com o lançamento do primeiro
single, “Unsustainable” do novo disco, “The second Law”. A música é uma
tentativa meio amalucada da banda de misturar a influência de música clássica
com Kraftwerk, com vocais robóticos/computadorizados sem o menor sentido. Já
foi o suficiente para esperar uma verdadeira bomba, pois “Survival” e
“Unsustainable” eram músicas muito aquém do que o Muse poderia produzir.
Com o
lançamento do disco em outubro minhas piores expectativas foram confirmadas, mas
é possível acreditar que há salvação. Se o disco for analisado faixa a faixa
será perceptível que a banda decidiu reproduzir, com muita intensidade, um som
dos anos 1980 de deixar o The killers com inveja. É um sem-fim de
sintetizadores e baterias eletrônicas! “ Madness” é um exemplo claro disso. Uma
tentativa frustrante da banda soar “pop” talvez objetivando a execução em
rádios mundo afora. “Panic Station” caberia fácil em qualquer disco no INXS e
“Follow me” deve ter sido composta com o objetivo de entrar na trilha sonora de
“Crepúsculo”. E por aí o disco segue a mesma toada com “Big Freeze” e “Save me”
(uma baladinha medonha por sinal).
Algumas
referências dos discos anteriores estão lá. “Survival”, música que foi usada
como tema das últimas olimpíadas, remete à influência visível que a banda sofre
do Queen (a estrutura operística da música lembra, muito distantemente,
“Bohemian Rhapsody). Em termos comparativos dos discos anteriores basta ouvir
“United States of Eurasia” e “Knights of Cydonia” (essa sim, utiliza o melhor
do que o Queen pode influenciar a banda). Ao escutar “Explorers” virá à cabeça
do ouvinte mais atento “Invincible”.
Mas nem tudo é
escuridão nesse disco novo. “Liquid State” é o tipo de música que mais se
aproxima da sonoridade pesada que consagrou a banda. Desta feita, os efeitos
eletrônicos são extremamente bem utilizados, ajudando a dar uma sonoridade
diferente a algo já conhecido. Em “Animals” sai o eletrônico e em uma rara
oportunidade do disco ouvimos o que o trio pode oferecer de melhor: um som
marcado pela bateria, com uma influência melódica e com uma guitarra coesa e
sem firulas. Possivelmente a melhor música do disco.
Mudanças
dentro de uma banda de rock quase sempre são bem-vindas. Quando eu digo
“quase”, cito imediatamente o exemplo do Ramones. Quando tentaram fazer algo
muito diferente no disco “End of the century” realizaram um disco detestado
pela crítica, pelos fãs e posteriormente os mesmos declarariam não ter ficado
satisfeito com o trabalho. O Muse é uma banda que possui um leque muito maior
de variação musical do que o Ramones (antes que os fãs de Ramones comecem a
chiadeira, não estou falando que por causa disso o Muse é melhor) e, portanto,
se arriscam mais e deslizes como esses podem acontecer. Mas como diriam os Mutantes
em uma de suas músicas “Não queira dar um passo mais largo do que suas pernas
podem dar”. Espero que o trio inglês tenha aprendido que eletrônico,
definitivamente não é a praia deles.
Noite de terça-feira no escaldante
calor que faz no Recife. Numa discussão sadia, entre um chopp e outro, eis que
surge por intermédio de Marcella o nome – “Vanguart”. Banda oriunda de Cuiabá,
do cerrado brasileiro e vizinha do nascedouro da cena musical mais manjada e
insuportável deste país. Este, talvez, seja o único mérito dos caras, porque
ter coragem de lançar algo diferente de sertanejo “universiotário” pra estas
bandas é de fato admirável.
Confesso ter certo receio para ouvir
muitas destas bandas novas do cenário nacional. No meio deste papo, Marcella
falou uma coisa bastante pertinente – “Você não pode falar se você não ouviu.”
É fato minha amiga! No entanto, por incrível que pareça, eu escuto cada coisa
que você nem tem noção. Jamais teci opinião sobre um trabalho se não escutei o
mesmo. E escuto na íntegra mesmo. Na noite da quarta-feira, Marcella me envia
pelo chat do facebook um link para fazer o download do disco – “Boa
parte de mim vai embora”. Disco “baixado” e posto no celular para ser
“degustado” na manhã do dia seguinte. Segue relato:
“Recife, bairro da Torre,
precisamente 05:35 da manhã. Para muitos pode parecer estranho, mas esta é a
hora que costumo ouvir música da maneira mais detalhada. Na hora em que coloco
os fones de ouvido e estou na viagem para o trabalho em Suape.Seguem as canções e alguns trechos:
1 - “Eres mi vida” – trecho da letra – “Saí
de casa a te buscar. Cruzei o país a caminhar. Desenhei nas ruas um amor. Que
já não sei se é real. Como se não existe. E se eu sou triste, a causa é você, é
só você.”
2 – Se tiver que ser na balada, vai – “O
amor não foi suficiente. Eu vou embora, não sei pra onde. Mas ainda um mundo
por dizer. Acho que tá claro. E acho da hora.”
3 – Desmentindo a despedida – “As
tuas ondas. No meu sono. E este mar. Não foi mais que a nossa cama. Sem você. Amanheceu.”
4 – Nessa cidade – “E eu não vou mais estar do teu
lado. Mesmo assim, sempre eu vou te amar. E essas coisas do teu namorado, em
silêncio, hoje eu vou falar. É uma necessidade.”
5 – Engole (Arde mais que brasa em pele
quente) – “E eu te levei até a praia. E eu me desfiz da
minha esposa. E eu joguei fora o meu dinheiro. Fechei a porta pra um amigo. Eu
só sonhei meu desengano. Eu desenhei as tuas pupilas.”
7 – Eu vou lá – “Que eu sou filho dessa
chuva. Desse calor dos teus olhos. Seja eu a tua casa,
seja eu o teu mistério, teu riso. E eu vou lá. Se me faltam caminhos pra ficar.”
8 – Onde você parou – “Quem me dera o céu pudesse
ajudar. Noites eu passei em claro. Os olhos que me apetecem. Os sonhos que se
antecedem. Pra você chegar na estrada, caminho ou lugar. Onde eu seja teu.”
9 - ...Das lágrimas – “Quando me lembro de você. De
mala e cansada de chuva. Das lágrimas na sua blusa. Tentando entender aquele
rosto. Aquela dor que trouxe você...”
10 – Amigo – “Quem te vê sorrindo? Quem te vê
chorando? Quem me vê gastando os dentes?
Em passarelas, em bares. A procurar tua figura, tão imatura. Na noite em que eu
deixei você pra trás. Pra onde é que a gente vai daqui?”
11 – Morrerão – “Que não morreria ao ver você assim, tão
bonita. O seu último olhar acabou. Nas árvores ficou. As ruas marcou. Nos olhos
levou a certeza que teu mar não morrerá em ti.”
12 – O que a gente podia
fazer – “E nas ondas do mar. Eu
vi você voltar. E nas ondas do mar, eu desapareci...(o tempo eu esperei).”
13 – Depressa – “A esperança dos dias cresceu com
a dor. De esperar por você, de bolar a flor. Entre os olhos do meu mais puro
amor. Seja o que isso for...”
Pois bem, caríssimos leitores. O que falar
depois de demonstrações de tanta “genialidade”? Notem que fiz uma pesquisa
minuciosa sobre o disco da banda. Afinal, segundo os “críticos” musicais do
nosso querido país, o “precoce” Helio Flanders é o Bob Dylan brasileiro! Minhas
“reverências” a este cara meus caros! E como estes mesmos críticos gostam desta
palavra “precoce” no ramo musical.
No entanto, eu não posso engolir este tipo de opinião desta forma.
Percebo duas coisas bastante claras nestas pessoas que escrevem sobre música
hoje em dia. A falta de realmente escutar e até mesmo pesquisar antes de falar
sobre qualquer tema. Na verdade, estes críticos, são meros leitores de
releases. Analisem estes trechos de
letras postados acima. Friamente. Quantas vezes vocês encontram a palavra
“amor”? Ou contextos sugestivos a...a...a...”amor”? Ou lágrimas
de...de...de...”amor”? E é claro que não poderia faltar a
dor...de...de...de...”amor”! Ahhhh o amor!
Analisando friamente o disco, posso afirmar com certeza que é uma garapa
com açúcar, adoçante, mais alguns leves toques de folk (Malu Magalhães faz
melhor), indie-rock (eu adoro esses jargões), suspiros de corações machucados e
lágrimas incessantes. E eu aposto que você já está com os olhos cheios de lágrimas
hein...
Musicalmente a banda não tem absolutamente nada de especial. Alguns
momentos lembram o pior do rock gaúcho, noutros se igualam a todas as outras
que estão neste mercado de “Ursinhos Carinhosos”. O Flanders (o cara ao menos
tem sobrenome de artista), ao cantar suas “poesias”, é uma tentativa muito da
ordinária de tentar se aproximar de Rodrigo Amarante. Aquele jeitinho arrastadinho e cheio de “pra
que isso” que, diga-se de passagem, o Hermano faz com o jeito que lhe é
peculiar. Sem forçar a parada!
Insisto
em voltar a falar sobre algo que escrevi acima: “Na verdade, estes críticos, são
meros leitores de releases”. Não é porque um cara diz que tem Bob Dylan
como influência e tente fazer algo parecido, que ele será um novo Bob Dylan. Comparar
o rapaz em foco com um dos maiores letristas da história da música mundial é
uma piada de péssimo gosto. É ignorar um
passado musical bastante rico. Inclusive, duvido que qualquer um destes caras e
ouvintes da referida banda saibam que as letras de Dylan são estudadas em
cursos superiores de letras nos Estados Unidos e na Inglaterra. E foram
docentes de “pequenas” instituições como Harvard e Oxford que lideraram o
processo para que tais letras entrassem na grade de estudo das mesmas. Conselho? Escutem antes de escrever e falar
algo sobre, porque até eu posso escrever – “Meu amor...segurei tuas mãos. Olhei
profundamente nos teus olhos cinzas de tristeza. Uma lágrima escorreu, nutrida
por teu rimel. E depois sorrimos tomando um picolé de acerola.”
Recordo que há alguns anos, eu dizia ao
amigo Carlos Eduardo Borba (o Animal da Porão GB): “Bicho, não posso respeitar uma
banda que tem uma música chamada – ‘Sorvete de Flocos’ e diz-se Punk!”.
Propositalmente, pulei a música 6 no desmembramento das composições. E a
explicação é bem simples:
“No dia que uma banda tiver uma música intitulada ‘A Patinha da Garça’
ganhar meu respeito, pode esquecer tudo que já escrevi, pesquisei e aprendi
sobre música em toda minha vida.”
Vai saber! Do jeito que as coisas estão hoje em dia, pode ser que Bob
Dylan enlouqueça, faça uma versão em inglês da mesma e lance no carnaval.
O cinema está
às escuras. Da tela ouve-se a voz de alguém, mas nenhuma imagem aparece. O
público começa a se inquietar, pois percebe que o filme já deveria estar com
imagens. De súbito, na tela negra surge o título do filme. A câmera então nos
transporta para dentro da O2 arena em Londres e nos convida a celebrar um das
noites mais memoráveis para novos e antigos fãs de rock n´roll, todos unidos
por uma gama variada de sentimentos como nostalgia, devoção e curiosidade.
Assim foi a
experiência de assistir “Led Zeppelin: Celebration Day” na noite doSábado (03/11/2012). Logo de início, a
bateria já denunciava o que estaria por vir: “Good times, Bad times”, primeira
música do álbum de estreia. No palco, os “jovens senhores”, Robert Plant, Jimmy
Page e John Paul Jones demonstravam que a noite seria longa. Auxiliados por
Jason Bonham (filho do falecido baterista, John Bonham), os três propiciaram,
literalmente um espetáculo. Logo a seguir, mais dois clássicos, “Ramble on” e “
Black Dog”.A essa altura a plateia já
estava ganha. Percebendo isso, eles se arriscaram com a longuíssima (porém, não
menos bela) “In my time of Dying”. Algo que deve ser ressaltado é que o set
list contemplou praticamente todas as fases da banda, o que abriu espaço para
músicas menos conhecidascomo “Nobody´s
fault but mine”e “ For your life (esta
executada pela primeira vez), ambas do disco “Presence”. O desfile de clássicos
não parava. Ia da emocionante e etérea “Since I be loving you” à épica “
Kashmir”, passando pelo maior sucesso da banda “Stairway to heaven”( esta, numa
versão muito aquém do original).
Números
clássicos do Led Zeppelin também tiveram vez. O primeiro foi o trecho em que
Jimmy Page toca a guitarra com um arco em “Dazed and confused” (em uma pirâmide
de neon de gosto bastante questionável). Felizmente, dessa vez, ele foi
econômico e não tornou uma música impactante (dentro da sua concepção original)
como “Dazed and confused” num epopeia infindável de 28 minutos como a versão do
filme “The song remains the same”. O segundo momento é quando o mesmo utiliza
uma guitarra de dois braços em “Stairway to haven”. Desta vez, a versão do show
de 1975 foi superior
Apesar de a
banda ter ensaiado por apenas seis semanas,houve mais acertos do que erros na execução das músicas. O público que
conhece minimamente as músicas da banda irá perceber que elas não são
executadas tão intensamente como em outros tempos. O andamento das músicas é
muito mais cadenciado, tanto pelas limitações físicas dos músicos, como pela
limitação vocal de Robert Plant, que obviamente não consegue executar os vocais
com a mesma precisão de outrora. O destaque dos músicos fica por conta do
baterista Jason Bonham. Assim como o pai, ele espanca “gentilmente” a bateria
em sequências intensas.
O final
catártico com “Whole lotta Love” e “Rock and Roll” nos deixa a sensação de que
o Led Zeppelin ainda tem muito a nos oferecer, mesmo que não produzam nada há
mais de trinta anos e nos dá a certeza de que eles estão, definitivamente, no
panteão dos maiores do rock n´roll.
Paulo César Batista de Faria, são 70 anos de história. De um caminho traçado por acordes de violão e cavaquinho, pela marcação dos surdos e a bossa das caixas e tamborins da Tabajara do Samba. Pelo desejo de ser músico, violonista e compositor. Mesmo contra a vontade de seu pai, o imenso César Faria do Conjunto Época de Ouro, este tido por muitos como o maior violão de acompanhamento que este país já ouviu. É Paulo César, teu pai te queria médico! Mas no teu sangue correm hemácias, plaquetas e tudo mais em duas cores: o Azul e o Branco da Majestade do Samba! A Portela querida!
E este rio de águas tépidas correu para o mar. E tu soubeste como poucos timoneiros levar o barco na marola. A calma aconchegante de tua voz e a transparência dos teus acordes te fizeram "o Príncipe do Samba".
Neste destino traçado entre a música e a Portela, temos que relembrar alguns fatos. Primordialmente, o respeito a história. Nos idos de 1970, tiveste a ideia de formar a primeira Velha Guarda. Originalmente ao estar sentando numa tarde na quadra e observar como os membros de mais idade da Portela tocavam divinamente e de forma solta. O modo "irresponsável" de um toque de pandeiro no alto mudou a história musical do Rio de Janeiro. Deste um presente sem tamanho a Música Popular Brasileira. A oportunidade de ouvir sambas esquecidos, acalantos empoeirados, amores perdidos. E que se assim ficariam caso a sua iniciativa não tivesse ocorrido à época.
Outro fato bastante curioso ocorreu no ano de 1968. Hermínio Belo de Carvalho resolveu inscrever a música - "Sei lá Mangueira" no Terceiro Festival de Música da Record. O grande problema neste caso é que a letra era de Hermínio, mas quem musicou a mesma foi Paulinho. É meus caros! Seria a mesma coisa um flamenguista elogiar um vascaíno. Este fato causou bastante desconfiança dentro da Portela. Comenta-se até que o Presidente da Escola tarjou o jovem Paulo César de "traidor".
Segue abaixo o belo motivo desta desavença interpretado por Odete Amaral (uma das mais belas vozes femininas da Estação Primeira de Mangueira):
Exatamente dois anos depois desta desavença veio a resposta. Digamos que um pedido de perdão dos mais belos que já se ouviu na história da Música Brasileira. Claro que depois de ouvir "Foi um rio que passou em minha vida", muitos afirmaram: "Não era necessário isto! Todos sabem das raízes do garoto." Este single foi o divisor de águas na carreira do garoto Paulo César. O aclamado "perdão" o projetou nacionalmente. Nenhuma outra música foi mais executada nas rádios do país naquele ano.
Lendo uma reportagem sobre as comemorações de tão importante data, fiquei impressionado com duas coisas. Primeiro, uma turnê iniciando por Nova Iorque e que possivelmente irá passar por todo nosso Brasil logo em seguida. Mas, a segunda coisa, foi o que me chamou mais atenção. O fato de que antes desta turnê ter início no exterior, o Mestre Paulinho da Viola irá tocar na Praça Central de Madureira como comemoração inicial do seu aniversário. Obviamente que ele estará acompanhado da Velha Guarda da Portela a qual ele ostenta o título de padrinho. Tudo isto com entrada franca. Isto me remete ao texto que Bruno Vitorino escreveu sobre o show de Chico Buarque em Recife. Principalmente a um questionamento: "O que a dita MPB está fazendo para se aproximar do povo e se tornar novamente popular?"
São atitudes louváveis como esta de Paulinho da Viola que mostram a essência e o modo de pensar do artista. Arte para todos! Para os ricos dos teatros e para os pobres das praças.
Após 40 anos de carreira, podemos esperar um novo trabalho de Paulinho da Viola a qualquer momento. Afinal, como ele mesmo afirma: "Eu não vivo no passado, o passado é que vive em mim." E ele utiliza o mesmo para criar o novo sem olhar para trás. Certamente, é um belíssimo elo entre tradição e modernidade.
Parabéns, Mestre Paulinho da Viola!
Abaixo, este rio que continua a passar na nossa vida:
Se um dia
Meu coração for consultado
Para saber se andou errado
Será difícil negar
Meu coração
Tem mania de amor
Amor não é fácil de achar
A marca dos meus desenganos
Ficou, ficou
Só um amor pode apagar
A marca dos meus desenganos
Ficou, ficou
Só um amor pode apagar...
Porém! Ai porém!
Há um caso diferente
Que marcou num breve tempo
Meu coração para sempre
Era dia de Carnaval
Carregava uma tristeza
Não pensava em novo amor
Quando alguém
Que não me lembro anunciou
Portela, Portela
O samba trazendo alvorada
Meu coração conquistou...
Ah! Minha Portela!
Quando vi você passar
Senti meu coração apressado
Todo o meu corpo tomado
Minha alegria voltar
Não posso definir
Aquele azul
Não era do céu
Nem era do mar
Foi um rio
Que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar
Foi um rio
Que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar
Foi um rio
Que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar!
Apreciado desde que o homem se
configura em sociedade moderna, tem seu consumo iniciado em remotos tempos da
antiguidade ocidental. Supostamente tendo sua origem na Ethiópia¹, era consumido
ao mascar das folhas pelos trabalhadores de atividades agrícolas (assim como a Erythroxylum
coca) para dar mais energia nas suas
atividades diárias.
O apreciador de café além de
distinguir no paladar a dosagem da torra do grão, a acidez, os aromas frutados
ou as complexas características que definem a região e/ou país de plantio, tem
no primeiro gole(ou único) uma explosão de sensações vitais que começam nas
atividades instintivas do corpo até atingir fatores psicológicos.
Tendo seu composto rei a tão
idolatrada e repugnada cafeína, substância essa da família das “xantinas” que
age como eficaz estimulante para o sistema nervoso central e dilatador dos
vasos sanguíneos, o consumo de café tornou-se para muitas pessoas um habito
diário e inerente ao começar de um árduo dia de trabalho.
Podemos dizer que este fruto outrora
foi um produto tão valioso quanto o petróleo. Expedições, escravaturas e
guerras também foram travadas em busca do domínio desta mercadoria. Então, caros
leitores, até por um fator cultural o café merece sua devida importância e
respeito.
Decorrente de minha experiência
atual em estar morando num país europeu (Portugal) e tomando algumas xícaras
diárias de bons e verdadeiros caffès espressos²,
começo a pensar que tomar café não é um hábito, mas sim um “estilo de vida”.
Aqui se toma um curto (ristretto) após
o café-da-manhã, após o almoço, após o jantar, com o lanche da tarde, antes da
cerveja a noite, etc. Ou seja, praticamente em todos os momentos que ingerimos
alimentos no decorrer do dia. Obviamente por motivos
ideológicos e/ou de saúde, não costumo ultrapassar duas ou três doses diárias, mas
entendo a opção de quem chega a tomar vários diariamente. Pra quem precisa de “energia”,
melhor bebida não há.
Sendo assim, aproveito este texto
para homenagear o local onde serve o melhor café do mundo. Chama-se “Café
Batista”. Localizado em Vizela, norte de Portugal, cidade onde trabalho (como
professor) e tenho o prazer de frequentar. Ambiente vigoroso, cheio de senhores
de idade reclamando da crise, do governo, da troika, do Benfica (porque do FC
Porto não se tem do que reclamar atualmente), jogando seu carteado e esperando
a vida passar. Chego lá...dou um “boa tarde” pro dono, encosto no balcão e fico
satisfeito porque nem preciso fazer meu pedido. Meu “café forte pingado”³ vai
ser servido impecavelmente saboroso como sempre é. Pago, me despeço, fumo um
cigarrette e estou pronto para o início de uma tarde de trabalho e criatividade.
E você? Como gosta do café?
¹ Wikipédia.com
² Decorrentes das máquinas italianas de pressão à vapor,
iventadas para fins comerciais em meados do século XX.
³ Ou como dizemos em algumas regiões do Brasil, “café
cortado”.
Há quatro anos, fui convidado pelo site Clube de
Jazz para cobrir a apresentação de Eumir Deodato na 5ª edição da MIMO.
“Arretado!”, pensei. Nunca tinha visto o pianista em ação e, a julgar por sua
produção nos anos 1960 e 70, imaginava que o concerto seria, no mínimo,
intenso. Ledo engano... Fui recebido com uma apresentação morna e burocrática,
cujo evento mais interessante era Fafá de Belém dançando e sacolejando sua
protuberância mamária num sobe e desce que deixaria Isaac Newton perplexo. Foi
hipnótico!
Deodato se
despedia quando um rapaz da primeira fileira (aquela que você só consegue se
tiver um bom contato) gritou “Toca Zaratustra!”. O clima ficou tenso. O
semblante do instrumentista mudou radicalmente do simpático a contragosto para
o carrancudo com veemência. Olhando nos olhos do jovem, Eumir foi cortante: “E
quanta grana vai rolar?!” Eu quase aplaudi! Não pela atitude mordaz, muito
menos pelo concerto vazio, mas sim pela a sinceridade em deixar claro que só
estava lá pelo dinheiro. O Planet Hemp fará algo bem parecido neste sábado na
passagem da Tour 2012 pelo Recife. Só
que o grupo carioca substituirá a obscena franqueza do “E quanta grana vai
rolar?!” pela rebeldia vendável do “Advinha, doutor, quem tá de volta na
praça?!”.
Não entendeu, meu
querido? Então, permita-me desenvolver meu raciocínio.
O Planet Hemp
despontou na segunda metade dos anos 1990, quando o rock nacional vivia uma
efervescência produtiva que articulada à ainda estruturada indústria
fonográfica obteve resultados significativos. Em 1996, o Sepultura mergulhava
na cultura xavante e nas tradições percussivas da Bahia incorporando a sua
música interessantes matrizes rítmicas, para o espanto dos puristas do gênero,
no aclamado disco Roots. Neste mesmo
ano, o Raimundos lançava o excelente Lavô
Tá Novo que misturava com muita sagacidade guitarras distorcidas, forró
pé-de-serra e letras debochadas. Aqui em Pernambuco, o Hanagorik pré-produzia
seu ótimo álbum de estreia Uncivil
que projetaria o quinteto de Surubim inclusive no exterior.
Nesse panorama
favorável, o surgimento do Planet Hemp foi recebido com entusiasmo pela mídia e
pelo público por sua atitude provocadora ao abordar de maneira direta o consumo
da maconha. O disco de estreia – Usuário
– com músicas como “Dig Dig Dig”, “Mantenha o Respeito” e “Legalize, Já”
deu a tônica do discurso inflamado do grupo carioca e causou tanto estardalhaço
que logo consagrou a banda como o mais novo grito de protesto do rock
brasileiro. Os dois álbuns seguintes - Os
Cães Ladram Mas a Caravana Não Para e A
Invasão do Sagaz Homem Fumaça - deram continuidade às letras panfletárias e
à sonoridade agressiva, mas tanto a pobreza musical quanto a escassez
argumentativa do grupo fizeram com que seu tênue caráter contestador se
dissolvesse. Já não havia mais o que dizer e a carreira solo de Marcelo D2
começou a se mostrar mais promissora. A banda se desfez...
Inegavelmente o
Planet Hemp trouxe àquele cenário específico um sopro de ousadia política ao
pacato mundo pop, mas acreditar na suposta autenticidade revolucionária da
banda é sucumbir ao engodo da imagem. É bastante palpável o caráter efêmero e
datado da produção do grupo, bem como é latente a superficialidade de suas
críticas, as quais construíram ao seu redor uma aura subversiva, mas que na
verdade encobriam uma rentável estratégia de marketing que comercializa
atitudes e rótulos. Não se iluda, meu caro, pois o ideal modernista de
vanguarda que buscava novas possibilidades expressivas, a contestação dos valores
estabelecidos pela sociedade e a independência do artista da estrutura formal e
comercial da arte foi completamente esvaziado e substituído pela lógica
especulativa e mercadológica do mundo pautado pelo consumo massificado. O
Planet Hemp não ficou de fora.
O que mais seria
esse retorno triunfal da banda após um hiato de 10 anos afastada dos palcos senão
um anacronismo crasso e um oportunismo empresarial escancarado?! Na tentativa
de recriar a atmosfera que o grupo encontrou no auge de seu sucesso, o Planet
Hemp abraça a onda dos revivals que
torna desnecessário o processo criacional e promove lucrativos simulacros de revolução
por todo o país. Algo não muito diverso das festas temáticas “Anos 80” animadas
ao som de Silvinho Blau Blau e das Paquitas. Inclusive no que se refere à
espetacularização da arte e na redução da experiência artística a espasmos de
euforia compartilháveis em redes sociais destituídos, por conseguinte, de todo
e qualquer teor reflexivo. A indústria cultural passa a trocar e negociar
signos, e não mais obras, de modo que o Planet Hemp mercantiliza a lembrança do
que um dia representou para uma geração de adolescentes rebeldes.
Espero
sinceramente que você, meu querido leitor, não apele ao clichê de taxar minha
análise de “reação conservadora” ou de “estertor reacionário”, pois não se
trata disso. Você sabe ler, tenho certeza. Respeito e reconheço a liberdade que
a banda tem para tratar dos assuntos que lhe aprouver, mas, em contrapartida,
também sou completamente livre para apontar suas ranhuras ideológicas e desmontar
a ilusão subversiva criada pelo grupo. É fundamental ao menos ter noção dos
mecanismos que viabilizaram a construção do Planet Hemp, caso contrário,
“curtir o som” deles será um ato pautado pela mídia, pela indústria do
entretenimento ou pelo desejo de integrar o clube de seguidores que o valoriza
e o referenda.
Por tudo isso, se você atendeu ao chamado de Marcelo
D2 e BNegão no vídeo acima, desembolsou os R$ 100,00 do ingresso (ou os R$
200,00 da área VIP, se achar que é chique demais para se misturar com os outros)
e acredita piamente que está contribuindo com sua parcela de insubordinação à
ordem social estabelecida; só me resta lamentar por ti. Foste ludibriado, meu
caro. Simples assim.
Lá fui eu conferir Gonzaga – De Pai pra Filho – filme lançado há menos de uma semana e que já
ocupa o terceiro lugar nas bilheterias do Brasil. Quem encabeça a lista dos
filmes mais assistidos no momento é 007 –
Operação Skyfall. A história do agente britânico já arrecadou R$ 3,4 milhões e
cerca de 500 mil espectadores em três dias nos solos brasileiros. Após esse
balanço de valores “tão módicos” sobre 007, voltemos para o filme Gonzaga.
De fato, a relação entre pai e
filho me parece o ponto mais crucial em Gonzaga. Em boa parte da cultura
ocidental, a relação entre pai e filho representa um dos temas de maior relevo
e pano de fundo. Numa teologia judaico-cristã, por exemplo, aparecem alguns
aspectos dessa relação. O Pai é Deus, e ele incide sobre todos e está em todos.
Mesmo que alguém não professe o Deus Pai, é ele quem constitui um lugar de
reparação de nossos erros ao longo da vida. Em outros termos, é Deus quem
restitui alguma identidade para o Homem.
Essas relações ecoariam numa Psicanálise (primeiro em Freud e depois em Lacan) no
caso alegórico do Cristo assassinado na Terra. O assassínio de Cristo não
necessariamente (ou exclusivamente) culminaria em nossa salvação, mas na
salvação do próprio Pai, do nosso temor e procura por algo no Pai. Cristo morreria para salvar o Pai e para reavivar a sua identidade. Isso
descamba numa discussão sobre a identidade.
Se no Cristianismo, o Filho procura a
sua identidade no próprio Pai, no filme Gonzaga – De Pai pra Filho, o Filho (Gonzaguinha) vai até o Sertão em Exu à procurade uma identidade através de um diálogo com o seu Pai, o Gonzagão. Para isso, Gonzaguinha leva um gravador para registrar algumas conversas com Gonzagão, masa procura por
uma identidade no Pai é tortuosa. Elas revelam traumas, recalques e
contradições entre o Gonzaga Pai e o Gonzaga Filho.
Acredito que a aderência entre
as identidades do Pai e do Filho não são necessariamente viagens ou sandices
filosóficas, psicanalíticas e históricas impertinentes para esta discussão. Basta
vermos o Superman. Lá já está posto este ponto. Clark Kent nasce em Kryptonia e
o verbo ecoa na fala do seu pai Jor-El: The
son becames the father, and the father becames the son. O filho se torna o
pai e o pai se torna o filho. Fiat Lux!
O Gonzaga – De Pai pra Filho comoverá e já comoveu muita gente. Comoções
à parte, lembremos que o filme possui algumas limitações e problemas. Um deles
está no desafio de elaborar um roteiro que destaque o conflito entre pai e
filho ao mesmo tempo em que tenta uma abordagem das biografias de Gonzaga Pai e
Gonzaga Filho em apenas duas horas de produção. O resultado é uma dispersão no
próprio roteiro e algumas dificuldades para retomar os cenários anteriores.
Os fortes elementos do pastiche
em Gonzaga se
assemelham demais a 2 Filhos de Francisco (2005)
e Lula, o Filho do Brasil (2009) em alguns momentos, ou
ao estilo Novela da Oito da Rede
Globo de não mergulhar suficientemente nos personagens principais. Gonzaguinha,
por exemplo, é representado por quatro atores diferentes, mas nenhum deles me
parece aprofundado de maneira satisfatória na trama.
A melhor interpretação do filme
é a de Júlio Andrade (que vive o Gonzaguinha mais velho e já famoso). Mesmo assim,
o personagem de Júlio lastreia levemente a história. O Gonzaguinha vivido por
Júlio Andrade pode remontar à Margareth Thatcher de Meryl Streep; ao Ray
Charles de Jamie Foxx; ao Cazuza de Daniel de Oliveira e ao General Patton de
George C. Scott no seguinte aspecto: “Poesia é imitação”. Esta máxima foi propagada
por Platão e por Aristóteles, os quais consideravam a arte como uma mímesis (μίμησις). Mas este conceito pode
ir além, pois a mímesis
não é apenas imitação, mas a denotação
das coisas na arte. Isso vale para todas as mídias. Eu também diria que a arte
pode ser convenção cultural, estruturação, inconsciente e inatismo – de tal maneira que nenhuma
dessas condições excluiria necessariamente as outras.
Para mim, o Gonzaguinha
interpretado por Júlio Andrade deixa claro que a arte como mímesis (ou seja, aquela arte voltada para a imitação, semelhança e
ou denotação sobre a realidade do mundo), traduz um peso considerável para
sentirmos algo e nos comovermos com esse algo. A partir disso, alguns
argumentos - entre eles o de que o figurativo, a imitação e a denotação
estariam em decadência e esvaziados na arte - é uma grande balela. Talvez o
problema maior resida nas condições e contextos onde se imita e denota algo. O
Gonzaguinha vivido por Júlio Andrade, as vegetações, as festas
representando o sertão de Exu, os primeiros esboços do vira-e-mexe (ritmo que mesclou sanfona, zabumba e triângulo com o
cavaquinho, bandolim e violão-sete-cordas) e o baião executado por Gonzagão,
podem causar grande comoções – assim como os jogos entre as canções de Gonzagão
e Gonzaguinha (que me parecem uns dos maiores trunfos do filme). Vale a pena
senti-los até à maneira Álvaro de Campos (Fernando
Pessoa) que diz: “Vale a pena sentir para ao menos deixar de sentir”!